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2. O Sentido Histórico da secularização

2.5. O Sentido Teológico da Secularização

2.5.3 A teologia política e o projeto secularizador

A secularização é um processo e não um estado de coisas”49 Sabemos que este

processo tende a querer transformar o processo nas coisas em si. Aqui se encontra um perigo eminente que é justamente o de transformar o ser humano num arranjo existencial uma vez que valores que perduram podem ser descartados displicentemente. Tal coisa é simplesmente impossível. O simples fato de dizer “não há valores” por si só já é um valor. Como afirma Cox: “A secularização coloca a responsabilidade pela formação de valores humanos, bem como pela elaboração de sistemas políticos, nas próprias mãos dos homens. Isto exige uma maturidade que nem o niilista nem o anarquista desejam assumir”.50

A proposta de Bonhoeffer é aplicar aos apologistas teístas que se gabavam de ter um trunfo contra o homem emancipado no que diz respeito às “questões últimas” o mesmo princípio que eles aplicaram ao homem emancipado. Deus foi relegado somente para as questões derradeiras pelo homem emancipado, pois para este, Deus não é mais necessário nas outras questões de sua vida. Se Deus também tornar-se desnecessário para as questões derradeiras, então o homem religioso se encontrará num desespero ainda maior que o do homem emancipado.

2.5.3 A teologia política e o projeto secularizador

O pensador italiano Giorgio Agamben tem elaborado uma original leitura da tradição política ocidental, privilegiando, porém, a modernidade. Ele entende que a tradição política ocidental é tributária de dois registros teológicos: a teologia política e a teologia econômica. A primeira vinculada a uma perspectiva ontológica e a segunda à primazia da pragmática. Na política lembramos a Carl Schmitt quem afirma que “Todos os conceitos concisos da teoria do Estado moderna são conceitos teológicos secularizados”.51

49 COX, 1971, p.40.

50 Ibidem, p.47.

A teologia econômica constitui-se a partir da elaboração do problema da relação entre as três pessoas da Trindade, que resultou na teoria do homoousious, unidade de substância entre Pai, Filho e Espírito Santo, porém com três expressões distintas. Agamben entende que o maior entrave para a elaboração do aparato teológico cristão foi de ordem administrativa, o gerenciamento da casa divina, das relações entre as pessoas da Trindade. A oikonomía divina é a marca distintiva da teologia econômica, que torna evidente o primado da pragmática neste registro. Esse dispositivo permite que se torne possível o início de algo como a história designada pela escatologia cristã, tornando a história ocidental e cristã história da salvação. Nesse contexto, torna-se decisiva a orientação divina para o agir humano através da Divina Providência, a saber: pronóia. Na teologia econômica, a vida e seu gerenciamento também são centrais, porém na forma da operosidade, do agir humano para a glória de Deus, que oculta o caráter sabático da condição humana.

Este construto teológico, que opera articulado com a teologia política, como uma máquina governamental, triunfou na modernidade. Esse fato permite entender o primado da economia, ou de forma mais ampla, da pragmática, nesse período histórico. Novamente, neste caso, a relação com a vida torna-se ambígua. Se neste registro a vida é marcada pela operosidade, pelo imperativo da ação orientada pela providência divina, é justamente nesse espaço que reside à possibilidade da experiência da condição inoperosa do humano. Vários teólogos tentaram pensar os novos desafios da teologia em um ambiente profundamente secular. Teólogos como Harvey Cox tentaram apresentar um intento de levar a teologia à política e de encarnar a missão da Igreja nas realidades da promoção do homem e na construção da cidade Secular. Harvey não pensa que o homem secular tenha perdido o sentido da transcendência, mas como Unamuno afirma e se questiona: “Está o homem só no Universo ou não”?52.

O projeto secularizador apresenta várias dificuldades no seu processamento prático. Um dos riscos que ele corre é justamente o de converter a secularidade em secularismo, isto é, numa visão irreligiosa do mundo com visos de nova religião que anule totalmente a liberdade do indivíduo e se interponha como um muro absoluto entre a humanidade histórica e a chamada a transcendência.

A visão eclesiológica da Igreja ainda tem dificuldade de desenvolver uma visão positiva do processo de secularização que se degenerou em secularismo a sua essência verdadeira. Em vez disso ele procura reverter à secularização como tal, à medida que contrapõe a ela o seu modo de pensar baseado em realidade sacral, as quais pretensamente rompem e limitam a mundaneidade natural de todo o existente.53 Aqui verifica-se uma necessária tarefa da fé cristã que é justamente de proteger a secularização de sua degeneração em secularismo. Este acontecimento não deve tomar como referência o modelo de cristandade invertendo o processo de secularização e procurando absorve-lo numa apropriação eclesiástica.

A fé deve distinguir-se radicalmente das realizações da razão autônoma, entretanto a razão autônoma não pode converter-se em ideologia, ou seja, não deve reinvidicar fé e um caráter salvifico.54

Harvey Cox tenta apresentar de forma sucinta como a fé bíblica se manifestou como uma secularização para o mundo até então compreendido em suas estruturas cósmicas quando ele afirma juntamente com Friedrich Gogarten que a secularização é “a conseqüência legítima do impacto da fé bíblica na história humana”55,e assim, o

desencantamento da natureza começa com a criação, a dessacralização da política, com o Êxodo, e a desconsagração dos valores, com o pacto do Sinai, especialmente com a proibição dos ídolos”.56

Isto é, a criação distingue decididamente entre Deus e a natureza: o mundo não é Deus. Com isso acaba a concepção sacral ou mágica da natureza, vigente até então nas sociedades primitivas e até mesmo nas grandes civilizações.

O mundo deixa de estar cheio de forças divinas imanentes para converter-se na obra do Deus Criador transcendente. Este desencantamento da natureza é o que depois tornará possível o desenvolvimento da ciência e a técnica que estão na base da ciência moderna. Em segundo lugar, Deus revela-se ao seu povo ao tirá-lo do Egito, isto é, através de um “ato de desobediência civil” contra a monarquia estabelecida. Com isso dessacraliza-se a política: o Faraó não é Deus. De novo nos encontramos com o

53 Wilfried Jüest. Verhangnis und Hoffung der Neuzeit: Kritiche Gedanken zum Gogartens Buch,

Munique, p. 74.

54 GOGARTEN, Der Mensch zwischen Gott und Welt. Stuttgart. Munique, 1956, p.195. 55 Ibidem, p. 39.

primeiro passo de uma ordem política sagrada para um mundo como o atual em que a chefia política depende da capacidade individual e da eleição do povo e não de uma pretensa prerrogativa divina. Finalmente, a aliança do Sinai, ao condenar absolutamente a Idolatria, relativiza os valores religiosos consagrados e mostra o que realmente são, isto é, pura elaboração humana. Desde este ponto de vista, a moderna secularização, ao levar até as últimas conseqüências a distinção entre Deus e tudo o que não é Deus, que é a alma da fé bíblica, ajuda a realçar a afirmação central desta fé: Tu solus Sanctus! (a morte de Deus citação bibliografia da página).