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A teoria de Rothstein sobre os advérbios temporais

No documento Percursos em teoria da gramática (páginas 197-200)

A explicação de Rothstein para a combinação inesperada entre eventos télicos e adjuntos como ‘por X tempo’ confirma, no quadro da

2 Embora não seja possível desenvolvê-la neste artigo, acreditamos que a explicação está na

autora, a hipótese de que a relação entre (1) e (2) é acarretamento: se um evento télico perfectivo acarreta o alcance do telos, então devemos esperar que a combinação desse tipo de evento com adjuntos ‘por X tempo’ resultasse em sentenças ruins – precisamente a conclusão de Rothstein sobre a sentença (38e), repetida acima em (20a); nesse mesmo quadro, a sentença (38e), por sua vez, não pode ser “salva” de sua agramaticalidade devido ao tipo de predicado ou evento envolvido, ‘build a house’. Como já notamos, em PB, o exemplo é bom, como atesta (21b) e claramente o telos não foi alcançado. Para Rothstein, se há alguma interpretação possível, como é o caso, segundo a autora, para a sentença (38f), repetida como (20a), é devido novamente ao tipo de predicado envolvido: o predicado ‘read a book’ pode ser interpretado como atividade, via alguma operação de coerção. Contudo, tal solução, como veremos, leva a inadequações empíricas.

Deveria haver, segundo a autora, algum tipo de operação de coerção para o caso de (20a), que transforma o accomplishment em atividade. Poderíamos supor que a teoria de Rothstein está correta, mas o PB é mais tolerante em relação aos predicados que podem sofrer a coerção sugerida por Rothstein, e isso explicaria por que tanto (20b) e (21b) são boas; porém, ambas seriam o resultado de algum tipo de operação de coerção. Para avaliar a plausibilidade da presença desse tipo de operação, Basso (2007) realizou um teste psicolinguístico de tempo de leitura contrastando pares de sentenças como ‘João desenhou o quadro por dois dias’ vs. ‘João desenhou o quadro em dois dias’. Deveríamos esperar que houvesse um tempo maior de leitura para a sentença ‘João desenhou o quadro por dois dias’, justamente porque, para interpretar essa sentença, é preciso lançar mão da suposta operação de coerção, mas não para ‘João desenhou o quadro em dois dias’, que deveria ser então processada em um tempo menor (justamente por não envolver a operação de coerção em questão). Contudo, a análise estatística não mostrou nenhuma diferença significante em tempo de leitura entre essas sentenças. A falta de uma diferença de tempo de leitura, contraparte empírica de uma operação de

coerção, enfraquece a hipótese de que uma tal operação seja o caso, e imputa ares ad hoc a tal operação para o caso em questão.

Como resumo, podemos dizer que, na teoria de Rothstein, uma sentença como (20a) pode ser transformada em atividade via coerção porque é composta por eventos semelhantes. Na caracterização oferecida pela autora, a anomalia em (20a) resulta do fato de que ‘por X tempo’ deveria combinar-se apenas com predicados atélicos, gerando então predicados télicos: “for α time changes an atelic VP to a telic one, while in α time leaves the telic VP telic” (2004, p. 177).

Para dar conta da anomalia, a coerção entra em cena. Dessa forma, talvez como um último recurso, o predicado télico ‘read a book’ é transformado em atélico (uma atividade) para então combinar-se com ‘por X tempo’, resultando em um evento télico, que não é mais ler um livro, mas ler um livro por X tempo. Novamente, se adotarmos essa teoria para o caso do Português Brasileiro, (20b) deveria ser anômala pelas mesmas razões, mas não é. Além disso, essa proposta gera predições incorretas, pelo menos com relação ao PB. Considere a sentença abaixo:

(24) João leu o livro por uma semana e conseguiu terminar.

A solução de Rothstein, como dissemos, consiste em mudar uma atividade em um evento télico, justamente através do uso de ‘por X tempo’, resultando então no evento télico ‘ler o livro por uma semana’.3

A nosso ver, a sentença (24) aponta pelo menos três problemas: (i) em primeiro lugar, como o sistema computacional sabe quando aplicar a mudança de télico para atividade? Poder-se-ia imaginar que a combinação inesperada do adjunto ‘por X tempo’ com um evento

3 De acordo com a suposição de que ‘por X tempo’ transforma eventos atélicos em télicos,

deveríamos esperar que a sentença (i) fosse boa, porque ‘correu por uma hora’ é télico, e, sendo télico, deveria combinar-se com adjuntos do tipo ‘em X tempo’:

(i) João correu por uma hora em duas semanas.

Porém, a sentença (i) é pelo menos bizarra. A única interpretação disponível envolve medir a quantidade de corridas de uma hora feitas por João em um período de duas semanas, uma interpretação bastante diferente da que atribuímos normalmente às sentenças com eventos télicos (o simples alcance do telos).

télico disparasse a mudança; contudo, se esse for o caso, o adjunto fará duas operações contraditórias: (ii) via coerção, ele mudaria um evento télico (‘ler o livro’ accomplishment) em atélico (‘ler o livro’ atividade), e depois funcionaria como um modificador de evento atélico em télico (transformaria ‘ler o livro’ atividade no evento télico ‘ler o livro por uma semana’). Outra saída é imaginar que a operação de coerção ocorre antes de o sistema encontrar o adjunto; mas, então, o que impediria o sistema de aplicar a operação de coerção o tempo todo? Deve haver um gatilho. Seja como for, o que resulta é um evento télico de ler o livro por uma semana. E aqui está o terceiro problema, que tem a ver com a continuação ‘e conseguiu terminar’; essa continuação certamente demanda um telos, e (iii) o telos em questão, segundo a teoria de Rothstein, deveria ser aquele imposto pelo adjunto. Em outras palavras, se Rothstein estiver correta, a sentença (24) deveria significar apenas que João leu o livro por uma semana, ou seja, que ele conseguiu ficar uma semana lendo o livro – mas não diz mais nada: (24) seria verdadeira mesmo que João não tenha lido o livro até o fim no final de uma semana, mesmo que ele não tenha terminado de ler o livro, desde que tenha lido o livro ao longo de uma semana. Esta última situação vai contra a intuição do que (24) signifique: para que ela seja boa, é necessário que João tenha lido o livro todo, e não apenas que ele tenha ficado uma semana lendo-o.

No documento Percursos em teoria da gramática (páginas 197-200)