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2.1 COOPERAÇÃO E COOPERATIVAS

2.1.3 O Cooperativismo na Visão de Charles Gide

O principal defensor e sistematizador do conteúdo doutrinário das proposições dos Pioneiros foi Charles Gide, famoso professor universitário de Economia Política que defendia o cooperativismo como o fim das lutas de classes através da supressão do assalariamento, dos intermediários do comércio e dos patrões da produção. Seu discurso tornou-se uma espécie de programa oficial do Movimento Cooperativista francês.

Apesar de existirem estudos anteriores, Pinho (1982) relata que os escritos de Gide tornaram-se mais conhecidos devido, primeiramente, ao seu estilo e, em segundo, porque na época a França exercia uma grande influência cultural no mundo.

Conforme Pinho (1982, p.35), para Gide são doze as virtudes do cooperativismo:

1. Viver melhor ou conseguir melhor nível de vida, através do auxílio-mútuo;

2. Pagar a dinheiro, a fim de evitar a dívida, que considera uma das formas de escravidão;

3. Poupar sem sofrimento, já que a devolução dos ganhos, sob a forma de retorno dos excedentes, proporcionalmente às operações realizadas pelos sócios na cooperativa, permiti-lhe economizar, sem sacrificar a satisfação das necessidades;

4. Suprimir os parasitas, ou seja, eliminar os intermediários, de maneira a reduzir ao mínimo os órgão de transmissão das riquezas do produtor ao consumidor;

5. Combater o alcoolismo, finalidade educativa já acentuada pelos Pioneiros de Rochdale;

6. Interessar as mulheres nas questões sociais, pois sendo elas que cuidam do lar e fazem as compras, devem conhecer os problemas do consumo e das cooperativas de consumo;

7. Educar economicamente o povo, tornando-o apto para a autogestão econômica e política;

8. Facilitar a todos o acesso à propriedade;

9. Reconstituir uma propriedade coletiva, através da formação de um patrimônio cooperativo, que é coletivo e está a serviço de um interesse geral e permanente, acima de nossas existências efêmeras; 10. Estabelecer o justo preço, mas remunerando todo trabalho consagrado à produção, inclusive o trabalho de direção e os trabalhos intelectuais preparatórios;

11. Eliminar o lucro capitalista, criando a preocupação com a satisfação das necessidades dos homens e não com a obtenção de lucros;

12. Abolir os conflitos, na cooperativa de consumo, o consumidor torna-se seu próprio fornecedor, na cooperativa de produção, o operário torna-se seu próprio patrão, na cooperativa de crédito, o sacador torna-se seu próprio sacado, na cooperativa de habitação, o locatário torna-se seu próprio locador, e assim por diante, de modo que toda disputa cessa pela fusão dos inimigos, ou melhor, o combate cessa por falta de combatentes.

Gide previa uma sociedade organizada como uma República Cooperativa, em que o consumidor teria o papel de transformar a sociedade, eliminando os conflitos e as injustiças sociais, numa evolução pacifica e sem expropriações. Essa transformação ocorreria em três etapas: na primeira, seriam organizadas cooperativas de consumo nas quais desapareceria o lucro, isto é, eliminar-se-ia qualquer aumento sobre o custo de produção a fim de obter o justo preço; na segunda, seriam criadas cooperativas de produção industrial, com os fundos necessários acumulados pelas cooperativas de consumo; na terceira etapa seriam organizadas cooperativas de produção agrícola. Tanto nestas como nas cooperativas de produção industrial seria abolido o assalariamento.

O modelo das cooperativas de produção, cooperativas operárias ou cooperativas de trabalhadores inspirou-se em uma espécie de síntese do rochdaleanismo e dos sistemas societários de Buchez, de Fourier, de Blanc, entre outros. O objetivo do modelo, de acordo com Pinho (1982), é eliminar o patrão, suprimir o salariado e dar aos operários a posse dos instrumentos de produção e o direito de disposição do produto de seu trabalho.

Em alguns países, as cooperativas de produção foram incorporadas a movimentos confessionais, tal como o Movimento Católico-Democrata da Alemanha, Bélgica, Áustria, etc. As diversas subdivisões desse Movimento (centro, esquerda, etc.) consideram as cooperativas de produção eficiente instrumento de reforma social e a solução para os problemas dos trabalhadores, uma vez que não remuneram os dirigentes da sociedade e não distribuem retorno.

As idéias cooperativistas de inspiração rochdaleana, sistematizadas por Gide, incorporadas à Aliança Cooperativa Internacional e somadas ao conteúdo ideológico do instrumental cooperativo, constituem o corpo principal da Doutrina Cooperativa. Nesse conjunto doutrinário, podem-se distinguir algumas correntes que podem ser reunidas em dois grupos principais, o macrocooperativismo e o microcooperativismo.

No primeiro grupo, temos os que defendem o cooperativismo como busca de uma nova ordem social, no qual se destaca Gide.

No segundo grupo temos os que consideram o cooperativismo como uma forma de corrigir distorções do capitalismo no qual se destaca Georges Fauquet. Para ele, era impossível crer que o cooperativismo conseguiria se alastrar por toda economia, devido ao alto grau de complexidade do regime econômico em qualquer época da história.

Nos países socialistas, de modo geral, as cooperativas não apresentam conteúdo doutrinário próprio. São consideradas meras técnicas organizatórias do trabalho operário, e como tal, desempenham o papel de complementação às atividades econômicas estabelecidas pelo Plano Central.

Nos países de economia de mercado, as cooperativas ainda são encaradas como uma forma de democratização das decisões em organizações econômicas simples ou complexas, característica que marca todas as cooperativas desde os seus primórdios.

A chamada autogestão cooperativa pode ser entendida como a gestão da cooperativa pelos próprios associados. No Brasil, tem significado uma oposição ao exagerado controle do Estado.

A transferência de poderes do topo para a base sempre foi uma das aspirações humanas, sem estar ligada a uma determinada doutrina ou realidade econômica e social, atualmente, porém foi incorporada a diferentes movimentos sociais e diferentes doutrinas.

Pinho (1982) cita como exemplos as Encíclicas papais de Leão XIII e João Paulo II na defesa da condição humana; as doutrinas que combatem as distorções do liberalismo e se propõem a corrigi-las; as doutrinas que recusam o socialismo tecnoburocrático ou burocrático do Estado; e as doutrinas de oposição total ao capitalismo.

Para os defensores da autogestão, quaisquer que sejam as posições, o fato é que todas tentam obter o predomínio das aspirações humanas intemporais contra alguns dos mais graves problemas de nossa época, tais como a robotização dos trabalhadores, a submissão da mão-de-obra ao arbítrio do capital, o desinteresse dos empregados pelos problemas da empresa, o antagonismo entre executantes e dirigentes, o excesso de burocracia e a crise nos poderes centralizados.

As cooperativas representam, em grande parte, a aplicação dos princípios autogestionários em seu sentido histórico de emancipação dos trabalhadores. Em geral não apresentam o aspecto revolucionário que lhes atribuem alguns opositores, temerosos de qualquer forma de gestão empresarial que possibilite a colocação dos instrumentos de trabalho nas mãos dos trabalhadores ou a distribuição dos benefícios proporcionalmente ao trabalho. Além disso, surgem outros problemas resultantes da própria evolução da cooperativa, que deixa de ser simples associação de caráter mutualista para se transformar numa organização complexa. Embora se inspire no ideal de democracia direta, por imposições do avanço tecnológico, acaba se transformando em uma complexa sociedade, tecnicamente diferenciada e burocraticamente administrada.

Para Pinho (1982), se, do ponto de vista da racionalidade econômica e administrativa, a empresa cooperativa cresce e prospera, tem sido freqüente a afirmação de que, em termos doutrinários, ela se desvirtua. A realidade reflete o dilema entre a prática cooperativista rochdaleana e a prática cooperativista sem Rochdale, que é marcada tão- somente pela racionalidade econômica e administrativa da empresa cooperativa. Nesse

sentido, o comportamento de cooperado representa um tipo de ajustamento ao meio, tal como é percebido, não pelo idealista, mas pelo próprio cooperado. Como este meio é dinâmico, há um permanente esforço de ajustamento às mudanças e de elaboração de planos de cooperação adequados à realidade.

Conforme ainda Pinho (1982), a autora relata que, nessa situação, o cooperado não está preocupado com a reforma moral do homem, a correção de distorções ou a mudança do sistema econômico em que vive. Está sim interessado em realizar sua atividade econômica com mais eficácia e é neste sentido que busca a ação cooperativa. Esse enfoque sobre a cooperativa como técnica organizacional nos leva ao desenvolvimento do cooperativismo nos últimos anos, motivado pelas exigências da sociedade consumidora urbanoindustrial, o rápido avanço tecnológico, as pressões do mercado e o próprio interesse do Estado em utilizar técnicas mobilizadoras dos recursos materiais e humanos disponíveis, para diminuir os desequilíbrios econômicos regionais e melhorar a qualidade de vida da população.