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O que são as orações comparativas Comparativas como coordenadas

No documento Percursos em teoria da gramática (páginas 117-121)

Considerando a língua portuguesa, Menezes (1989) foi o primeiro a propor que as construções comparativas se assemelham às construções coordenadas. Para ele, o principal argumento é o fato de que os mesmos processos de elipse que vemos em coordenadas (1) são vistos em sentenças comparativas (2).

(1) a. Justino machucou a Rosa e Jorge __ a Maria. b. Olinto deu flores a Maria e Angelo __ a Joana. c. Olinto deu a Maria flores e Angelo __ bombons. (2) a. Justino machucou mais a Rosa do que Jorge __ a Maria.

b. Olinto deu mais flores a Maria do que Angela __ a Joana. c. Olinto deu a Maria mais flores do que Angelo __ bombons. (MENEZES, 1989, p. 9).

2 Para uma apresentação e discussão dos principais aspectos sintáticos relevantes das sentenças

Menezes defende que a ocorrência dos mesmos processos elípticos, elipse lacunar em (1a) e (2a) e elipse do verbo mais um dos seus complementos (1bc) e (2bc), é possível porque, em ambas as estruturas, a configuração sintática é semelhante, seja ela na Forma Lógica, o constituinte apagado não c-comanda seu antecedente, numa análise que se aproxima da defendida para casos de Apagamento do Antecedente Contido (Antecedent Contained Deletion) (MAY, 1985).

Por seu turno, Matos e Brito (2002; 2008) defendem que as orações comparativas canônicas no PE são estruturas de coordenação correlativa. Três evidências são elencadas pelas autoras: temos efeitos de CSC (Coordination Structure Constraint, cf. ROSS, 1967), extração ATB (Across-the-Board) e elipse lacunar (Gapping), fenômenos típicos de coordenação.

(3) a. O Luís é mais inteligente do que o João é trabalhador. b. *O quei é o Luís mais ti do que o João é trabalhador? c. O quei é o Luís mais ti do que o João é ti ?

d. Ele lê mais romances aos alunos do que ela [-] aos filhos. (MATOS; BRITO, 2008, p. 312).

No PB, não vemos efeitos de CSC (4ab). Veja que a sentença dada como agramatical (3b) pelas autoras é perfeita no PB. Além disso, elipse lacunar não parece ser exclusiva das orações coordenadas (4c), assunção feita na medida em que consideramos a oração sob antes que como subordinada (adverbial adjungida).

(4) a. O que que o Luis é mais ___ do que o João é trabalhador? b. Quemi que ti é mais alto que o Pedro?

c. João apresentou a Maria pra mim antes que [pro apresentou ]a Joana pra você.

Outro argumento contra a coordenação é o fato de podermos mover a oração comparativa em algumas construções, seja para formar uma pergunta-Wh (5b) ou para deslocar a oração de grau (5c), o que não

seria permitido se esse constituinte fosse um conjunto. Compare com sentenças coordenadas simples (6):

(5) a. O João é mais alto do que o Pedro. b. Do que quem que o João é mais alto? c. Do que o Pedro, o João é mais alto. (6) a. João almoçou e saiu dar uma caminhada.

b. *Fez o que que João almoçou e? (cf. João almoçou e fez o quê?) c. *E saiu dar uma caminhada, João almoçou.

Entretanto, esse movimento não é permitido em comparativas oracionais, estruturas em que temos um verbo explícito na oração comparativa. Vejamos os casos (7), e especialmente (8), que envolvem subapagamento comparativo.3

(7) a. João é mais alto do que eu pensava. b. ??Do que eu pensava, João é mais alto.

c. Maria é mais bonita do que sua mãe era na idade dela. d. ?Do que sua mãe era na idade dela, Maria é mais bonita. (8) a. A porta é estreita mais do que a mesa é larga.

b. ?Mais do que a mesa é larga, a porta é estreita.

Contrastes desse tipo foram usados por Napoli (1983) e Hendriks (1995) como evidência para se assumir que as comparativas no inglês possuem duas estruturas, uma envolvendo coordenação e outra subordinação. As coordenadas proíbem deslocamento de conjuntos, o que explicaria a impossibilidade de exemplos do tipo (6-8). Deslocamentos do tipo visto em (5) são possíveis porque do que seria o núcleo de um sintagma preposicional, tendo um NP como complemento (ou outra

3 No inglês, parece ocorrer o mesmo, comparativas sintagmáticas podem ser movidas,

comparativas oracionais não. Isso levou Hankamer (1973) e Napoli (1983) a proporem que as estruturas comparativas nesta língua envolvem duas estruturas, uma de subordinação e outra de coordenação.

categoria qualquer que possa ser selecionada por uma preposição). Entretanto, que não é esse o caso do PB pode ser visto pelo fato de o pronome que segue do que ser sempre nominativo, o que argumenta em favor da hipótese de Marques (2003), para quem todas as orações comparativas em português possuem uma base oracional. Parece ser irrelevante o estatuto de do que (se conjunção ou preposição). O que é relevante é que ele não possui função sintática de atribuição de caso, dado que o pronome é o sujeito da oração de grau e já recebeu caso; logo, fica incapaz de assumir outra forma morfológica que não nominativa.

(9) a. João é mais do que eu/*mim. b. João é mais alto do que eu sou/era.

O problema é como explicar os casos em que não podemos mover a oração comparativa. Esse movimento parece ser proibido devido ao “peso” do constituinte e pode ter a ver mais com a estrutura fonológica do que propriamente com a sintaxe dessa construção, embora essa hipótese precise ser mais bem investigada (além do que, piep-piping de orações não é uma operação possível na gramática no português).

Além disso, dada a variedade de categorias sintáticas (diferentes sintagmas) que podem ser alvo de comparação, vale questionarmos, ao se assumir uma proposta em termos de coordenação, o que está sendo coordenado com o que em (10), por exemplo.

(10) a. Maria é mais alto do que Pedro. b. Maria corre mais rápido do que Pedro. c. Maria comeu mais biscoitos do que Pedro.

Pela estrutura proposta pelas autoras (11), a coordenação tem que se dar na Forma Lógica, dado que na superfície não temos identidade sintática ou semântica, mesmos tipos, entre os constituintes coordenados.4 Algo como em (12), onde os nós intermediários seriam 4 Note que, em exemplos clássicos de coordenação simples ou correlativa, sempre temos

interpretados como conjuntos de graus do tipo <d,t>, assim preenchendo o requisito de identidade.

(11) … [CoP [Co mais] [CoP AP [Co’ [Co do que] CP]]]

(12) [CoP mais (do) que [Co’ [Oração de Grau]<dt> [Co’ [Oração Matriz]<dt> ]]]

De fato, é isso o que as autoras propõem (13b), ilustrado para a sentença (13a) (MATOS; BRITO, 2008, p. 325). O que vemos é coordenação correlativa de dois CPs.

(13) a. Mais estudantes saíram do que professores entraram. b. [CoP [CP mais estudantes saíram] [Co’ [Co do que] [CP professores entraram]

Esses fatos considerados, analisaremos agora a hipótese alternativa, que não possui os problemas que a proposta da coordenação enfrenta.

No documento Percursos em teoria da gramática (páginas 117-121)