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CAPÍTULO II – ESTADO, POLÍTICAS DE AVALIAÇÃO E O TRABALHO

2.3 Qualidade sob a lógica dos testes estandardizados

A atenção destinada à avaliação externa nas últimas décadas, tanto no âmbito dos debates oficiais representados por membros da máquina do Estado, como por

estudiosos críticos, aponta para a reconfiguração do seu papel no cenário político da educação nacional. Tal lugar de destaque aparece relacionado à justificativa da demanda do monitoramento da “qualidade” da educação. Como salientam Souza e Oliveira (2003), esse tema substitui a antiga “ideia-força” da igualdade como principal objetivo das políticas.

Nas políticas públicas destinadas à educação, o Ideb é justificado como medida necessária à promoção de uma educação de qualidade. A questão problemática ocorre, conforme Romualdo Oliveira (2007), quando passamos a tratar o índice como o indicador de qualidade, pois, para esse autor, três elementos devem estar relacionados na discussão da qualidade: a dimensão de insumos, os processos e os indicadores como o Ideb. Assim, o indicador é apenas uma das dimensões e depende intrinsecamente das demais: “Nessa perspectiva, em um indicador de qualidade é necessário que se incorpore uma dimensão que represente as condições em que ocorre o processo ensino/aprendizagem” (OLIVEIRA, R., 2007, p.33).

Com efeito, nesse movimento é preciso compreender que “qualidade” é essa. Tal expressão apresenta um hibridismo conceitual, se constitui em palavra de plural e de controversa definição, uma vez que se relaciona a campos que por natureza estão sujeitos a profundas contendas políticas, principalmente sobre os investimentos e quem é responsável por sua consolidação. Desse modo, para avaliar a qualidade é importante problematizar o que entendemos por educação de qualidade, assim como explicitar quem colabora com a sua definição.

A concepção de qualidade da educação, que decorre da luta histórica pela ampliação da educação como direito e igualdade social, envolve dimensões extras e intraescolares. Para Bondioli (2004), é preciso pensar em uma “qualidade negociada”, porque:

A qualidade não é um dado de fato, não é um valor absoluto, não é adequação a um padrão ou a normas estabelecidas a priori e do alto. Qualidade é transação, isto é, debate entre indivíduos e grupos que têm um interesse em relação à rede educativa [refere-se à rede de creches da região de Emília-Romana – Itália], que têm responsabilidade para com ela, com a qual estão envolvidos de algum modo e que trabalham para explicar e definir, de modo consensual, valores, objetivos, prioridades, ideias sobre como é a rede para a infância e sobre como deveria ou poderia ser (BONDIOLI, 2004, p.14).

Para a construção dessa qualidade na rede, a autora afirma que são necessários indicadores de natureza transacional (visto que demanda a constante definição do grupo e o compromisso deste com a sua construção); participativa (não há qualidade sem participação efetiva); autorreflexiva (modelação de “boas práticas”, fruto da reflexão compartilhada sobre a capacidade de elas realizarem objetivos consensualmente definidos); contextual e plural (histórica, com tradições e idiossincrasias); processual (não é um produto, nunca está concluída; a qualidade se constrói) e transformadora (este é o aspecto decisivo, pois se deve produzir uma transformação para melhor) – é a avaliação dessa “transformação” que “[...] constituirá, portanto, o critério básico para comprovar a qualidade” (Ibidem, p.17). Contudo, ao nível da avaliação institucional, como debatemos anteriormente, temos as possibilidades para esse posicionamento da escola, de toda a comunidade e do Estado no que concerne à construção da qualidade socialmente referenciada.

Outrossim, na educação, a qualidade é tema complexo e em construção. Demanda sólida estrutura, financiamento, condições de aprendizagem e de ensino, gestão e organização do trabalho, formação dos profissionais, organização do trabalho pedagógico, condições socioeconômicas dos estudantes e dos professores, entre outros fatores. Não basta garantir o acesso e a permanência na escola; é essencial que se aprenda, mas com o sentido radical e transformador da educação democrática, quando educar é instrução e formação fundamentada na solidariedade para a construção de um mundo mais justo. É preciso formar para entender a realidade, como também para querer transformá-la.

Nesse sentido, julgamos que a discussão sobre qualidade não pode ocorrer sem pensarmos na própria concepção de educação e sociedade que a sustenta, da função social que atribuímos à escola. Como salienta Casassus (2007), na discussão sobre qualidade é imperativo discutirmos sobre quais pessoas ensejamos formar e para qual sociedade.

Calidad no es puntaje. [...] Una educación de calidad tiene esencialmente que ver con La capacidad que tiene la institución escolar, de facilitar a que las personas se transformen en mejores personas, para que la sociedad se transforme en una mejor sociedad. Es una actividad de conocimiento transformativo. El nivel de calidad en la educación de una escuela es proporcional a la profundidad de los análisis que se ponga a la disposición de los alumnos, de los tipos de preguntas que se les permite proponer, del tipo de proyectos en los cuales se pueden embarcar y del tipo de problemas que son capaces de

resolver. Calidad educativa no es una actividad centrada en tener puntajes más altos. Son ámbitos distintos y es un error confundirlos porque tiene consecuencias negativas (CASASSUS, 2007, p.75).

Severino (2010) discorre que a educação só encontra legitimidade quando assume o compromisso radical com a formação humana, entendida em seu sentido mais pleno como processo de humanização, ao passar de indivíduo natural à condição de pessoa cultural. Na intenção de construir a humanidade do homem, a formação como parte da responsabilidade da educação institucionalizada não se limita ao domínio de um acervo de conteúdos informativos, de determinadas habilidades ou de competências pragmáticas; ao contrário, “[...] é uma forma de apreensão e vivência da própria condição humana” a partir “[...] da qual as pessoas possam conduzir sua existência histórica” (Ibidem, p.7). Trata-se, assim, do grande esforço na busca de:

[...] sentidos e valores que possam intencionalizar a prática construtora da história, mas com base em sentidos adequados aos interesses universais da humanidade. Este parece ser o significado fundamental da prática educativa, a sua dimensão legitimadora, o que dá toda sustentação e alicerces, inclusive na implementação de suas diversas modalidades segundas, como a instrução, a profissionalização, o ensino institucionalizado, de modo geral, numa palavra, todas as modalidades da mediação pedagógica (SEVERINO, 2010, p.7).

Colaborar com a formação de pessoas socialmente imbuídas com o outro, o mundo e a natureza, com sujeitos autônomos na decisão e no direcionamento de seu agir, demanda uma qualidade da educação muito mais complexa que um índice restrito a dados cognitivos dos estudantes em testes estandardizados.

No cenário brasileiro, a discussão da qualidade em educação é salientada na Constituição Federal de 1988 (Art. 206), a qual estabelece a “[...] garantia de padrão mínimo de qualidade”. Na sequência à promulgação da Constituição Federal, no transcorrer da década de 1990, observamos a ampliação significativa das políticas públicas que se justificam pela busca da qualidade. Contudo, mesmo na Constituição, segundo Pinto (2010, p.1), se avançou pouco na forma de viabilizar a norma para garantia dessa qualidade, pois o princípio que “[...] regulava o financiamento da educação era o dos recursos disponíveis por aluno, tendo por base os percentuais mínimos vinculados”, ou seja, “[...] não havia a preocupação em se verificar se os valores assim disponibilizados garantiam um padrão mínimo de qualidade para o ensino oferecido”. Ainda para esse autor, um passo importante foi dado com a Emenda

Constitucional n. 14/1996, ao definir que cabe à União a função distributiva e supletiva para garantir um padrão mínimo de qualidade de ensino mediante assistência técnica e financeira aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios. Nesse contexto, define-se “[...] assim o princípio do Custo-Aluno Qualidade (CAQ) e a quem cabe garanti-lo: a União em colaboração com os estados e municípios” (Idem).

A LDB (Lei n. 9.394/1996) pontua 10 vezes o termo “qualidade”, seja como padrão de qualidade, padrão mínimo de qualidade, avaliação da qualidade, melhoria da qualidade, aprimoramento da qualidade e ensino de qualidade (CURY, 2007). Para Pinto (2010, p.2), a LDB oferece um caminho para se chegar ao valor do CAQ ao, definir no Art. 4º, inciso IX, como “[...] padrões mínimos de qualidade de ensino a variedade e quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem”.

Essa definição da legislação associa qualidade de ensino aos insumos. Entretanto, um novo conceito, o Custo-Aluno Qualidade Inicial (CAQi), foi gestado como fruto da mobilização social na Campanha Nacional pelo Direito à Educação que diante, especialmente, do veto no PNE (Lei n. 10.172) dos 7% do PIB para a educação, se propôs a pensar a construção do CAQ com a participação de profissionais da educação, especialistas, pais de alunos e gestores educacionais (PINTO, 2010).

Nessas oficinas, em coerência com a legislação buscava-se definir os insumos que deveriam compor uma escola com padrões básicos de qualidade. Neste sentido firmou-se o consenso de que o que se discutiria seria um ponto de partida, um padrão mínimo de qualidade, que deveria ser assegurado a todas as escolas do país, até porque os critérios de qualidade evoluem com o tempo (PINTO, 2010, p.2).

O trabalho com o CAQi envolveu definições quanto aos valores de insumos para os diferentes níveis de ensino, garantindo as suas especificidades. A defesa do CAQi foi seguida por um conceito de qualidade pautado na perspectiva “democrática e de qualidade social”, que, conforme salienta Pinto (2010), visa ao conjunto da população brasileira, e não apenas a uma pequena elite de crianças e jovens.

Segundo Oliveira (2009) diferentes estudos indicam algumas condições essenciais para a promoção da qualidade, o que demanda amplo investimento do Estado:

(a) quadro de professores qualificados; (b) existência de carga horária docente disponível para o desenvolvimento de atividades que não

sejam de aula; (c) dedicação dos professores a uma só escola; (d) aumento de salário de acordo com a formação continuada e titulação; (e) corpo docente pertencente ao quadro efetivo; (f) dedicação dos não docentes a uma só escola; (g) instalações bem conservadas; (h) existência de biblioteca e laboratório(s); (i) motivação para o trabalho; (j) diretor eleito e com experiência docente e de gestão; (k) participação da comunidade escolar; (l) integração da escola com a comunidade local e existência de conselho escolar (ou equivalente) atuante; (m) cuidados com a segurança da comunidade escolar (OLIVEIRA, 2009, p.249).

Para além desses pontos fundamentais, a qualidade da educação contextualiza uma escola que não está isolada em si mesma, mas que faz parte de uma sociedade que, na realidade capitalista, é marcada pela ampla diferença e exclusão social; Como Coleman (1966) confrontava em seu relatório sobre a realidade norte-americana, não basta olharmos para os fatores internos à escola; é necessário ver o peso das diferenças sociais que adentram na instituição com alunos de diferentes camadas sociais e influem diretamente sobre os estudantes em seu processo pedagógico. Assim, a luta por uma escola de qualidade para todos não escapa ao debate de outra forma de organização social, pois, na visão de Mészáros (2008, p.27), “[...] limitar uma mudança educacional radical às margens corretivas interesseiras do capital significa abandonar de uma só vez, conscientemente ou não, o objetivo de uma transformação social qualitativa”.

Portanto, como apontam Soares e Andrade (2006, p.118):

A média do desempenho cognitivo dos alunos de uma dada escola não pode ser tomada como uma medida de sua qualidade, já que escolas diferentes têm alunos com perfis socioeconômicos muito diferentes e é amplamente conhecida a influência do nível socioeconômico no desempenho dos alunos da Educação Básica.

Com efeito, a avaliação em larga escala é fundamental para garantirmos uma educação de qualidade. A questão a ser problematizada é a intencionalidade que conduzem as avaliações e como avaliar diante dessa complexidade. Por outro lado, a abordagem que associa a promoção da qualidade da educação às políticas de avaliação em larga escala não é privilégio da realidade brasileira, ao contrário, é um movimento das políticas mundiais, pois, como destaca Casassus (2007, p.71):

[...] a inicios de la década de los 1980, ocurrió un giro en la política de educación a nivel mundial que no tardó en llegar a América Latina. El giro consistió en que el foco de la política dejo de ser la expansión del sistema para concentrarse en lo que ocurría adentro del sistema.

A educação estava passando de um enfoque da quantidade de acesso à educação para a qualidade. Contudo, a discussão sobre o que se entendia por qualidade ficou apenas subtendida a um “sutil segundo plano”, quando ao final se “[...] interpreto como siendo equivalente a un puntaje en una prueba estandarizada” (CASASSUS, 2007, p.71). Segundo o autor, nessa mudança, as políticas se centraram mais na gestão de sistema do que na educação propriamente dita, e esse foco não está embasado na filosofia, psicologia, pedagogia ou sociologia, mas sim na economia.

A Declaração Mundial sobre Educação para Todos, da qual participaram 155 nações, 150 entidades não governamentais e organizações como o Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (Bird), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e a Unesco, aponta as orientações e os interesses dos organismos internacionais na valorização da avaliação e a perspectiva de qualidade assumida. Com esse encontro se firmou que “[...] a Educação Básica55 deve estar centrada na aquisição e nos resultados

efetivos da aprendizagem, e não mais exclusivamente na matricula, frequência aos programas estabelecidos e preenchimento dos requisitos para a obtenção do diploma” (JOMTIEN, 1990, p.4).

Com efeito, de acordo com as definições do encontro seria preciso provar a qualidade do que ocorre na educação. Por isso, apontava-se a “necessidade de definir, nos programas educacionais, os níveis desejáveis de aquisição de conhecimentos e implementar sistemas de avaliação de desempenho” (Idem, destaques nossos).

A Declaração Mundial de Educação para Todos ressalta a carência dos países quanto aos mecanismos de coleta, processamento e análise de dados referentes à

55 Vale salientar a diferença desse conceito com a orientação da nossa LDBEN (Lei n. 9.394/1996), na

qual a Educação Básica inclui a Educação Infantil para crianças até cinco anos, o Ensino Fundamental de nove anos e o Ensino Médio com três anos, com o objetivo de desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores (Art. 22). A compreensão desse conceito na LDB é fundamental, pois ele se diferencia de conceitos expressos em outras diretrizes. A incorporação do conceito de “Educação Básica”, segundo Cury (2008), representa um direito, significa um recorte universalista de uma cidadania ampliada e sedenta de uma democracia civil, social, política e cultural. Ele é expresso enquanto direito de todos, “[...] a ser realizado em uma educação escolar que contivesse elementos comuns. De um lado, o combate à desigualdade, à discriminação e à intolerância, de outro lado, o apontamento da condução da educação escolar pelo princípio, também novo, da gestão democrática” (Ibidem, p.297). Assevera Oliveira (2005) as diferenças do conceito de “Educação Básica” no Brasil e os sentidos destacados por organizações internacionais, como o significado assumido na Conferência de Jomtien, em que a “Educação Básica” se remete ao atendimento das exigências básicas de aprendizagem. Para a autora, há um hibridismo conceitual resultante da sobreposição de diferentes lógicas e práticas na definição e ação política que dependem dos interesses em jogo.

Educação Básica, além de orientar sobre a urgência na realização dessa tarefa, visto ser vital uma base de dados para a organização e execução do plano de ação. Portanto, defendia que “[...] uma implicação capital do enfoque na aquisição de aprendizagem é a necessidade de se elaborarem e aperfeiçoarem sistemas eficazes para a avaliação do rendimento individual dos educandos e do sistema de ensino” (JOMTIEN, 1990, p.15).

O processo de regulação desses organismos internacionais nas políticas públicas de educação é prontamente identificado nas reformas brasileiras a partir da década de 1990. A implementação do Sistema Nacional de Avaliação é um exemplo tácito dessa realidade, ou mesmo a atenção central dada ao Ensino Fundamental tanto em relação ao financiamento quanto à demanda da universalização, o que também era meta assumida na declaração.

Atrelada à defesa da qualidade e da sua medida via programas de avaliação, a Conferência apresenta, como seus princípios e ensejos, buscar na educação parcerias entre diferentes setores (governamentais e não governamentais, comunidades locais, grupos religiosos, famílias); construir a cooperação bilateral e multilateral com “espírito de parceria”; explorar novas formas de transmissão de conhecimentos; focar no Ensino Fundamental (garantir a satisfação das necessidades básicas de aprendizagem); explorar a educação não formal e não governamental; concentrar atenção na aprendizagem (foco está no indivíduo que aprende); propor padrão mínimo de qualidade da aprendizagem; continuar aprendendo; mobilizar recursos financeiros públicos, privados e voluntários. Essas e outras frentes indicadas no documento apontam para uma visão de qualidade e as ações propostas para alcançá-la, ou seja, máxima eficácia, mínimo investimento e amplo processo de avaliação. Essa relação entre financiamento limitado, gestão da escola contando com a parceria de todos e implementação sistemática da avaliação traz novas exigências para a escola – em condições precárias e sem o indicativo de melhoras estruturais nas condições de trabalho no magistério, o professor é responsabilizado pela qualidade estreitamente atrelada a resultados.

Na orientação política da Conferência, a educação formal não é colocada como incumbência do Estado; ao contrário, delega-a a todos os membros da sociedade, os quais devem contribuir com “vontade política” e demandar a reforma na política educacional pelo Estado. Afirma que “[...] se, mais uma vez, a Educação Básica for considerada como responsabilidade de toda a sociedade, muitos parceiros deverão unir-

se às autoridades educacionais, aos educadores e a outros trabalhadores da área educacional para o seu desenvolvimento (JOMTIEN, 1990, p.11).

Nesse sentido, o documento fomenta a desconcentração na execução e a responsabilidade pela educação (atender a todos com a colaboração de todos), mas, ao explorar a avaliação dos programas como medida necessária, centraliza esse papel como função do Estado ou mesmo de organismos internacionais; aos demais (sociedade e escola) recai, sobretudo, o encargo pelo cumprimento da qualidade definida

centralmente.

Na orientação da Conferência (JOMTIEN, 1990), que marcou as ações dos organismos internacionais nas últimas décadas, a definição das necessidades básicas de aprendizagem (padrão mínimo – garantir as habilidades básicas para que o indivíduo “aprenda a aprender” e depois dê conta de si mesmo) seria condição fundamental para assegurar a qualidade da educação para “todos”. Entretanto, o documento afirma que, diante das realidades distintas no mundo e no interior dos países, é preciso partir de cada realidade para lançar as metas específicas (nexo presente no Ideb, com as metas intermediárias). Esse movimento entre as metas específicas e o conhecimento universal denotam uma política que não está preocupada em garantir igualdade com qualidade social.

Esses fundamentos passaram a orientar os principais patrocinadores das metas da Educação para Todos (Unesco, Pnud, Unicef e o Banco Mundial56). Nesse quadro, a qualidade na/da educação converte-se em sinônimo de quantidade (números/pontuações obtidos via testes padronizados), cuja responsabilidade por garantir os resultados passa a ser lançada sobre a sociedade e, especialmente, sobre as próprias escolas e seus profissionais.

No Brasil, o novo Plano Nacional de Educação (2014) traz, entre as 20 metas lançadas, a meta 7, a qual apresenta maior número de estratégias, aspecto que é emblemático de sua complexidade, sobretudo pela correlação atribuída entre o Ideb e a qualidade da educação preconizada pelo documento. Alvo de muitas críticas, a qualidade da educação foi indicada pelo Plano com base nesse Índice, confrontando os debates da sociedade em torno da defesa de uma qualidade socialmente referenciada. Os

56 O Banco Mundial, segundo Corbalán (2002), é composto por: Banco Internacional para a Reconstrução

e o Desenvolvimento (Bird); Associação Internacional de Desenvolvimento (AID); Corporação Financeira Internacional (IFC); Agência Multilateral de Garantia de Investimentos (AMGI); Centro Internacional para Arbitragem de Disputas sobre Investimentos (Ciadi). Informações disponíveis em: <http://www.educacao basica.worldbank.org>. Acesso em: 12 maio 2012.

limites que envolvem o Ideb como indicador precípuo da qualidade foram reconhecidos pelo documento e, para potencializar seus efeitos, o PNE define, na estratégia 7.3, o intento de constituir, em colaboração entre a União e os entes federados, um conjunto nacional de indicadores de avaliação institucional (compreendido como uma avaliação externa à escola), a considerar o perfil dos estudantes, do corpo de profissionais e das condições de infraestrutura das escolas, os recursos pedagógicos disponíveis, as características da gestão e outras dimensões relevantes. Todavia, estruturalmente as variáveis consideradas nos cálculos não foram alteradas e não há, ainda, indicação quanto a esse processo.

Uma característica que permanece no PNE é a continuidade da centralidade do Ideb que, desde o PDE (2007), se constitui como um dos eixos das políticas de educação do Estado. Entretanto, no âmbito do Plano, a estratégia 7.36 evidencia uma mudança significativa das propostas traçadas no PDE em relação ao Ideb e às atuais orientações do PNE, uma vez que o plano passa a propor políticas de estímulo às escolas de acordo com o desempenho no índice e assume, assim, explicitamente o princípio meritocrático. A estratégia foi assim definida: “[...] estabelecer políticas de estímulo às escolas que melhorarem o desempenho no Ideb, de modo a valorizar o mérito do corpo docente, da direção e da comunidade escolar” (PNE, 2014).

A relação dos testes estandardizados com o “prêmio por produtividade” já é realidade em alguns estados brasileiros, sendo Minas Gerais, espaço da nossa investigação, campo que retrata esse processo. Assim, uma das características que era favorável do índice é redefinida com atributos, em nossa visão, negativos para a