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2.5 O MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA – MST

2.5.3 Cooperativismo no MST

Visando a sustentabilidade de seus assentamentos, o MST criou o Sistema Cooperativista dos Assentados (SCA), cuja finalidade é estimular e massificar a Cooperação Agrícola dentro dos assentamentos, nas suas várias formas, integrando neste processo os assentados individuais.

O SCA é responsável pela organização de base dos assentados, produção, tecnologia, transformação ou agroindústria, pela boa aplicação do crédito rural, pela comercialização, pela mobilização social dos assentados frente à política agrícola do governo, pela política econômica e pelas condições básicas dos assentamentos.

O cooperativismo proposto neste sistema prioriza o desenvolvimento do associado e a cooperação entre os associados e entre as cooperativas, respeitando as várias formas de cooperação existentes entre os associados.

Este sistema surgiu aos poucos dentro do movimento, à medida que os assentamentos espalhados pelo Brasil foram amadurecendo e mostrando suas potencialidades e dificuldades.

A partir de julho de 1990, com a realização de um seminário sobre experiências de cooperação agrícola, constatou-se que haveria grande dificuldade de sobrevivência dentro do sistema capitalista. Tomaram-se as primeiras definições sobre as CPAs, e foram escolhidos seis Estados prioritários (RS, SC, PR, ES, BA, CE) para a constituição do SCA. Em 1992, é constituída a Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil Ltda (CONCRAB) em Curitiba (PR).

Para Cerioli e Martins (1998), o SCA soma-se à luta dos pequenos agricultores que buscam, através da discussão e de ensaios práticos, a construção de um novo cooperativismo no Brasil, que se caracteriza por ser alternativo, diferente e de oposição. Alternativo ao modelo cooperativista tradicional do sistema capitalista, demonstrando para a sociedade que é possível organizar a economia sobre outras bases e valores. Isto implica na apropriação dos instrumentos de gestão pelos trabalhadores e da necessidade de ir construindo um mercado popular solidário articulado entre o campo e a cidade, com produtos vinculados às necessidades do povo. Diferente, porque faz opção pela direção coletiva, e a distribuição de sobras é proporcional à participação de cada sócio nas atividades da cooperativa. De oposição,

frente à política neoliberal, pois é inconciliável o resgate da dignidade dos sem-terra e do povo trabalhador dentro da sociedade capitalista, porque esta sobrevive da exclusão do povo trabalhador para concentrar o capital nas mãos de alguns. O cooperativismo proposto pelo MST visa conscientizar a sua base para construir uma sociedade mais justa, demonstrando a possibilidade de novas relações sociais, baseadas no companheirismo e na solidariedade. No quadro a seguir, constam algumas diferenças que podem ser consideradas, entre o cooperativismo alternativo e o cooperativismo tradicional, na visão do MST.

Quadro 01 - Diferenças entre cooperativismo tradicional e o cooperativismo no MST

Cooperativismo alternativo Cooperativismo tradicional

Caráter da sociedade

Político. Visa a transformação da empresa econômica para buscar melhores condições de vida para os

associados.

Empresa econômica.

Finalidade produção, desde a roça até a Produção. Organização da industrialização.

Comércio

Organização do trabalho Produção familiar cooperativada Produção familiar individual Base da cooperativa Trabalha com todos os associados e não associados Trabalha com os interessados associados Valorização do associado

Visa ser massiva. Trabalha para não perder os associados. Por isso

busca formas de inclusão

Seleciona os associados pelo retorno que estes oferecem. É

excludente.

Classe dos associados Uniclassista. Só os pequenos podem participar. Pluriclassista. Grandes e pequenos na cooperativa. Na prática, beneficia os grandes. Distribuição de sobras

Deve ser distribuído para o associado em dinheiro (retorno direto) ou em serviços por eles decididos (retorno indireto).

Normalmente não distribui. É reinvestido na cooperativa. Direção Coletiva com responsabilidade pessoal Presidencial Poder dos associados para defender

seus interesses Através dos núcleos Através da escolha da direção Organização cooperativista Construir um espaço alternativo. Filiação a OCB e as OCEs

Método Dar condições para o associado descobrir, perceber. Apresentar proposta pronta ou induzir para que os associados assumam os planos da direção Núcleos

Ferramenta para construir a organicidade. Funciona de baixo

para cima.

Instrumento da direção. Procuram cooptar o líder para ele passar os interesses da direção. Funciona de

cima para baixo.

Acesso à informação Alto Baixo

Participação dos associados Alta Baixa

Planejamento De baixo para cima De cima para baixo Formação Político-ideológica e técnica Técnica Associado A Muller, o homem, o casal e os filhos maiores que trabalham na

cooperativa.

Um por família, normalmente o homem.

Desenvolvimento desenvolvimento regional. Conforme um projeto de Conforme os planos da direção Participação na luta Política (solidariedade) e econômica Econômica

Projetos ou planos Os associados participam da elaboração. Através de pacotes. Já vêm prontos e são apresentados para serem aprovados.

Rotação de dirigentes Deve investir na formação de novos dirigentes Baixa

Preocupação com a viabilidade Do conjunto dos associados Da cooperativa, cada vez mais se torna uma empresa de capital. Fonte: caderno de cooperação agrícola n° 5. CONCRAB, pag. 57 e 58.

Dentro dos assentamentos, podem coexistir as mais variadas formas de cooperação, das mais simples, como os mutirões, até a mais complexas, como as CPAs. O objetivo, porém, é sempre chegar às formas mais complexas, por serem consideradas as ideais dentro da lógica do Movimento. Dentre as formas encontradas atualmente, relacionam-se as seguintes:

1. Mutirão, puxirão ou troca de serviço: é a forma mais simples de cooperação. Acontece ocasionalmente entre os assentados individuais, especialmente entre vizinhos e parentes, para fazer: capinas, plantio ou colheitas.

2. Núcleos de produção: são assentados que se unem por proximidade, parentesco ou linha de produção (de leite, por exemplo), com a finalidade de organizar a produção.

3. Associações: podem ser de vários tipos, para aquisição de animais, máquinas e implementos agrícolas, construção de benfeitorias e até mesmo para representação política.

4. Grupos semi-coletivos: quando as pessoas que produzem em lotes individuais se unem para produção de alguma lavoura específica para comercialização.

5. Grupos coletivos: quando a produção é toda coletiva. É considerada uma experiência importante como exercício prático para avançar na direção da formação de uma Cooperativa de Produção Agropecuária (CPA).

6. Cooperativas de Prestação de Serviços (CPS) de um assentamento: visa planejar e organizar as principais linhas de produção de todos os assentados que produzem no lote familiar, no semi-coletivo ou nos grupos coletivos. A CPS faz a comercialização para as famílias assentadas, presta serviço de assistência técnica, fornece insumos agrícolas e produz algum produto (ração, por exemplo). Cooperativas de prestação de serviços regionais (CPSR) é uma CPS com maior área de abrangência (vários assentamentos lindeiros ou próximos). Normalmente, atua na área da comercialização da produção e de insumos agrícolas no beneficiamento, na assistência técnica e, algumas, na organização da produção, bem como realizam planejamentos nos contextos dos desenvolvimentos municipais e microrregionais.

7. Cooperativas de Crédito: são experiências recentes, iniciadas em 1996, e operam com a modalidade de crédito proveniente de linhas oficiais, como o PROCERA, e do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF). Tem por finalidade fazer circular o capital financeiro dos assentados entre si, facilitando, assim, o acesso ao crédito.

8. Cooperativas de Produção e Prestação de Serviços (CPPS): estas podem ser resultado do desenvolvimento das CPS quando implantam unidades agroindustriais, como despolpadeiras, fecularias, farinheiras, máquinas de arroz, ervateiras, microusina de pasteurização de leite, frigorífico, etc. São cooperativas mistas regionais com a finalidade de planejar, organizar, transformar e comercializar uma ou mais linhas de produção de forma coletiva. Além de planejar, organizar e comercializar várias linhas de produção desenvolvidas

nos lotes familiares dos associados. Os cooperados são as famílias assentadas e os pequenos produtores do município ou região. Os diversos grupos coletivos, inclusive as CPAs, podem ser sócios das CPSR e das CPPS. (FERNANDES, 2000).

9. Cooperativa de Produção Agropecuária (CPA): esta cooperativa é coletiva, já que a terra está nas mãos da cooperativa. Ela é de propriedade social (os trabalhadores são os donos) e de produção social (os donos trabalham e repartem as sobras entre si conforme o trabalho aportado de cada um).

As CPAs foram implantadas como experiência de Cooperação no MST a partir de 1989, e despontam como uma forma superior de organização da produção. Na verdade, uma CPA não se diferencia muito de um grupo coletivo ou de uma associação coletiva, na sua essência e muito menos na sua constituição. O que difere é a personalidade jurídica porque, ao ser registrada como uma empresa cooperativista, será regida pela legislação cooperativista brasileira.

Uma CPA é complexa porque se constitui como empresa de produção coletiva, gestão coletiva e trabalho coletivo. Há também complicações burocráticas com a legislação trabalhista, fiscal e previdenciária.

A constituição de uma CPA pressupõe que:

a) a terra deve estar sob o controle do coletivo; b) deve liberar quadros para a militância; c) deve estar em uma área estratégica; e

d) deve ter plano estratégico de desenvolvimento.

a) Propriedade da terra. Esta permanece sob o controle do coletivo, a não ser a pequena parcela destinada à produção de subsistência mínima de cada associado. Em quase todas as CPAs, o título de propriedade ou concessão de uso da terra permanece em nome do indivíduo, que passa para o controle da cooperativa através de contrato de comodato ou de arrendamento simbólico. Mas pode haver título em nome da CPAs. No Rio Grande do Sul e Santa Catarina, já existem cooperativas com título de propriedade em nome da CPA, concedido pelo Estado através do Instituto Nacional de Reforma Agrária – INCRA.

b) O capital. Todos os investimentos de capital acumulado estão sob o controle e em nome da CPA. Como a cooperativa tem capital social, este é subdividido em quotas-partes que vão sendo integralizadas na conta de cada associado. A cooperativa controla de outra forma a parte do capital acumulado que se tornam investimentos considerados pela legislação como fundos indivisíveis. Neste caso, tornam-se patrimônio social e não podem ser divididos em caso de dissolução.

c) O trabalho. A CPA organiza o trabalho em setores, a partir da divisão do trabalho, na lógica de postos de trabalho, que são determinados pela atividade econômica desenvolvida e pela capacitação técnica dos associados-trabalhadores. O trabalho é controlado por produtividade física, na lógica do desempenho, e faz-se a emulação dos trabalhadores pela sua eficiência política e econômica.

d) O planejamento da produção. Na CPA, os planos de produção de curto, médio e longo prazo são centralizados no coletivo. A partir de uma ampla discussão, baseada em estudos técnicos, define-se as linhas de produção e a ordem de prioridades para serem implantadas.

e) A moradia. Uma CPA, normalmente, organiza-se em agrovilas. O esquema de moradia se diferencia apenas no tamanho do lote para a construção das casas.

f) Os aspectos legais. As cooperativas têm que ser obrigatoriamente legalizadas, inclusive com registro na Junta Comercial (e não no cartório como as associações). Existem leis específicas que regulamentam as atividades das cooperativas. Por serem empresas com fim claramente econômico, as cooperativas são fiscalizadas com maior rigor pelo governo, exigindo um nível mais elevado de controles internos do que a associação ou os grupos formais.