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2.3 A QUESTÃO AGRÍCOLA

2.3.3 A Revolução Verde no Brasil

Com a modernização, essa concentração de terras tornou-se ainda maior, os pequenos produtores foram excluídos dos benefícios governamentais e, sem recursos para a aquisição de insumos agrícolas, acabaram vendendo suas propriedades e migrando para os centros urbanos. Na década de 70, 16 milhões de pessoas deixaram sua residência rural para buscar alternativas de sobrevivência nas cidades. Nessa época surgiu a figura do ‘bóia-fria’, trabalhador rural volante, contratado pela agricultura patronal para a época de pico nas safras em que a motomecanização ainda não atendia 100% do trabalho, principalmente nas lavouras de cana-de-açúcar e café.

De acordo com Ehlers (1999), entre as décadas de 40 e 80, a população rural decresceu de 70% para 30% do total da população brasileira. A intensa transferência do campo para a cidade, associada a um processo de industrialização poupador de mão-de-obra, fez crescer a subocupação, o desemprego e a marginalidade na periferia das cidades. Um bom exemplo do problema urbano que representa é dado por Graziano (1999), referindo-se ao crescimento da região metropolitana de São Paulo que, na década de 70 (4,45 milhões de pessoas), apenas 38% se referiam ao crescimento vegetativo. Os 62% restantes foram preenchidos por migrantes.

Além dos problemas sociais gerados pela modernização agrícola brasileira, evidenciaram-se os problemas ambientais decorrentes, em grande parte, da intensiva mecanização e do uso de agrotóxicos. Primavesi (1997) relata o caso dos agricultores gaúchos que migraram para o Mato Grosso do Sul em busca de novas terras férteis; posteriormente para o Mato Grosso, chegando em Goiás e Tocantins e atualmente no Maranhão. Esta

migração deu-se porque, depois de sete anos de uso intensivo de tecnologia convencional, os solos deixam de produzir. Os solos são destruídos pela exposição ao sol e à chuva, pela compactação por máquinas pesadas que, numa lavoura de soja, podem passar até 18 vezes pelo campo e pela elevada adubação com apenas três elementos, NPK, ou seja, nitrogênio, fósforo e potássio, esgotando todos os micronutrientes indispensáveis para a produção e manutenção da saúde vegetal. O uso intensivo de fertilizantes e defensivos tem causado a degradação dos solos e a contaminação das águas e a destruição da harmonia que deve existir entre o homem e a natureza. (OLINGER, 1991).

Paschoal (apud Ehlers, 1999) relata que o elevado consumo de agrotóxicos provocou um aumento significativo do número de pragas, sendo identificadas cerca de 440 variedades de novos insetos e 70 novos fungos. Há duas principais explicações, uma se refere à resistência que as pragas desenvolvem com o passar do tempo às aplicações dos venenos, e outra defende que os agrotóxicos matam as pragas e também os seus predadores naturais, ocasionando um desequilíbrio no agroecossistema.

O nível de consumo de insumos agrícolas no período 1964/1975, no qual o aumento da produtividade das principais culturas foi de 4,5% ao ano, o uso de fertilizantes químicos teve um aumento de 1.234,2%; o de inseticidas, 233,6%; o de fungicidas, 548,5%; o de herbicidas, 5.414,2%; e o de tratores; 398,1%. (PASCHOAL apud EHLERS, 1999).

Sahtouris (1998) comenta que, no início do século, um agricultor produzia 10 calorias de energia alimentar por cada caloria de insumo de energia e, dessa maneira, mantinha sadios o solo e o lençol freático, enquanto o agricultor moderno investe 10 calorias de energia por cada caloria de alimento produzido. Concomitantemente, sua terra torna-se cada vez mais empobrecida, destruindo, dessa maneira, a própria base de seu sustento. A agricultura de alta tecnologia deve ser considerada como imensamente ineficiente e desperdiçadora de energia. A crise de sustentabilidade na agricultura, para a autora, está

relacionada à desastrosa implantação das monoculturas de alta tecnologia. A biodiversidade é essencial em todos os sistemas vivos, incluindo o humano. A monocultura é tão destrutiva e perigosa nos sistemas sociais humanos quanto na agricultura, quanto maior a variedade, mais estável será o sistema. Em termos biológicos, a biodiversidade é a essência na operação dos mecanismos ecológicos internos de controle e equilíbrio. O argumento básico é que, quanto maior a diversidade, maior a estabilidade do sistema pela capacidade de responder a eventuais perturbações, considerando a existência de um maior número de organismos e de interações entre eles, e entre eles e o meio abiótico.

[...] as monoculturas da mente fazem a diversidade desaparecer da percepção e, conseqüentemente, do mundo. O desaparecimento da diversidade corresponde ao desaparecimento das alternativas – e leva à síndrome FALAL (falta de alternativas). Com freqüência, nos tempos de hoje, o extermínio completo de natureza, tecnologia, comunidades e até de uma civilização inteira não é justificado pela “falta de alternativas”? As alternativas existem, sim, mas foram excluídas. Sua inclusão requer um contexto de diversidade. Adotar a diversidade como uma forma de pensar, como um contexto de ação, permite o surgimento de muitas opções. (SHIVA 2003, p.15).

Para Sawaia ([et. all.], 2001), essa prática deriva do menosprezo dos saberes populares. Por detrás de atitudes como essas, esconde-se uma discriminação e uma tentativa de exclusão ou supressão de um determinado tipo de saber. O não reconhecimento de práticas alternativas implica deslegitimizar as práticas sociais que as sustentam e, nesse sentido, promovem uma profunda e perversa exclusão social. O genocídio que pontuou tantas vezes a expansão européia foi também um epistemicídio: eliminaram-se povos estranhos porque tinham formas de conhecimento estranho e eliminaram-se formas de conhecimento estranho porque eram sustentadas por práticas sociais e povos estranhos. O epistemicídio foi muito mais vasto que o genocídio, porque ocorreu sempre que se pretendeu subalternizar,

subordinar, marginalizar ou ilegalizar práticas e grupos sociais que podiam constituir uma ameaça à expansão capitalista... ou comunista. As práticas diferentes, alternativas, assustam os poderes e os saberes dominantes. Há o perigo de que essas práticas levem a pensar diferente e a um conhecimento que fuja, que escape, à hegemonia do saber acadêmico ou institucional. Enquanto essas práticas de exclusão forem hegemônicas, e os saberes populares forem seqüestrados e impedidos de se legitimarem, dificilmente poder-se-á falar numa sociedade verdadeiramente democrática e pluralista tanto política como cultural e economicamente. (SANTOS, 2003).

Na década de 80, a crise econômica e o agravamento do desequilíbrio do setor público acabaram com os mecanismos que asseguraram a implantação do modelo convencional, linhas de crédito, políticas de preços mínimos, incentivos e financiamentos, já que esses mecanismos eram considerados uma das causas do déficit público. Não houve, apesar disso, quebra acentuada na produtividade das safras agrícolas e ainda houve abertura para a entrada das práticas consideradas ‘alternativas’, como conservação dos solos, plantio direto, controle biológico de pragas e fixação biológica de nitrogênio.

Com a crise do modelo tecnológico da revolução verde, as atenções voltaram-se para um outro tipo de agricultura, menos dependente de insumos químicos, privilegiando o resgate de conhecimentos ancestrais aliados a uma nova perspectiva tecnológica.