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PARTE I – ENQUADRAMENTO TEÓRICO-CONCEITUAL, A ENFERMAGEM E

1.1 O Cuidado e as práticas de enfermagem

O ato de cuidar é uma prática antiga que atravessa todas as fases do ciclo vital e é composto por três instâncias: o cuidar de si, o do outro e o de ser cuidado. O cuidar revela- se na mobilização de energia com a finalidade de manter a vida, de desenvolver as capacidades, de satisfazer as necessidades indispensáveis à sobrevivência, e possibilita o desenvolvimento e a reinserção da pessoa nas atividades quotidianas (Benner, 2001; Borges & Silva, 2010; Collière, 1999, 2003). Segundo Boff (1999), o cuidar não se limita apenas às ações e ao fazer, porque envolve também atenção, preocupação, acolhimento, responsabilização e envolvimento com o outro. É por meio desse tipo de intenção que serão expressas as ações.

Para Waldow & Borges (2008), a palavra cuidado possui várias conotações, nos diversos contextos em que é percebida. Assinala-nos uma atenção individualizada, centrada na pessoa doente ou não, e requer da pessoa que cuida o estabelecimento de uma interação com o outro. O objetivo é conhecer as necessidades gerais e específicas do doente, bem como as suas capacidades e potencialidades. É importante lembrar que o cuidado no singular considera a individualidade da pessoa e da situação de vida em que ela se encontra, e por isso o cuidado não é linear (Hesbeen, 2000; Waldow, 2004). No entanto, os cuidados no plural estão relacionados com as ações realizadas pelos profissionais, advindo daí a expressão fazer cuidados (Hesbeen, 2000).

Segundo Pinheiro (2008), o cuidado é permeado por uma perspetiva que envolve as relações intersubjetivas num período determinado de tempo, o saber profissional e a utilização de tecnologias. Relaciona-se também à perspetiva da inclusão do outro, do seu saber, dos seus desejos e necessidades. A autora amplia a visão de cuidado no sentido da integralidade, pois envolve um trabalho interdisciplinar e uma abordagem de bem-estar.

No contexto do sistema de saúde e da presente investigação, os cuidados de enfermagem são aqueles realizados pelo(a) enfermeiro(a), envolvem intenção, interação interpessoal e devem ser centrados no indivíduo, com o objetivo de conhecer as suas necessidades gerais e específicas, as suas capacidades e as suas potencialidades na inserção do autocuidado, com vista ao seu bem-estar (Orem, Taylor, & Renpenning, 2001; Taylor &

Renpenning, 2011). Nesse sentido, o cuidado de enfermagem é estruturado a partir de ações reflexivas e de tomada de decisão que constituem alicerces estruturantes das ações de enfermagem (Hesbeen, 2000; Silva, 2012; Waldow, 2004, 2006).

Os cuidados de enfermagem, na conceção plural das ações, exprimem um conjunto de atividades quotidianas fundamentais, expressas em ações (in)diretas. Incluem também as ações de educação para prevenção de complicações, as de promoção da saúde, de organização, planeamento e avaliação dos cuidados; todas elas remetem à procura dos princípios da justiça, equidade, beneficência e não maleficência, mesmo entre pessoas que apresentem alguma patologia em curso e/ou estejam em tratamento (American Nurses Association (ANA), 2015; Backes et al., 2006; Borges & Silva, 2010; Collière, 1999; Henderson, 2007; Lei nº 156/2015, de16 de setembro, 2015; Vale & Pagliuca, 2011; Waldow, 2004). Como afirma Waldow (1998, p. 129), a finalidade dos cuidados de enfermagem não é curar ou tratar, e sim “aliviar o sofrimento, manter a dignidade e facilitar meios para manejar com as crises e com as experiências do viver e do morrer”.

O cuidar em enfermagem faz parte de um processo que vai além de um simples ato simbólico ou de atividades técnicas. É um fenómeno intencional que se desenvolve pela interação e por atitudes, as quais são influenciadas pelo meio onde os cuidados acontecem (ambiente físico, administrativo, social, psicológico e tecnológico), mas também pela ética, pelos conhecimentos, pela experiência, pelas competências e pela cultura. As técnicas, os materiais, os instrumentos e os tratamentos utilizados nos cuidados de enfermagem com fim terapêutico precisam de ser reelaborados e ressignificados, para que sejam utilizados como complementares – como meios, não como fins – e para que sejam capazes de influenciar positivamente o ser cuidado e aquele que cuida (Backes et al., 2006; Basto, 2012; Collière, 2003; Vale & Pagliuca, 2011; Waldow & Borges, 2008).

Ora, o cuidar é uma ciência complexa, pois interliga os elementos aos agentes, a ponto de compor um contexto singular de possibilidades para aqueles que o vivenciam. O cuidar cria interações únicas, é dinâmico e apresenta movimento próprio, e por isso é construído e reconstruído continuamente. O cuidar, para além de singular, é contextual e relacional, requer reflexão, conhecimento, destreza, saber-ser, sensibilidade e intuição (Hesbeen, 2000; Watson, 2007). Para que a sua prática seja efetivada, é preciso haver um encontro e um acompanhamento entre a pessoa que necessita de cuidados e o profissional responsável por eles, num movimento de entrega e de disponibilidade que ocorre num dado contexto e por um período de tempo determinado (Collière, 2003; Frias, 2001; Hesbeen,

2013; Peplau, 1997). Nesse âmbito, as práticas de enfermagem decorrem do saber e do conhecimento, da reflexão e da ação (Lopes, 2006) e “resulta então de um agir integrador dos contextos (Sujeito, Profissão, Utilizador, Ação) que permitem de forma dinâmica a construção das suas competências” (Costa, 2002, p. 292). Dessa forma, o contexto encerra um espaço imprescindível para a construção de práticas significativas, pois influencia as ações e é influenciado por elas (Costa, 2002). Por isso adotou-se o conceito de práticas de enfermagem de acordo com Lopes (2006) na presente investigação.

O encontro entre a pessoa que necessita de cuidados e o profissional que os dispensará ocorre num dado contexto sociocultural, por um período de tempo no qual está preconizada a identificação das necessidades singulares do doente e a elaboração de um diagnóstico que retrate suas necessidades de cuidados e que se traduza na indicação de condutas terapêuticas que precisam ser avaliadas para assegurar sua efetividade (Collière, 2003; Frias, 2001; Hesbeen, 2013; Peplau, 1997). A reflexão expressa uma análise geral de cada componente do cuidado e uma preocupação em fazer o bem, analisando os riscos, os benefícios, os custos e o bem-estar (Hesbeen, 2000; Waldow, 2004, 2006).

Ao refletir sobre o cuidado, Silva (2012) exemplifica que os cuidados de enfermagem pressupõem uma análise das caraterísticas dos medicamentos, da pele, do tecido subcutâneo, das veias do doente e do tempo previsto para a execução da conduta terapêutica. No entanto, também requer o envolvimento do doente no processo, de acordo com suas potencialidades, assegurando a sua autonomia (Vale & Pagliuca, 2011). Assim, os cuidados de enfermagem são concebidos como “uma prática que se constrói sobre a interação enfermeiro-doente com a intenção de contribuir para o seu bem-estar ou diminuir o seu sofrimento” (Basto, 2009, p. 12).

A Ordem dos Enfermeiros (2001) também centra o conceito de cuidados de enfermagem na interação interpessoal entre o enfermeiro e uma pessoa ou grupo de pessoas (família ou comunidade), e carateriza esse tipo de relação como de ajuda mútua, de respeito e de valorização da autonomia do ser cuidado. Daí que a prática de enfermagem seja mais que uma coleção de técnicas, é um todo integrado que utiliza um conjunto de conhecimentos, competências, ações e procedimentos para viabilizar a prestação de cuidados. Assim caracterizada, é importante lembrar que a prática de enfermagem é uma forma de obtenção de conhecimentos ancorada na disponibilidade de recursos em situações reais nem sempre excelentes (Basto, 2009; Basto, 2012; Benner, 2001; Souza, Sartor, Padilha, & Prado, 2005).

Para dar sustentação à compreensão das práticas de enfermagem na perspetiva da atuação do profissional enfermeiro, no contexto da presente investigação, a seguir serão abordados os modelos teórico-filosóficos de Betty Neuman e Patrícia Benner.