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O processo histórico de colonização do território brasileiro privilegiou as grandes propriedades e as elites; primeiro a aristocracia imperial e mais recentemente a burguesia industrial. A colonização deu-se não apenas geograficamente, mas mentalmente, gerando, nesta terra, rica em recursos naturais, um povo dependente e servil.

Os indígenas, os negros, os pobres em geral foram sempre excluídos de qualquer possibilidade de ascensão social, pois lhes foi negado desde sempre o acesso à cultura, à saúde e à posse dos meios de produção.

Esse tratamento historicamente discriminatório e desumano gerou uma grande massa de excluídos, que somente fez crescer a partir de projetos de modernização industrial e agrícola, importados de países considerados desenvolvidos.

O melhor exemplo é o pacote tecnológico da chamada Revolução Verde, que expulsou do campo centenas de famílias de camponeses, e pessoas que se auto sustentavam na pequena agricultura tornaram-se dependentes do meio urbano.

A longa história de desmandos governamentais no tratamento das camadas mais pobres da população, em especial no meio rural, levou ao surgimento de movimentos sociais na tentativa de resgatar a dignidade desse povo.

O MST é um desses movimentos que fez colocar no cenário nacional os excluídos e ignorados, aqueles que não têm representatividade política e econômica.

O final da década de 70 foi marcado pela confluência de fatores que determinaram o surgimento de movimentos sociais rurais no sul do Brasil:

a) a liberação política que antecedeu a transição democrática brasileira;

b) os profundos impactos da modernização capitalista em áreas rurais, incluindo ai o fechamento da fronteira agrícola e a elevação dos preços da terra;

c) a decisiva ação dos setores progressistas das Igrejas Católica e Luterana;

d) as características socioculturais das regiões de colônia nos três estados do sul, desenvolvendo um sentido de identidade social, nas comunidades rurais, raramente encontrado em outras regiões. (MEDEIROS E LEITE, 1999).

A proposta de organização do povo rural cresceu, naqueles anos, baseada no discurso que difundiu a participação política. Como alternativa de superar as dificuldades, nasceram os movimentos sociais nos anos 80, destacando-se o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), o Movimentos de Mulheres Trabalhadoras Rurais (MMRT), e o MST, principal força propulsora na constituição dos assentamentos rurais.

É possível indicar, como marco da retomada das lutas sociais no campo, a reação dos grupos indígenas para recuperar suas terras, no município de Nonoai, em 1978 e 1979, de onde aproximadamente mil famílias de pequenos produtores foram expulsas. Neste episódio, foram envolvidas 526 famílias remanescentes dos ‘afogados do Passo Real’, excluídas dos projetos de assentamento que beneficiaram outros grupos e ficaram perambulando pelas estradas da metade norte do estado até conseguirem ocupar, por irregular determinação governamental, as terras da reserva indígena. Ainda em 1979, ocorreram as ocupações das fazendas Macali e Brilhante, no Alto Uruguai. O sucesso destas primeiras ocupações encorajou a repetição da tática na tentativa de ampliar o número de beneficiados. Em março de 1981, foi organizado o acampamento da Encruzilhada Natalino ao longo da estrada que une a cidade de Passo Fundo a Ronda Alta, com aproximadamente 600 famílias e o grande apoio de religiosos, de acordo com Medeiros e Leite (1999).

Estes episódios criaram, de fato, as bases da instituição do MST e aumentaram em muito a capacidade de resistência, as expectativas e a disposição militante dos acampados. A luta pela terra empreendida pelo MST transformou-se, com o tempo, na luta pela sobrevivência dos camponeses e sua famílias.

A partir de 1984, com sua fundação oficial, o MST avançou em legitimidade social e influência. Em 1985, organizou um gigantesco acampamento em Palmeira das Missões, onde, por três dias, de 10 a 12 mil agricultores reuniram-se e exigiram a imediata implantação do PNRA. Em outubro do mesmo ano, ocuparam a Fazenda Annoni com aproximadamente 6500 pessoas originárias de 50 municípios diferentes, que demonstraram espantosa capacidade de mobilização e organização. Até meados de 1987, a luta pela terra, no Estado, seria conformada e determinada pelas particularidades do acampamento na Fazenda Annoni. Foi uma longa trajetória envolvendo ações de repressão militar, embates legais, uma desgastante e ineficaz seqüência de negociações com autoridades estaduais e federais e, finalmente, uma épica caminhada a Porto Alegre, onde foi recebida por mais de 30 mil pessoas que se solidarizaram com a luta dos colonos.

A partir de 1988, houve uma onda de desapropriações mediadas pelo INCRA, que resultaram na instalação de 21 novos assentamentos de responsabilidade federal, instalados em uma área de 24.734 hectares e beneficiando 1183 famílias.

Neste período, duas novas regiões foram escolhidas para as ocupações de terras. A primeira delas na região metropolitana de Porto Alegre, na qual foram instalados 11 assentamentos entre os anos de 1988 e 1994. A segunda região é a campanha gaúcha, na fronteira com o Uruguai, reduto histórico das grandes propriedades dedicadas à pecuária extensiva no estado.

Foram instalados 132 assentamentos no período de 1978 a 1997, beneficiando 5.790 famílias em mais de 100 mil hectares. Os números parecem expressivos, porém estão

muito aquém da demanda, pois ainda que sejam um tanto imprecisos, estima-se que os assentados sejam apenas 1% dos demandantes.

Há de se considerar, além disso, o extraordinário esforço organizativo e com os complexos e nem sempre pacíficos processos de ocupação de fazendas, prédios oficiais, despejos, negociações, manifestações, caminhadas, longas esperas, fome, sofrimento e morte.

Quanto ao apoio financeiro, os recursos do PROCERA somente permitem plantar, em média, 6 hectares, com o que nenhuma família pode se sustentar se a produção for dirigida ao mercado. A alternativa é financiar o restante junto ao banco, com juros de mercado, o que significa endividar as famílias. Um dos principais problemas relativos ao crédito para a produção, quando existe, é que condiciona o plantio de certas culturas, a soja, por exemplo. Nem sempre as culturas são as mais adequadas ao caso específico de cada assentamento.

De qualquer modo, o impacto externo dos assentamentos nas áreas em que se instalam já se faz sentir. Na campanha gaúcha, por exemplo, a receita por hectare nos assentamentos é de US$ 166,76/ano contra US$ 50,5 nos cultivos tradicionais devido à diversidade da produção dos assentamentos. Na região de Cruz Alta, a participação dos assentamentos na produção animal do município é elevada: 3,85% em relação aos bovinos, 21,9% em relação aos suínos, 22,5% em relação às aves e 18,4% na produção de leite.

Os números apresentados reforçam a tese dos que defendem a reforma agrária não apenas como acesso a terra, mas com assistência técnica e financeira aos assentados, segundo Medeiros e Leite (1999).