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Terceira evidência

No documento Percursos em teoria da gramática (páginas 158-166)

Massam (2001, 2008) estuda a língua niuean, que tem como ordem default VSO, para as chamadas estruturas regulares (que não apresentam pseudoincorporação);9 e VOS, para estruturas de pseudoincorporação,

como se observa respectivamente nos exemplos abaixo:

7 3O = terceira pessoa objeto; Ind = indicativo; 3sS = terceira pessoa singular sujeito; Poss =

posse.

8 Baker (1988, 2008) propõe que essas restrições podem ser explicadas via movimento de

núcleo.

9 A autora fala em pseudoincorporação, porque não somente núcleos se incorporam na língua

niuean, mas ocorre uma espécie de incorporação frasal: é o NP que se adjunge ao verbo, não o N0. A pseudoincorporação é um processo em que nome pode se incorporar ao verbo, mesmo

(15) a. Ne kai He pusi ia e moa PST comer ERG gato este ABS pássaro ‘Este gato comeu o pássaro’

b. Takafaga ika tumau ni a ia caça peixe sempre EMPH ABS ele ‘Ele está sempre pescando’

Essas diferenças entre as estruturas incorporadas e as não incorporadas, tanto na língua onondaga quanto nas línguas mapudungun e niuean, caem exatamente naquilo que Carlson (2006) denomina de efeito de restritividade: as estruturas incorporadas impõem

restrições para a combinação V+N e, no caso das línguas acima, restrições sintáticas.10 Outro fato relevante nessas evidências translinguísticas é

que parece sempre haver uma contraparte não incorporada quando há incorporação: como se percebe em todas as línguas discutidas aqui, se há a versão incorporada, espera-se uma versão não incorporada. Essas evidências também nos ajudaram a entender melhor o que Carlson denomina de efeito de restritividade; isto é, quando o nome é incorporado ao verbo, há certas restrições: ou sintática, ou semântica, ou pragmática. Elas também nos mostraram como o fenômeno da incorporação pode ocorrer diferentemente entre as línguas que reconhecidamente têm a IS como um processo bem definido. Portanto, Carslon (2006) propõe um verdadeiro diagnóstico – o efeito da restritividade – que separa os fenômenos da incorporação daqueles que não o são. O próximo interesse é discutir se há IS no PB com base nesse efeito.

Há IS no PB?

Toda discussão sobre a IS envolve uma relação direta com a sintaxe: se o NNS for considerado um DP, não há IS; para que o fenômeno da incorporação ocorra, é preciso que o NNS seja um NP ou N. Portanto,

se considerarmos o NNS como um DP, automaticamente, precisamos defender que não há IS no PB.

Essa relação necessária entre ser NP e ocorrer a IS advém de uma ideia clássica de que o NP denota uma propriedade; já o DP denota indivíduos/objetos. Como a IS ocorre se um argumento nominal em algum sentido torna-se parte do verbo, funde-se ao verbo para juntos atribuírem a informação semântica, é de se esperar que isso só é possível quando o NNS for um NP: o verbo toma uma expressão denotando propriedade como seu objeto e, juntos, expressam a informação semân- tica. É como se o predicado verbal e o predicado nominal, fundidos, for- massem outro predicado com características peculiares; por exemplo, juntos denotam uma atividade institucionalmente reconhecida pelos falantes (MITHUN, 1984, 1986).

Portanto, a IS somente acontece quando temos um N0 ou um

NP; se o nome nu singular for um DP, a incorporação não é possível. Então, diante de teorias que descrevem o nome nu singular no PB como sendo um DP, não podemos falar em incorporação, como parece ser o caso para aqueles autores como Schmitt e Munn (1999, 2000, 2002), Munn e Schmitt (2001, 2005), Lopes (2006) e Dobrovie-Sorin e Pires de Oliveira (2007). Por outro lado, autores que afirmam que há IS no PB, necessariamente, têm de prever que o NNS é um NP, como Saraiva (1997), Doron (2003) e Müller (2004).

O problema maior para os autores que afirmam que há IS é a falta de restritividade. Vamos tomar como exemplo Saraiva (1997): em primeiro lugar, como vimos, Mithun (1984, 1986) afirma que há restrições lexicais acerca das possibilidades de combinações de V+N que podem ser consideradas como atividades culturalmente estabelecidas. Não é qualquer verbo com qualquer nome que podem juntos denotar uma atividade institucionalizada, reconhecida como tal pelos falantes, mas somente alguns verbos combinados com certos nomes. Para Saraiva (1997), todos os nomes nus singulares na posição de objeto combinados com quaisquer verbos podem juntos designar uma subclasse da ação. Se isso for assim, as formas produtivas de Saraiva (1997) não demonstram

Em segundo lugar, a literatura aponta como uma característica da incorporação sua coexistência com uma estrutura, mas não incorporada, com diferenças sintáticas e/ou semânticas. Com relação ao PB, não é claro que estrutura seria essa. Suponha, no entanto, que possamos comparar as sentenças abaixo (o exemplo (16) é de Saraiva, 1997):

(16) A minha mãe fez empadinha. (IS segundo a autora) (17) A minha mãe fez a empadinha. (não-IS)

Além do fato de que no PB há um definido na segunda sentença, não há nada que se assemelha aos fatos nas línguas discutidas acima. Nenhuma daquelas restrições presentes nessas línguas é encontrada no PB, o que nos abre a possibilidade de concluir que o PB não apresenta restrição(ões), no sentido de Carlson (2006); logo, não é possível falar em IS.

Porém, um olhar mais acurado sobre algumas construções pode nos revelar outra possibilidade. Taveira da Cruz (2008) propõe que a IS é uma opção no PB, no sentido de que em alguns casos há incorporação. Seguindo o autor, inicialmente, vamos nos concentrar na sentença- chave abaixo, como representação de um exemplo típico de estruturas de incorporação no PB, por representar claramente uma restrição semântica: a de denotar uma atividade institucionalizada, reconhecida pelos falantes brasileiros do português:

(18) Pedro jogou bola.

A bola é um objeto usado em vários esportes, mas nessa sentença o único esporte possível é o futebol: essa é uma das principais características das estruturas incorporadas, o fato de o falante a reconhecer como significando uma atividade institucionalizada (MITHUN, 1984), é o que acontece em (18). Há também outras restrições, porque o NNS não pode ser topicalizado, nem ser retomado anaforicamente nessa construção e ainda manter a interpretação incorporada:

(19) a. #Bola, Pedro jogou.

b. Pedro jogou bola. #Ela estava murcha.

Ao deslocar o objeto para a periferia esquerda da sentença, o sentido incorporado depreendido em (18) não se mantém: as sentenças em (19) deixam de significar que o falante está se referindo a atividade institucionalizada de jogar-futebol, perdendo a interpretação incorporada. Passam a ter apenas leitura composicional: há uma bola que o Pedro jogou. O mesmo é verdadeiro para o exemplo em (19b): ao ser retomado pelo pronome, ela deixa de representar a leitura incorporada e recebe uma interpretação composicional. Um exemplo-chave mais claro é:

(20) a. O João tomou café hoje às sete horas da manhã. b. Café, o João tomou. (não chá)

c. O João tomou café. #Ele estava muito quente.

A sentença em (20a) é ambígua: (i) temos uma versão incorporada, porque tomar-café remete a uma atividade reconhecida pelos falantes do PB: não está em causa o café em si, mas o evento de tomar-café (da manhã), tanto que para (20a) ser verdadeira, na leitura incorporada, não é preciso haver café. Suponha um caso que João tenha tomado suco com bolachas no evento de tomar-café, então, nesse contexto, a sentença em (20a) é ainda verdadeira, porque o que é relevante é o evento de tomar- café, e não o líquido café propriamente; (ii) há ainda a versão não- incorporada, porque o que está em foco é o próprio café, dessa forma, ela não remete ao evento de tomar-café, mas simplesmente ao evento de tomar, que é saturado pelo NNS ‘café’. As sentenças (20b) e (20c) somente aceitam essa segunda leitura.

Portanto, as sentenças (18) e (20), acima, na verdade, são ambíguas: de um lado, elas podem representar uma versão incorporada, que remete a uma atividade institucionalizada, não podendo o NNS ser focalizado/ topicalizado ou retomado anaforicamente; do outro lado, elas possuem a versão não-incorporada, cujo NNS apenas satura o verbo. Em outros termos, na versão incorporada, o NNS é um NP; já na versão não-incorporada, o

NNS pode ser entendido como um DP. Isso é bem-vindo, porque confirma que quando há incorporação, há uma contraparte não-incorporada, sendo que a versão incorporada tem diferenças semânticas: somente ela remete a uma atividade institucionalizada; e diferenças sintáticas: o objeto incorporado é um NP, enquanto o não-incorporado é um DP.

Há formas presentes na língua que remetem a uma ou outra leitura, isto é, incorporada ou não:

(21) a. Pedro jogou bola com João. (incorporação ou não/ambígua) b. Pedro jogou bola pro João. (não incorporação)

Para (a), é possível assumir uma análise via incorporação, porque jogar-bola é uma atividade típica para os falantes do PB, logo o NNS é um NP; em (b),11 ‘bola’ simplesmente satura o verbo, podendo então ser

analisado dentro de um quadro que considera que o objeto é referencial, sendo, portanto, um DP. É com exemplos como (a) que a hipótese de que o nome se incorpora ao verbo restringindo a ação a uma atividade típica é mais plausível. O mais interessante é que, em (21a), determinantes não podem aparecer entre o verbo e o nome, porque a leitura incorporada se desfaz, como mostra (22a); nem mesmo o plural nu deixa a sentença com o sentido de objeto incorporado, como se observa em (22b), abaixo:

(22) a. Pedro jogou #a/uma/esta bola com João. (incorporação = não) b. Pedro jogou #bolas com João. (incorporação = não)

Porém, o que estamos chamando de versão incorporada não é o mesmo que Saraiva (1997) denomina de objeto incorporado no PB: para Saraiva (1997), o fenômeno da incorporação é produtivo no PB; então, qualquer nome nu singular na posição de objeto sempre se incorpora ao verbo. Para Taveira da Cruz (2008), o NNS se incorpora apenas em alguns casos, como ‘jogar-bola’, ‘tomar-café’ e ‘pegar-onda’, que revela

11 É claro que essa sentença também pode possuir uma versão incorporada, se pensarmos em

João não como goal, mas como um benefactivo, algo como Eu jogo bola pro Flamengo ou Eu jogo

uma restrição lexical, além da restrição semântica já mencionada: o composto remete a uma atividade institucionalizada, respeitando em vários pontos a restritividade de Carlson (2006).

Conclusão

A maior dificuldade de se entender a IS é que ela ocorre diferentemente entre as línguas. Carlson (2006), então, propõe um efeito que separa as estruturas incorporadas daquelas que não são: o efeito de restritividade. Esse efeito é encontrado quando a IS é concebida, ou seja, a IS impõe restrições para a combinação do V+N. Este artigo procurou argumentos para afirmar que, nas sentenças-chave ‘jogar-bola’ e ‘tomar- café’, há IS, porque os falantes do PB reconhecem que tais estruturas denotam uma atividade específica, portanto, funcionam como restrições no sentido evocado por Carlson (2006), o que demonstra uma adequação empírica e explicativa para afirmar que somente em alguns casos há incorporação semântica.

Para tais sentenças-chave, Taveira da Cruz (2008) propõe uma análise baseada em Dayal (1999, 2003). Segue, então, as duas versões, não incorporada e incorporada:

(23) a. Pedro jogou bola (pro João). (não incorporação) b. λx λy λe [jogar(e) & Ag(e)= y & Th(e) = x] (24) a. Pedro jogou bola (com João). (incorporação)

b. λP

<e,t> λy λe [P-jogar(e) & Ag(e) = y & Appropriately-Classificatory(e)]

Em (23), temos a versão não incorporada de ‘jogar-bola’, que representa um verbo transitivo com dois argumentos: agente e tema. Em (24), temos a versão incorporada de ‘jogar-bola’, cujo objeto denota uma propriedade e funciona como um modificador do verbo: eles juntos denotam uma atividade institucionalizada, garantida pelo modal

appropriately-classificatory. Então, com essas duas representações,

Os advérbios de modo em –mente e a estrutura

No documento Percursos em teoria da gramática (páginas 158-166)