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A expressão que+NP pode se manter in situ ou sozinha no CP encaixado, como atesta (46), mas a expressão que+Ø não pode,

No documento Percursos em teoria da gramática (páginas 69-74)

como atesta (47):

11

(46) a. O Pedro vai ler que livro?

b. Ainda hoje me pergunto que livro o Pedro vai ler. (47) a. *O Pedro vai ler que?

b. *Ainda hoje me pergunto que o Pedro vai ler.

O que torna as sentenças de (47) agramaticais é que nelas o que não tem como satisfazer suas propriedades de clítico.

11 Pelo menos no PB podemos admitir que qual funciona em paralelo como a contraparte não

clítica do que, como mostram os exemplos: (i) a. O Pedro vai ler qual livro?

b. Ainda hoje me pergunto qual livro o Pedro vai ler? (ii) a. O Pedro vai ler qual?

b. Ainda hoje me pergunto qual o Pedro vai ler? (45)

Entretanto, devemos admitir que a natureza Wh do que o faz um clítico diferente do o: como qualquer expressão Wh, se não está in situ, deve estar em CP. Para o que este vai ser o nível da sentença apropriado para o processo de cliticização. Por isso, ele não pode ser enclítico ao verbo ler em (47a); mas também não pode estar enclítico ao verbo

perguntar em (47b) porque esse verbo está fora da fase do CP. O fato

de o CP ser o nível apropriado para a cliticização permite, ao contrário do que acontece com o clítico o, que o que+Ø possa ser clítico mesmo quando ele é o sujeito da sentença.

Quanto à forma de o que+Ø satisfazer suas propriedades de clítico em CP, ela é diferente nas duas modalidades de português. O PE recorre ao movimento do verbo para C, recurso já disponível quando para checar o traço uT. Assim, o verbo finito em C satisfaz as propriedades clíticas de que e vamos ter (48):

(48) a. Que leu o Pedro? b. Que é que o Pedro leu?

c. Ainda hoje me pergunto que leu o Pedro.

O PB, por seu lado, não parece tolerar o movimento do verbo para C e esse não deve ser um recurso para que o que satisfaça suas propriedades de clítico. Mas essa modalidade de português já dispõe de um outro recurso: a inserção do complementizador que. Por isso, podemos conceber que as propriedades de clítico de que+Ø estão satisfeitas nas sentenças de (49):

(49) a. Que que o Pedro leu? b. Que que é que o Pedro leu?

c. Ainda hoje me pergunto que que o Pedro leu.

Em resumo, o PE e o PB se distinguem em apenas dois pontos quando se trata de interrogativas Wh encaixadas: a modalidade brasileira permite Comp duplamente preenchido e a modalidade portuguesa apresenta o movimento do verbo para C com a expressão Wh que+Ø.

No mais, as duas modalidades de português se aproximam por dois motivos: Wh in situ não é permitido porque o CP é sempre ativado nas encaixadas; o movimento do verbo para C não é desencadeado, ficando liberada a ordem SV, porque o C encaixado é dotado de apenas um traço não interpretável: uWh.

Conclusão

A análise das interrogativas Wh baseada no sistema de traços F elabora as diferenças entre o PE e o PB a partir de um ponto principal: os traços uT do núcleo C. A modalidade europeia tem o C matriz marcado pelos traços uT e uWh; a modalidade brasileira tem apenas o traço uWh. O traço uWh de C sempre atrai o traço Wh interpretável em uma expressão interrogativa. O traço uT em C força a subida da flexão e fecha a possibilidade de o sujeito aparecer entre a expressão Wh e o verbo finito. A ausência de uT dispensa a subida da flexão para C e abre a possibilidade de o sujeito aparecer entre a expressão Wh e o verbo finito. Dessa forma, explica-se essa diferença saliente entre as duas modalidades de português.

Indiretamente, outra diferença importante pode ser deduzida se correlacionamos a presença do traço uT em C e a impossibilidade de Comp duplamente preenchido. Por que este fenômeno é banido do PE? Independentemente da derivação que se atribui a Comp duplamente preenchido, o complementizador vai impedir que o traço uT seja apagado. Como esse traço não existe no PB, a derivação converge.

Onde não está em jogo o traço uT, as duas modalidades de português vão apresentar semelhanças. Em ambas as modalidades, o C pode não ser ativado nas interrogativas Wh matrizes. Quando o C não é ativado, não vai existir nenhum uF e nenhum item vai ser atraído para a periferia esquerda da sentença. Já nas encaixadas, não tem como o C não ser ativado e, por isso, a expressão Wh que tem escopo sobre a encaixada deve ser copiada no Spec CP, não podendo permanecer in situ. O fato de as encaixadas aproximarem o PB e o PE quanto à ordem Wh(S)V revela

que o PE apresenta a mesma assimetria entre as matrizes e as encaixadas que se observa em línguas V2, como o alemão: essa assimetria é explicada nesta análise pela ausência do traço uT no C encaixado.

Retomemos, por fim, as considerações de caráter histórico da seção inicial. Tanto o PE como o PB evoluíram de um português que se caracterizava, no período antigo, por ser V2 (RIBEIRO, 1995) e no período clássico por ter V2 residual nas interrogativas Wh (LOPES- ROSSI, 1993). Nos termos de nossa análise, C detinha o traço uT generalizadamente no período antigo, mas esse traço se tornou específico para o C interrogativo do português clássico. O fato de o português passar de V2 para V2 residual já traça a direção que a mudança segue: o português está deixando de ser V2. As interrogativas Wh são as últimas construções que resistem a esse processo de mudança.

O que distingue as duas modalidades de português é o estágio em que a mudança se encontra (DUARTE, 2000). A mudança está feita no PB: nessa modalidade, o C perdeu o traço uT e, em consequência, toda a pressão para que o verbo flexionado se mova para C. Como subproduto dessa perda, a ordem VS, que não é obrigatória para nada, praticamente desapareceu. Outro subproduto é a possibilidade de Comp duplamente preenchido, desenvolvida, segundo nossa hipótese, a partir da falta de uT em C: a cópula é desnecessária pois a flexão não precisa checar nenhum traço em C. Se a interrogativa sem cópula se especializou na fala em interrogativa ordinária, tendo condições de uso diferentes daquelas que têm cópula (MIOTO; FIGUEIREDO SILVA, 1995), isso decorre de a numeração conter ou não a cópula. E um último subproduto é a frequência muito alta de Wh in situ no PB (KATO; MIOTO, 2005): sem o traço uT em C, o CP é menos marcado e pode com mais facilidade deixar de ser projetado.

Entretando, a mudança está retardada no PE, pois essa modalidade ainda retém o traço uT no C matriz. Lopes-Rossi (1996) defende que o desencadeador da mudança no PB (interferência do sujeito entre a expressão Wh e o verbo finito) foi a entrada das interrogativas clivadas, mas a hipótese esbarra no fato de não ter afetado em quase nada o sistema

lusitano. Por um lado, afetou a propriedade V2 das interrogativas, flexibilizando a ordem VS ao criar uma instância independente para checagem de uT: o que acontece no CP complemento da cópula não tem diretamente nada a ver com o processo de checagem de uT. Daí que o sujeito não precisa, como nas línguas V2, seguir imediatamente o verbo finito. Por outro lado, não proporcionou as condições necessárias para que C perdesse o traço uT. Uma das consequências da manutenção do traço uT é que o sujeito continua a não poder interferir entre a expressão Wh e o verbo finito. A outra é que a cópula tem de ser mantida na interrogativa como único recurso para checar uT de C. E, por fim, sendo o C matriz invariavelmente marcado por uT, é mais difícil acontecer de o CP não ser projetado, o que explica a baixa frequência de Wh in situ no PE. Entretanto, a semente da mudança parece estar atuando de alguma forma nas interrogativas com expressão interrogativa do tipo Wh+NP, descritas por Ambar (1992): nessas sentenças, o sujeito pode interferir entre a expressão Wh e o verbo finito.

A sintaxe das sentenças relativas livres no

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