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Clivadas foco de informação – sujeito

No documento Percursos em teoria da gramática (páginas 102-109)

A sentença clivada é uma estratégia de focalização informacional do sujeito que foi identificada nos estudos de Guesser (2007) e de Fernandes (2007). De acordo com Modesto (2001) e Mioto e Negrão (2007), o constituinte clivado sempre está relacionado aos traços de contraste ou exaustividade. Concordamos com os últimos autores que há certos constituintes que, quando clivados, só veiculam uma interpretação contrastiva ou exaustiva. Mas não há como negar que uma pergunta-Wh sobre o sujeito pode ser respondida com uma sentença clivada que não implica contraste, como em (7) e (8).

(7) a. Quem fez esse bolo? b. Fui [F eu] que fiz.

(8) a. Quem compra frutas na feira? b. É [F a Ana] que compra frutas na feira.

Neste estudo, apresentamos uma análise que justifica o movimento de um constituinte na sentença em função das suas propriedades sintáticas e semânticas. Assim, não assumimos uma análise que defende o movimento daquilo que não é o foco.

De acordo com a abordagem cartográfica seguida neste trabalho, o foco nas clivadas sempre ocupa o especificador de FocP. O traço [+foco] é um traço criterial que deve ser checado em uma posição específica, por meio da relação especificador-núcleo. Esse traço não precisa ser apagado na sintaxe; ele resiste até as interfaces (PF e LF) sem que o sistema computacional elimine a sentença.

Mioto e Negrão (2007) propõem que o elemento clivado está sempre associado à leitura contrastiva/exaustiva. Os autores não aceitam a sentença clivada em contexto pergunta-resposta que é próprio do foco de informação. O resultado do experimento realizado por Quarezemin (2009) mostra que nenhum falante seleciona a sentença clivada como uma estratégia de resposta a uma pergunta-Wh sobre o objeto. Mas nada exclui que a clivada sujeito possa aparecer em contexto pergunta-resposta (FERNANDES, 2007; GUESSER, 2007). A clivada sujeito apresenta particularidades que não estão presentes na clivada objeto. Isso vai ao encontro da análise de Belletti (2008a, 2008c) de que a estrutura da clivada sujeito é diferente da clivada não sujeito, pois apenas a primeira pode veicular foco de informação ou foco contrastivo.

De acordo com Belletti (2009), a focalização do sujeito em francês e italiano envolve a posição focal baixa, mas de uma forma diferenciada. O italiano emprega essa posição de modo direto, enquanto o francês faz uso dela de modo mais articulado, introduzindo a cópula. Essa diferença na ativação de FocP se deve às diferentes estratégias de resposta empregadas nas duas línguas. A cópula sem conteúdo semântico empregada pelos falantes do francês torna possível a ativação da posição foco pós-verbal, como em (9a).

(9) a. [TP Ce [T êtrei [FocP Jeanj [vP ti [SC tj [CP qui a parlé]]]]] (expletivo Foi João que falou)

b. [TP pro [T ha parlatoi [FocP Giannij [vP ti tj ]]]] (expletivo Falou João)

Observamos, em (9), que FocP figura como complemento do verbo lexical parlare em italiano; já FocP em francês figura como complemento da cópula être. A clivada canônica ou reduzida, que também é muito frequente em francês, permite que o sujeito foco de informação esteja em uma posição específica de foco. O uso da clivada como estratégia de focalizar o sujeito que exprime apenas informação nova é uma forma de focalização por meio de uma posição sintática particular, como ocorre nos casos de inversão livre do italiano. Belletti (2009) afirma que a clivada é um tipo de estratégia de focalização pós-verbal.

No PB, assim como no francês, não há acesso direto à posição focal baixa pelo sujeito FI.6 A saída encontrada pelos falantes do PB

é empregar a sentença SVO com uma prosódia especial (focalização

in situ) ou a clivada. O PB pode ser visto como uma língua que ainda

permite sujeito nulo, mas que não apresenta inversão livre. Quando a inversão ocorre, está condicionada à presença de algum elemento no início da sentença (PILATI, 2006).

A análise das clivadas sujeito FI do PB proposta neste estudo assume em parte a análise de Belletti (2008a, 2008c), para o Francês, e em parte a análise de Mioto e Negrão (2007), para o PB. Defendemos que o complementizador que das clivadas é a realização de um morfema foco; por isso, vem da numeração marcado como [+F]. Seguimos Mioto e Negrão e propomos que o constituinte clivado sofre movimento A’. No caso da clivada que veicula um sujeito FI, a focalização ocorre na periferia de vP, como propõe Belletti. Na análise da autora, o complementizador se origina em Fin7 e ali permanece. Na análise de Mioto e Negrão,

o complementizador é a realização de Foc.8 Propomos aqui que o

6 Nesta seção e na seção seguinte, empregamos o rótulo FI para foco de informação e FC para

foco contrastivo.

7 De acordo com a proposta de Rizzi (1997), as categorias ForceP e FinP são as extremidades do

complementizador se origina em Fin, mas se move para Foc por ser um morfema foco em PB. Esse movimento é do mesmo tipo do movimento do complementizador para Force nas sentenças subordinadas (BELLETTI, 2008c). Também concordamos com Belletti (2008a, 2008c) que o CP das clivadas não é do mesmo tipo do CP das subordinadas. A autora afirma que nas clivadas, em geral, o CP é reduzido/truncado, sem a projeção da categoria ForceP.

A representação para a clivada sujeito FI proposta aqui é como (10c).

(10) a. Quem comprou as flores?

b. Foi [F a Maria] que comprou as flores.

c. [TP pro[T Foi [FocP A Mariai [Foc que+F [vP <ser> [FinP <que+F> [TP comprou ti as flores]]]]]]]

Na representação em (10c), a cópula vai para T. O complemen- tizador, que é um morfema foco, deixa a sua posição e vai para Foc, de onde sonda o constituinte que deve ocupar o especificador de FocP. Por razões de Minimalidade Relativizada (que discutiremos a seguir), o sujeito a Maria é o único constituinte que pode preencher Spec FocP na periferia da cópula, que é uma posição argumental.9 O sujeito sai da

posição temática para evitar um congelamento criterial na posição sujeito da subordinada.10 Assim, o critério foco é satisfeito e a sentença está

pronta para ser enviada aos componentes de interface, PF e LF. Seguimos Belletti, que propõe que o CP introduzido pelo complementizador é um

um traço [(-wh,)+foc] para ser verificado; o foco ocupa o especificador e o que está no núcleo de uma categoria sincrética que incorpora um ForceP declarativo e um FocP ([-wh]).

9 É difícil definir a natureza da posição FocP baixa em relação à distinção A/A’. Diferentemente

da posição FocP na periferia esquerda da sentença, que é uma posição A’, a posição baixa de foco também está relacionada a propriedades argumentais, como concordância. Rizzi (c.p) propõe que FocP na periferia de vP seja considerada uma posição mista que envolve propriedades criteriais (A’) e propriedades gramaticais (A).

10 De acordo com Rizzi e Shlonsky (2007), o sujeito também tem um critério a ser satisfeito. A

posição criterial do sujeito é chamada Spec SubjP e fica logo acima de TP. O sujeito deve saltar essa posição e ir diretamente para Spec FocP para que não sofra um congelamento criterial.

CP truncado/reduzido sem a projeção da categoria Force; assim, o CP na clivada corresponde à projeção FinP ou FocP.

A ordem entre o complementizador e o foco nas clivadas é sempre [Foco-que]; já nas sentenças subordinadas, o foco sempre deve seguir o complementizador, resultando na ordem [que-Foco], como em (11).

(11) a. O Pedro disse que a Maria leu UM LIVRO. b. O Pedro disse que UM LIVRO a Maria leu. c. UM LIVRO o Pedro disse que a Maria leu. d. * O Pedro disse UM LIVRO que a Maria leu.

A agramaticalidade de (11d) resulta do fato de o complementizador estar na posição mais alta do CP, em Force, e, assim, não é possível que o foco esteja acima dele, a menos que o foco esteja na periferia esquerda da sentença matriz, como em (11c). A possibilidade de o foco aparecer antes do complementizador nas clivadas indica que o que não está em Force.

As sentenças clivadas invertidas, como em (12), mostram que o complementizador em PB não pode ser originado diretamente em Foc. Se assim fosse, não teríamos espaço para a cópula. Ela também é um morfema foco e, nesse caso, é a realização de Foc.

(12) a. [F A Maria] é que comprou as flores.

b. [TP [FocP A Mariai [Foc é+F [vP <ser+F> [FinP que [TP comprou ti as flores]]]]]]]

Outra sentença clivada que também é empregada em contexto de focalização informacional do sujeito pelos falantes do PB é a sentença [SqueVO] que é identificada por Guesser (2007) como uma clivada truncada.

(13) a. [F A Maria] que comprou as flores.

b. [TP [T Foi [FocP A Mariai [Foc que+F [vP ser [FinP <que+F> [TP comprou ti as flores]]]]]]]

Na clivada truncada, a cópula seleciona um CP e, em seguida, vai para T. Pelo fato de a cópula estar numa posição inicial, ela pode ser apagada sem problemas. Observamos em (13b) que a adjacência entre o foco e o complementizador se mantém. A cópula não estava entre os dois e, posteriormente, foi apagada. O emprego de uma sentença SqueVO pelos falantes do PB, como uma estratégia de focalização informacional do sujeito, não nos permite analisar essa sentença como um caso de deslocamento explícito do sujeito para o domínio CP.

A proposta de Belletti (2008c) para as clivadas sujeito FI é que a cópula seleciona uma SC rotulada como um CP small. Há uma posição EPP dentro da SC que só pode ser ocupada pelo sujeito; do contrário, fere a Minimalidade Relativizada. Para os casos de clivada não sujeito ou clivada sujeito FC, a autora segue na linha de Mioto e Negrão (2007) e afirma que a cópula seleciona diretamente um CP. Nos dois casos, o CP é reduzido, sem a categoria Force. Quando o foco é de informação, o sujeito focalizado está em Spec FocP na periferia da cópula. Quando o foco é contrastivo, sujeito ou objeto ocupam Spec FocP na periferia esquerda da sentença introduzida pelo complementizador.

O experimento de Quarezemin (2009) sobre a focalização do objeto mostra que a clivada canônica não é empregada como uma estratégia de resposta a uma interrogativa-Wh sobre o objeto. Contudo, uma pseudoclivada objeto pode ser empregada nesse mesmo contexto. Se se assume que a SC selecionada pela cópula tem um traço EPP na posição sujeito, nas clivadas que veiculam FI, como explicar a possibilidade de o objeto estar nessa mesma posição em uma pseudoclivada que responde uma interrogativa ordinária?

A pergunta que se coloca é: assumindo a análise proposta neste estudo, o que exclui a formação da clivada objeto no contexto pergunta- resposta em PB? A clivada objeto não pode aparecer em contexto pergunta-resposta porque necessariamente envolve movimento A’ do foco para uma posição específica na periferia esquerda do CP complemento. A resposta segue na linha do princípio de Minimalidade Relativizada que exclui o movimento do objeto para a posição foco na

periferia vP da cópula passando sobre o sujeito. Dessa forma, propomos que a má formação de uma clivada objeto FI ocorre devido às condições impostas pela Minimalidade Relativizada.

Mioto (2003) verifica que a pseudoclivada reproduz com fidelidade a A2 da AS (Assertion Structure) do foco não contrastivo proposta por Zubizarreta (1998). Para o autor, a pseudoclivada responde uma interrogativa-Wh porque o foco está em uma posição baixa. Nesse caso, ele ocupa o especificador de Foc na periferia de vP. A representação de uma pseudoclivada segue as análises que propõem uma SC selecionada pela cópula (MORO, 1997; HEYCOCK, KROCH, 1999), com o sujeito da SC sendo o foco e o predicado sendo a relativa, como em (14). Mantemos para as pseudoclivadas com foco de informação a ativação de FocP na periferia da cópula.

(14) a. Quem leu o livro foi [F o Marco].

b. [TP [CP Quem leu o livro]j [T foi [FocP o Marcoi [vP ser [SC ti tj ]]]]]

Em (14b), verificamos que o predicado da SC é alçado para a posição sujeito da sentença matriz. A SC selecionada pela cópula não tem um traço EPP na posição sujeito; assim, nada impede que o objeto figure nessa posição. A representação de uma pesudoclivada com o objeto focalizado informacionalmente é a mesma de (14b). O objeto focalizado ocupa Spec FocP na periferia da cópula.

A proposta deste artigo é que, em todas as sentenças clivadas com sujeito FI, seja ela uma clivada canônica, truncada, reduzida ou pseudoclivada, a posição foco baixa (na periferia da cópula) é explorada, mas de uma forma diferente. Nas clivadas, a cópula seleciona diretamente um CP como complemento, enquanto nas pseudoclivadas ela seleciona uma SC. Na próxima seção, verificaremos que as clivadas que veiculam FC não impõem nenhuma restrição quanto ao elemento focalizado, sujeito ou objeto.

No documento Percursos em teoria da gramática (páginas 102-109)