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As informações apresentadas são baseadas nos relatos dos próprios assentados. No entanto, alguns fatos relevantes podem ser encontrados em Medeiros e Leite (1999).

O Assentamento 30 de Maio nasceu em dezembro de 1990. Os assentados são filhos e filhas de pequenos agricultores da região do Alto Uruguai norte do Estado, na sua maioria, oriundos dos Municípios de Ronda Alta e Constantina; faziam parte das comunidades de base, principalmente da Igreja Católica, participando nas equipes de liturgia, catequese e Pastoral da Juventude.

A situação da agricultura, principalmente pela monocultura da soja, trouxe a necessidade de discutirem a produção para a auto-sustentação e o endividamento dos pequenos agricultores. Isso fez com que muitos abandonassem o campo indo para a cidade tentar um emprego para sobreviver, outros faziam o debate da situação nas reuniões de base organizadas pela CPT, objetivando encontrar coletivamente as saídas da monocultura e a retomada da produção para auto-sustentação. Concluíram que deveriam diversificar e organizar a produção, objetivando atingir o mercado através de feiras.

Os agricultores, naquele momento, pouco puderam fazer, pois ainda não tinham uma consciência formada sobre a importância da diversificação e organização da produção como meio para a resistência no campo. Muitos trabalhadores rurais, até aquele momento, ou viviam com os seus pais que tinham pouca terra ou plantavam em terras de terceiros.

Mais tarde, estas reuniões passaram a ser organizadas pela Frente de Massa do MST junto com a CPT e Sindicatos. Era preciso ir além daquelas reuniões, ou seja, organizar um movimento a fim de mudar a situação. Os agricultores perceberam duas possibilidades: ir para a cidade ou entrar na luta por um pedaço de terra maior e com mais condições. A alternativa viável diante da situação seria a organização, então, decidiram entrar para o MST. No dia 22 de novembro de 1987, reuniram-se 1500 famílias e fizeram a primeira ocupação na fazenda do Salso de Plínio Dutra no Município de Palmeiras das Missões, uma fazenda com 2.400 ha de terra. Essas famílias permaneceram três dias na área e foram despejadas. Transferiram-se, então, para uma área cedida por um pequeno agricultor onde ficaram até junho de 1988. Nesse período, no município, fizeram muitas manifestações, marchas e reivindicações pela alimentação e pela terra, o que determinou a compra pelo Governo de uma área de terra de 719 ha no município de São Miguel das Missões para onde foram transferidos.

No dia 22 de novembro, 700 famílias que haviam ocupado uma área no Município de São Nicolau e 1500 famílias que ocupavam a Fazenda do Salso de Plínio Dutra juntaram- se em São Miguel das Missões. Muitas dessas famílias mais tarde foram assentadas em Charqueadas, no assentamento 30 de Maio.

Segundo os assentados, o objetivo do Governo era isolá-los em uma área distante do comércio, no meio das fazendas, para que não pudessem sair e ficassem brigando por aquela área. Não foi isso que aconteceu, permaneceram dois meses na área; partiram para a ocupação da fazenda Buriti no Município de Santo Ângelo; e caminharam 9km a pé com as mochilas nas costas na noite mais fria do ano, dia 25 julho de 1988. Ficaram três dias na área e

negociaram com o Governo que prometeu assentar todas as famílias em 30 dias e fornecer mais lona e alimentação. A proposta foi aceita e, então, foram levados para Tupã em uma área do Estado próxima da cidade.

Na cidade, houve um embate, por um lado, a sociedade apoiava os assentados, faziam visitas ao acampamento e isso era favorável. Por outro lado a União Democrática Ruralista (UDR), que era muito forte na região, iniciou um ataque contra o acampamento, via meios de comunicação, afirmando que eram um bando de baderneiros, vagabundos, que traziam doenças para a cidade. Nesse meio tempo, foi articulada uma operação militar que cercou o acampamento por 30 dias. Os acampados foram perseguidos pela polícia, espancados nas barreiras e presos. A pressão foi muito forte por parte da UDR, mas os acampados resistiram, o que forçou o Governo a retomar as negociações. Conquistaram várias áreas de terra, mas novamente mudaram de acampamento, sendo levados para o assentamento Rincão do Ivaí, no município do Salto do Jacuí, no mês de setembro de 1988. Permaneceram no assentamento organizando-se internamente, fazendo trabalho de formação, preparando novas mobilizações. Com a conquista de algumas áreas, famílias foram assentadas, e os acampados aguardaram por uns dias as novas áreas. O Governo não cumpriu parte das negociações e começou a faltar lona, alimentos e remédios; a situação ficou tensa. Os assentados prepararam a grande ocupação da fazenda Santa Elmira, realizada no dia 8 de marco de 1989, no próprio município, e foram preparados para resistir, mas agüentaram apenas três dias na área. Foram violentamente massacrados pela polícia, e o saldo do embate foi de quatrocentos feridos e vinte e dois presos. Alguns foram retirados à força e colocados nos caminhões da UDR e outros ficaram presos pelas estradas, sofrendo humilhações por parte da polícia, chegando no acampamento no outro dia, a pé. Foi grande a repercussão na sociedade, o que forçou novamente o Governo a negociar e, conseqüentemente, mais algumas áreas foram conquistadas. Nessa luta, o fazendeiro, dono da fazenda invadida, pulverizou o

acampamento com um avião envenenando e causando a morte de seis crianças. Apesar disso, ainda continuaram com jejum e greve de fome.

Em agosto de 1989, ocuparam a fazenda Capela, no município de Capela de Santana, quando novamente foram despejados e levados para o lado de fora, onde montaram acampamento na beira da estrada. Depois disso, deram um tempo nas lutas para participar do processo eleitoral de 1989 com a esperança de mudar o Brasil, mas o eleito foi Fernando Collor de Melo. Retornaram a luta reocupando a fazenda Capela por duas vezes, sendo que a terceira vez foi a mais forte. A ação foi no dia 30 de maio de 1990, resistindo durante trinta dias à muita chuva e à repressão policial. Finalmente, a área foi conquistada, grande parte das famílias foi assentada ali mesmo e o restante foi para uma área do Estado, no mesmo município. Como não tinham poder de pressão, resolveram se juntar ao acampamento de Cruz Alta e de lá rumaram para ocupar a praça da matriz em Porto Alegre. No dia 8 de agosto de 1990, houve severo combate com a polícia e o saldo da ação foi triste: um policial morto, centenas de sem terra feridos, muitos presos e seis condenados.

Depois de três anos acampados e lutando, enfim conquistaram uma área da Secretaria de Segurança do Estado do Rio Grande do Sul destinada para Colônia Penal Agrícola. Dos 1600 ha da área total, 850 ha foram destinados para o assentamento.

Os anos passados em acampamento foram uma grande escola para a aprendizagem de conhecimento da realidade, para aprenderam a conviver coletivamente com as dificuldades, com as alegrias e tristezas. Aprenderam que os trabalhadores são capazes de realizar seus sonhos quando caminham juntos e sabem o que querem.

Durante o acampamento, fizeram muitos debates sobre as possíveis formas de trabalhar na terra quando esta fosse conquistada. Chegaram à conclusão de que precisariam mudar a forma de organizar a produção, sair do modelo agricultor artesão, aquele que faz tudo, para uma divisão especializada do trabalho, trabalhando de forma coletiva. A forma

coletiva no MST significa que a terra e os instrumentos de produção são de propriedade da cooperativa e as decisões são tomadas coletivamente, com igualdade de direito e poder. Os cooperados são os donos, os trabalhadores e os gestores da cooperativa e a distribuição de sobras é feita conforme o trabalho aportado por cada um.