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aos poucos vai cedendo, então, lugar ao que é sensível em cada grupo, ao vivido conjuntamente e ao hic et nunc, aqui e agora (MORIN, 2010).

Esta mudança no espírito do tempo é embalada pela fluidez do viver possibilitada pelos aparelhos tecnológicos e requer que os estudos que abordem os exercícios políticos na pós-modernidade estejam atentos aos novos modos de relação entre os sujeitos e a dimensão política, em que as narrativas grandiloquentes sobre os destinos da humanidade perdem poder de agregação e mobilização. Os fatores simbólicos ganham lugar de destaque, sendo elementos fundamentais para a identificação entre o sujeito e a política. Nas próximas páginas, busca-se descrever esse momento em plena modificação e encontrar as características que se saltam nesse contexto que começa a se desenhar, e cujas consequências pode-se observar nas novas configurações político-eleitorais.

3.1 A TRANSFIGURAÇÃO DO POLÍTICO OU O FIM DAS GRANDES NARRATIVAS

Uma das constatações possíveis sobre o mundo do século XXI é que ele se organiza como um lugar em que as relações entre os sujeitos e sua ambiência estão permeadas por imagens e símbolos, mediando e centralizando afetos e identificações nas mais diferentes esferas da vida. Na política, a presença do

imaginário também aumenta gradativamente. Mas como essa mudança se dá a ver? Quais são as evidências que mostram que os discursos políticos antes centrados na lógica mudam de rota e tenham menos eficácia, preponderando uma forte migração para discursos baseados na busca pela identificação e pelo despertar dos afetos aproximativos entre os sujeitos e a esfera política?

Muitos são os estudos que abordam a influência dos meios de comunicação de massa (e agora os digitais) na reconfiguração da esfera política - cada novo item tecnológico forma novas maneiras de relacionamento entre os mandatários e seus eleitores. Observa-se o impacto da era do rádio no começo do século XX fazendo com que os cidadãos pudessem, milhões ao mesmo tempo, ouvir o timbre da voz e sentir a persuasão das palavras articuladas pelos políticos que disputavam sua preferência, mesmo a milhares de quilômetros de distância.

Na segunda metade do século passado, foi a vez dos aparelhos televisores passarem a compor a paisagem de grande parte dos lares brasileiros e influenciar de tal forma na arte da política (LAVAREDA, 2009; GOMES, 2007) que um dos personagens centrais das disputas eleitorais no Brasil passou a ser o marqueteiro - profissional responsável por elaborar as estratégias comunicacionais nos programas eleitorais, na formulação de discursos e não raras vezes podem ser vistos nos bastidores das entrevistas e debates dos quais os candidatos participam. O capital imagético do político passa a valer alto na disputa pelo poder, influenciando inclusive nas composições de alianças políticas.

[A imagem pública] é um conjunto de discursos (dele e sobre ele), de apresentações visuais, de atos, de configurações plásticas ou sonoras que serão decodificadas pelo público como representações, opiniões disposições afetivas, como imagem, enfim (GOMES, 2007, p. 125).

Nos fatos observados, é clara a centralidade dos artefatos tecnológicos e da intensificação da participação dos profissionais da comunicação na esfera política, mas isto, de acordo com o pensamento aqui adotado, são indicativos de uma mudança mais profunda na relação entre os políticos e a sociedade - o que Michel Maffesoli denomina por transfiguração do político na pós-modernidade. As tecnologias do imaginário operam com maestria nesses novos contextos.

A modificação dessa relação faz parte do conjunto de transformações por que a humanidade passa nos dias correntes. O capítulo anterior abordou o recente novo ciclo de ascensão do imaginário como fator de religação entre os indivíduos nas sociedades midiatizadas e, na esfera política, isso dá de forma a transformar discursos e relações humanas, trazendo a dimensão societal (isto é, agregadora e mobilizadora) do imaginário para o centro das ideias políticas. Na prática, é uma “mutação social que necessita de uma transmutação da linguagem. Assim é a pós-modernidade" (MAFFESOLI, 2012, p. 2), diz o sociólogo. A mudança da linguagem acontece também no âmbito político.

Assim é que é preciso observar as mudanças discursivas em operação neste instante. E ela se dá a ver pela saturação das grandes narrativas sobre o mundo, que estruturam um projeto de mundo a longo prazo, e pela ambiguidade discursiva.

Um dos primeiros estudos sobre essas mudanças se dá com o trabalho de François Lyotard em “A condição pós-moderna”, no qual o pesquisador francês traça o cenário das novas condições da produção de conhecimento com o advento da computadorização em escala mundial, que começava a ganhar corpo ainda nos anos 1970. Embora seja necessário pontuar que, no Brasil do século XXI, muitos desses pressupostos não fizessem (ou nem sequer ainda façam) parte da vida de milhões de maranhenses em 2014 - vivendo ainda em condições em que o analfabetismo chegava a 18,8% da população (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e que a inclusão digital não chegasse à metade das residências5. Mesmo com números acima apontando uma

necessidade de maior inclusão digital naquele momento, é certo que o público eleitor acompanhou outras mudanças no que diz respeito à relação com a política. A mesma pesquisa mostra que, em 2015, 94,5% das casas maranhenses tinham um aparelho de televisão à disposição dos moradores.

Por isso, se não se pode afirmar tratar-se de uma região de vanguarda na popularização dos mais atualizados aparelhos digitais, pode-se constatar a inserção dos meios de comunicação de massa na imensa maioria dos lares e

5 A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), feita pelo IBGE, apontou que em 2015

apenas 33% dos lares maranhenses possuíam acesso à rede mundial de computadores. Número ainda abaixo da média nacional naquele período, que correspondia a 57,8% das casas com acesso à internet. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/ma/pesquisa/44/47044.

dos meios digitais ao alcance de aproximadamente um terço da população. É através desses meios que as mudanças na relação entre o discurso político e seus consumidores será operacionalizada.

Neste sentido, e através das modernas tecnologias da comunicação, é que o imaginário e os afetos voltam ao centro dos debates públicos, ocupando o lugar que vai sendo esvaziado pela saturação do discurso baseado na lógica estrita. Na obra “A transfiguração do político”, Maffesoli aponta como um dos elementos perceptíveis dessa mudança a substituição dos grandes discursos sobre a humanidade e das sociedades programadas que se baseiam em teorias sobre os destinos da plenitude do homem e das sociedades utópicas, sobre à espera do devir, pelas tribos presenteístas da pós-modernidade. Estas buscam na relação com a política muito mais a satisfação de necessidades no aqui e agora, fruir de uma vibração conjunta diante das vitórias cotidianas e que satisfaçam a necessidade de experimentar emoções compartilhadas conjuntamente. O amahã importa menos que o hoje.

A sociedade atual tem mostrado, constantemente, um verdadeiro cansaço diante da espera por grandes projetos e promessas de um mundo melhor, que nunca chegam efetivamente (MAFFESOLI, 2016; MORIN, 2010). Para Maffesoli, esse “gozo adiado” reiteradamente abriu no corpo social a busca pela fruição no aqui e agora, cenário no qual as grandes narrativas passam a não mais mobilizar porções significativas da população. A política do devir sucumbe diante da política presenteísta, com foco no aqui e agora.

Seja à espera de um mundo em que a livre iniciativa e a igualdade de pontos de partida levem o homem e o mercado a encontrarem o ponto ótimo do liberalismo, seja em busca de uma sociedade igualitária em que não há posses individuais e em que todos contribuam para o bem comum de acordo com as suas possibilidades, do comunismo, as narrativas racionalizantes que dominaram o jogo e as estratégias políticas ao longo dos últimos 200 anos e embalaram a disputa pela hegemonia durante Guerra Fria durante a segunda metade do século XX mobilizam cada vez menos os sujeitos dessa sociedade em ebulição. No centro delas, é preciso que esteja o sentimento.

O afetual, o imaginário e a valorização do estar junto, por outro lado, mostram-se elementos fundamentais nas sociedades contemporâneas, deslocando inclusive o sentido da adesão às ideologias, que caminham para

uma visão cada vez mais identitária: a religação do indivíduo às tribos pós- modernas e seus totens. As imagens e os sentimentos perante os quais se dá a vibração comum, a vibração mobilizadora de afetos e ações.

São estes alguns dos principais pontos da transfiguração do político, que acompanha uma intensa mudança na socialidade diante de uma sociedade espetacularizada. Nos tópicos seguintes, serão aprofundados alguns dos pressupostos dessa mudança, que impactam tanto nos meios de circulação dos discursos políticos, quanto na forma e no conteúdo desses discursos, com o intuito de mobilizar a maior parte da sociedade em torno de uma ideia, de um sentimento ou de um candidato.