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A Teologia da morte de Deus: espelho de um ambiente secularizado

2. O Sentido Histórico da secularização

2.5. O Sentido Teológico da Secularização

2.5.1 A Teologia da morte de Deus: espelho de um ambiente secularizado

Outro ponto importante é o discurso a respeito da morte de Deus que foi engendrado no campo filosófico e que penetrou também nas ciências teológicas. A secularização fora apresentada como uma perda do sentido religioso e metafísico do mundo e do homem e uma concentração neste mundo e neste tempo.44

Hubert Lepargneur conseguiu muito bem captar as diversas mudanças ocorridas pelo processo de secularização, percebendo as grandes mudanças ocorridas nas estruturas:

“A secularização que aos poucos abrange todos os domínios da cultura comporta: 1) Um elemento positivo que corresponde ao termo largamente utilizado de maturidade do homem (homem adulto), da sua libertação dos mitos, da magia, das alienações do sagrado e das assombrações do além, da prepotência abusiva daqueles que tinham pretensões ao poder espiritual para dominar as formas terrestres da vida social dos homens. Este aspecto só é possível em favor de um crescente domínio do homem sobre a natureza, muito tempo considerada, como enigmático habitável de forças sobrenaturais. Neste sentido a secularização é uma reação cultural global, aos progressos específicos das ciências e das técnicas, da industrialização e da urbanização. 2) Um elemento destrutivo das religiões, se não da religiosidade, da humanidade, assim como da própria noção de Deus. Deus não existe porque a nossa maneira pragmática de pensar, hoje em dia, não nos permite mais conceber um conteúdo concreto atrás desta palavra „Deus‟. Este aspecto abre o caminho para a crítica radical da religião e para seu desaparecimento histórico, com a possível conservação da fé cristã, para

43 MCNAMARA, William. The Human Adventure. Garden City: Image Books, Doubleday, 1976, p. 9. 44 COLOMER, Eusebi. A morte de Deus. Porto: Tavares Martins, Porto, 1972, p. 143.

alguns (teólogos da morte de Deus), ou sua eliminação, para a maioria dos homens radicalmente secularizados. Desde já podemos situar a questão do movimento teológico da „morte de Deus‟ (movimento sem nenhuma estruturação, muito diversificado e até contraditório) com o nosso tema secularização: 1) Esta chamada „teologia da morte de Deus‟ constitui um esforço - um tanto desesperado - para interpretar „de maneira cristã‟, o fenômeno da secularização, representativo no mundo atual. Essa interpretação poderia ser resumida da seguinte maneira: Deus morreu em Jesus Cristo; eis a Boa Notícia do Evangelho. Jesus libertou o homem religioso do constrangimento imposto às gerações anteriores pelo imperialismo do Deus transcendente. Jesus representa a redução da transcendência divina à pura imanência histórica (re-interpretação da kenosis de São Paulo): eis a que se reduz o fato da Encarnação. Não há Reino dos Céus a não ser o reino terrestre da humanidade. Ser cristão é compreender este significado da pessoa e da vida de Jesus, e imitar sua dedicação aos outros homens. 2) O definhamento da religião e o repúdio cultural da divindade (que tem um dos seus pólos no movimento da „morte de Deus‟), não são somente interpretação de um fenômeno de secularização que lhe seria exterior; eles fazem parte, inclusive o referido movimento „teológico-ateu‟, deste fenômeno total de secularização. A razão disto é simples: a secularização é uma verdadeira práxis que engloba o processo sociológico e sua elaboração ou auto-justificação teórica. A „teologia da morte de Deus‟ constitui a ponta avançada do movimento de secularização tomando consciência de si e refletindo ainda sobre sua possível ligação com o que se chamava anteriormente cristianismo.45

Filósofos como Nietzsche acreditam que todo o processo de niilismo pode ser resumido na morte de Deus, ou, também, na “desvalorização dos valores supremos”. Para Heidegger, o ser se aniquila na medida em que se transforma completamente no valor. É importante aqui tentarmos retomar o movimento ateu que ocorre em toda a Europa e outros países do ocidente como um movimento que aparece cheio de ambigüidades e que por vezes buscou fundamentar-se em conceitos cristãos.

Outra ambigüidade gerada pela pretensa concepção da morte de Deus é o fatalismo que se degenera em desespero. A figura do niilismo como uma forma de autonomia esvazia o esquecimento secularista da filiação, do cuidado e do encargo de uma herança. Assim, também o secularismo carece de purificação. Esta purificação exige uma justa distinção entre Deus e o mundo. O conceito de salvação aparece na modernidade encapado de um engajamento na mundaneidade o que permite voltar novamente a uma divinização do mundo sem uma justa diferenciação das realidades que o constituem. É preciso retomar de modo equilibrado a presença do divino no mundo.

Ratzinger afirmou que a incredulidade no pensamento e a humildade ante o desconhecido parecem aconselhar ao agnosticismo, entretanto o ateísmo declarado pretende saber demais e leva consigo claramente um elemento dogmático.46

Vemos hoje na modernidade uma vasta tentativa de secularização ou “racionalização” da religião Cristã. Um problema visível que aparece nesta afirmação da morte de Deus é justamente uma acentuada crise do humanismo tentando colocar o homem novamente no centro do universo fazendo dele o senhor do ser. Entretanto, com o desenvolvimento técnico-cientifíco que se verifica nas últimas décadas o homem novamente é lançado em uma situação marginal.

Harvey Cox consegue de maneira precisa e pontual apresentar o caminho pelo qual pode melhor trabalhar para manter-se consciente de sua dignidade e empenho no mundo:

As principais teses do meu livro mostram que o processo estrepitoso de modernização não é algo que os cristãos devem temer. Devemos festejá-lo. Trata-se de uma das maneiras pelas quais Deus trabalha para libertar os homens do cativeiro. Não é uma maldição negra nem uma bênção pura. É, antes, uma oportunidade, um chamado à maturidade, exigindo dos indivíduos e das sociedades que escolham, em plena consciência, onde desejam ir e o que desejam ser. Sou da opinião de que o lugar em que surge este senso de resposta humana é também, o lugar em que o cristianismo está atingindo na história. Deus é mais plenamente Deus onde o homem se torna mais plenamente homem.47

O homem secular, emancipado, já não é dependente ou imoral Seria ingenuidade tentar submetê-lo a um Deus cuja força depende da fraqueza e da ignorância do homem. O evangelho cristão ensina que o homem é responsável assustadoramente responsável na sua liberdade em relação a um Deus cuja força atinge a perfeição na fraqueza e no sofrimento.48

46 RATZINGER, Joseph. Mirar a Cristo. Exercícios de fé esperança e amor. Valência: Ediap, 1990,

p.17.

47 COX, Harvey. Ciudad secular, Barcelona 1971, p. 8.

48 ROBINSON, John A.T. Pesquisa em torno de Deus. 1ºEdição, Rio de Janeiro: Moraes Editores, 1968, p. 38.