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A segurança do doente na perspetiva da prevenção de complicações decorrentes

PARTE I – ENQUADRAMENTO TEÓRICO-CONCEITUAL, A ENFERMAGEM E

CAPÍTULO 3 – QUALIDADE, SEGURANÇA E BEM-ESTAR DO DOENTE

3.2 A segurança do doente na perspetiva da prevenção de complicações decorrentes

A inserção de um cateter venoso não se restringe apenas à técnica de introdução de um cateter no interior de uma veia, envolvendo igualmente um cuidado complexo que decorre de um PPVP, que abrange:

“todas as etapas que envolvem a instalação e a permeabilidade de longa ou curta duração de um vaso sanguíneo por meio de um cateter intravascular, o processo decisório de seleção de material e a avaliação clínica após a remoção do cateter intravascular, incluindo o sítio de inserção, o vaso e suas áreas adjacentes” (Sena et al., 2013, p. 489).

De acordo com tal perspetiva, no PPVP há que se considerar não apenas as indicações e contraindicações para inserção de cateter venoso, mas também as preferências do doente, as políticas e filosofias institucionais, as conceções dos enfermeiros, os riscos diretos e indiretos e os benefícios desta prática, já que ela poderá resultar em complicações de maior ou menor gravidade (Infusion Nurses Society, 2016; Oliveira, 2014; Pasalioglu & Kaya, 2014; Phillips & Gorski, 2014). Cabe à equipa de enfermagem que cuida de doentes portadores de cateter venoso identificar os possíveis diagnósticos de enfermagem de risco, nomeadamente o risco de trauma vascular, de infeção, dentre outros (Herdman & Kamitsuru, 2015), ter conhecimento das possíveis complicações associadas, e implementar cuidados para prevenção das complicações, com o intuito de melhorar a qualidade da prestação dos cuidados e o bem-estar do doente

Na prevenção das complicações relacionadas com a utilização de um cateter venoso destaca-se a seleção adequada do cateter em função da sua finalidade, das caraterísticas do doente, da terapêutica endovenosa e do tempo previsto de tratamento (Chopra et al., 2015a; Infusion Nurses Society, 2016; O'Grady et al., 2011). Na inserção do cateter e durante a sua permanência é também essencial a implementação de cuidados de enfermagem com vistas à prevenção de infeção. Segundo Pina, Silva, & Ferreira (2010), apesar da prevalência das infeções da corrente sanguínea associadas ao CVP ser baixa (0.9%), ela é

evitável. A redução dessas taxas assenta-se na adesão a boas práticas, que podem ser favorecidas pela participação em atividades educativas, já que elas tendem a promover a reflexão, a atualização, o desenvolvimento de competências e mudanças nos comportamentos dos profissionais, para um melhor desempenho (Infusion Nurses Society, 2016; O'Grady et al., 2011; Paschoal et al, 2007; Torres et al, 2005).

Ainda em relação à inserção do cateter venoso, é indicada a utilização de uma escala para determinar o risco de insucesso na primeira tentativa de punção venosa, bem como o risco de trauma vascular. O resultado auxilia o enfermeiro na tomada de decisão sobre quando recorrer a métodos de imagem como transiluminador ou ecógrafo para auxiliar numa punção venosa difícil. A adoção desses recursos reduz o trauma vascular decorrente da inserção mal sucedida do cateter, concorrendo para diminuir a dor e a ansiedade associadas às repetidas punções venosas ou a traumas vasculares ocorridos (Infusion Nurses Society, 2016; Müller, 2015; O'Grady et al., 2011). Na ausência desses recursos tecnológicos, é aconselhável solicitar a colaboração de um profissional com maior nível de competência para realizar a inserção do cateter venoso.

Outras intervenções podem também contribuir para a redução de complicações, em especial no que se trata de selecionar o cateter com o menor calibre possível e evitar a inserção do CVP nos membros inferiores (por risco de tromboflebite) e em zonas de flexão, dando-se preferência para as veias cefálica e basílica, com vista à prevenção de flebite (Infusion Nurses Society, 2016; Müller, 2015; O'Grady et al., 2011).

Nos cuidados diários ao doente portador de cateter venoso é de extrema importância a utilização de um penso estéril na fixação do cateter na pele e a substituição do mesmo quando estiver sujo, húmido ou solto. Diz-se mais: é também indispensável a adesão às medidas para prevenção de infeção na manipulação do cateter e dos sistemas a ele conectados (O'Grady et al., 2011; Infusion Nurses Society, 2016). É essencial a vigilância frequente ao local de inserção e às áreas próximas do cateter por meio de visualização e palpação. Na avaliação é indicada a utilização de escalas como as de dor, flebite e infiltração, que objetivam padronizar e documentar a avaliação dessas complicações e decidir pela remoção do cateter quando houver presença de uma ou mais manifestações clínicas (Braga, et al., 2016b, 2016c; Infusion Nurses Society, 2016; Müller, 2015; O'Grady et al., 2011).

Envolver o doente e/ou familiar no seu processo de cuidados por meio de ações educativas também constitui um cuidado de caráter preventivo, uma vez que o

envolvimento torna possível a identificação e a comunicação precoce de sinais e/ou sintomas de complicações, especialmente a dor. Assinala-se também o comprometimento do doente no autocuidado, reduzindo o risco de remoção acidental do cateter (Infusion Nurses Society, 2016; O'Grady et al., 2011; Torres et al., 2005).

As evidências apontam para sensivelmente 50% de trauma vascular nos doentes no momento da alta hospitalar. Tal facto não justifica o prolongamento do internamento, mas requer a implementação de tratamento local e referenciar o doente para acompanhamento e avaliação dos resultados do tratamento pelo enfermeiro em ambulatório (Reis, Carvalho, Bueno, & Bastos, 2011). A flebite pós-infusão é uma complicação com manifestação em até 48 horas após a remoção do cateter venoso, por isso a avaliação do local pelo enfermeiro no domicílio ou numa unidade de saúde torna-se necessária com o intuito de identificar e implementar intervenções terapêuticas apropriadas (Krempser, 2014; Urbanetto et al., 2016; Webster et al., 2015).

Tendo em vista a incidência de complicações associadas à inserção e permanência do CVP no doente, evidenciadas em alguns estudos, o PICC poderá ser uma alternativa viável a esse cateter, contribuindo para a redução das taxas de complicações pós-inserção, uma vez que se posiciona numa veia central, concorrendo para a segurança e o bem-estar do doente (Cotogni & Pittiruti, 2014; Eisen et al., 2006; Johansson et al., 2013; Meyer, 2012).

Considerando que o posicionamento do PICC numa veia central pode ser benéfico para o doente, é essencial a prevenção do mau posicionamento durante a inserção e na manutenção do cateter. Quatro situações contribuem para o posicionamento adequado: a) a inserção guiada por ecógrafo, que permite avaliar possíveis obstruções nas veias antes e durante o procedimento, assim como o mau posicionamento do cateter em veia jugular, b) a confirmação da posição da ponta do cateter por meio de eletrocardiograma intracavitário ao término da inserção, c) a realização de radiografia simples de tórax após o procedimento; e d) a utilização de dispositivos de fixação do cateter na pele sem sutura (Chen et al., 2014; Emoli et al., 2014; Hudman & Bodenham, 2012; Moureau et al., 2010; Pittiruti et al., 2008; Smith et al., 2010).

O ecógrafo, enquanto recurso tecnológico de imagem, é indicado para avaliar o diâmetro da veia antes da inserção do PICC, contribuindo para reduzir o risco de trombose venosa profunda pela seleção adequada do calibre do cateter compatível com a veia. Essa avaliação também auxilia na identificação do local ideal para inserir a agulha no braço,

seguindo as orientações do método de inserção por zona (zone insertion method - ZIM), e na redução das variações na prática de inserção do PICC (Chopra et al., 2013; Dawson, 2011).

A realização periódica do flushing com solução fisiológica de 0.9% é a intervenção de enfermagem indicada e indispensável para evitar resíduos de sangue, colonização bacteriana e consequentemente a obstrução dos cateteres venosos (Ferroni et al., 2014; Infusion Nurses Society, 2016; Ngo & Murphy, 2005; Royon et al., 2012). Uma revisão sistemática da literatura recentemente publicada (Santos et al., 2015) evidenciou que não existem diferenças entre a solução fisiológica de 0.9% e as soluções heparinizadas em termos de eficácia para manter a permeabilização dos cateteres venosos centrais em adultos. A solução fisiológica de 0.9% é recomendada em associação com a técnica de flushing antes e após a administração de medicamentos, transfusão de hemoderivados, recolha de sangue para análises clínicas e para a manutenção do cateter quando não estiver sendo utilizado (Infusion Nurses Society, 2016; Patidar, Choudhary, Bindu, & Midha, 2014; Vigier, Merckx, Coquin, Flaud, & Guiffant, 2005).

A escolha de seringas maiores que 10 ml para administrar medicamentos ou soluções no PICC é o recomendado para prevenir a fratura desse cateter (Aitken & Minton, 1984; Dougherty, 2014; Infusion Nurses Society, 2016). Outras intervenções para prevenir a fratura do PICC consistem na utilização exclusivamente de solução de clorohexidina a 2% e/ou solução fisiológica de 0.9% no tratamento do local da inserção, já que soluções abrasivas podem ressecar o cateter intensificando o risco de fratura. Incluem também a não utilização de tesoura ou outros equipamentos cortantes durante a realização do penso e a preferência ao penso transparente estéril no local da inserção (Aitken & Minton, 1984; Dougherty, 2014; Hudman & Bodenham, 2012; Infusion Nurses Society, 2016).

A adoção das recomendações para prevenção de infeção proposta pelo Centers for Disease Control e a vigilância diária do local de inserção do cateter venoso são fatores associados às baixas taxas de complicações em doentes portadores de PICC, pelo que devem ser asseguradas tais medidas preventivas (Harnage, 2007; O'Grady et al., 2011; Pittiruti et al., 2009).

A formação de equipas especializadas tem sido uma estratégia recomendada para prestar cuidados ao doente que necessita ou já é portador de um PICC, essencialmente para inserir o cateter, atentar para os cuidados no local do penso e prevenir complicações, além de intervir aquando da ocorrência das mesmas (Chen et al., 2014; Davis & Kokotis, 2004;

Emoli et al., 2014; Nichols & Humphrey, 2008; Petry et al., 2012; Royer, 2001). As evidências mostram que as unidades de cuidados que trabalham com equipas de enfermagem especializadas em acessos vasculares têm apresentado melhores resultados nos indicadores de qualidade da prestação de cuidados de enfermagem, com redução nas taxas de flebite e de infeção relacionada a cateter, bem como no número de punções venosas, conduzindo à inserção mais precoce do PICC e à maior satisfação do doente (Alonso, 2016; Cechinel et al., 2016; Espírito-Santo, 2016; Royer, 2001).

Uma análise das indicações/contraindicações e dos riscos/benefícios de cada tipo de cateter venoso e dos medicamentos prescritos, associada à avaliação das caraterísticas do doente, tal como à utilização de equipamentos de imagem na inserção do cateter são outras ações essenciais na prestação dos cuidados de enfermagem aos doentes que necessitam de um cateter venoso para implementar a terapêutica endovenosa (Chen et al., 2014; Davis & Kokotis, 2004; Emoli et al., 2014; Nichols & Humphrey, 2008; Petry et al., 2012; Royer, 2001). Todos os cuidados devem ser fundamentados nas melhores evidências científicas disponíveis e planeados com o doente, assegurando a sua participação nos cuidados, atendendo às suas preferências e validando assim um cuidado individualizado, com vista à segurança e qualidade dos cuidados.