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Todas as mudanças acima delineadas sobre a relação entre os homens, o imaginário, o mundo político e as ideologias acontecem no seio das sociedades em que os meios de comunicação são centrais, formando a sociedade hiper- espetacularizada. Portanto, as investigações sobre as disputas eleitorais que se dão nesse novo contexto observam possíveis descompassos existentes entre as narrativas presentes nos jornais e os programas eleitorais oficiais e o sentimento comum na ambiência vivida.

Muitas disputas partidárias passam, dessa forma, a ser travadas no campo das emoções, modificando a tradicional percepção sobre o espaço de debate público como ambiente em que predomina o argumento racional. E as narrativas que se desenvolvem nesse espaço público, para que sejam capazes de mobilizar ideias e sentimentos, dificilmente chegarão a tal intento se ignorarem os sentimentos e os pensamentos comuns (MAFFESOLI, 1985; SILVA, 2012). O mundo observa uma importante mudança na organização da esfera política, que se torna lugar de reunião em torno de elementos do imaginário com a presença do lúdico, do onírico, dos afetos, da teatralidade.

Para dar início às reflexões sobre esta mudança em operação, é necessário remeter a um dos trabalhos seminais da área, “Mudança estrutural da esfera pública”, em que Jurgen Habermas expõe como se estruturou a formação da opinião pública nas sociedades modernas. A partir da esfera pública, como local de confronto de ideias, as revoluções burguesas modificam a relação entre o homem e o poder central. Entra em cena a influência da opinião pública, representada sobretudo pelas ideias em circulação nos jornais impressos que carregavam as principais polêmicas, contestações e até mesmo defesas diante dos poderes instituídos.

Essa mudança será operada no seio da esfera pública burguesa, descrita por Habermas como o lugar da troca pública de razão e tendo como consequência a influência do poder decisório e o questionamento do poder despótico: “A tarefa política da esfera pública burguesa é a regulamentação da sociedade civil” (HABERMAS, 2003, p. 69), tornando-se a expressão da opinião pública naquele contexto. Ela significava uma mudança no fundamento das decisões sobre o mundo, em que o poder monárquico e concedido pelo poder divino era substituído pelo poder instituído a partir da troca de argumentos racionais e defensáveis publicamente, no início da republicanização das dezenas de nações.

Sua decadência ocorreria à medida em que o poder do capital privado passava a ganhar importância, admitindo que interesses privados se sobrepusessem ao interesse público, seja na tomada de decisão, seja na circulação das informações e opiniões. Os jornais, outrora nascidos como ambiente do embate de ideias, passava a ser defensor de interesses dos donos ou financiadores dos negócios da empresa jornalística.

As reflexões aqui interpostas apontam para um aprofundamento do problema diagnosticado pelo pensamento habermasiano. Com a condição pós- moderna modificando o modo de produção de conhecimento e também das decisões políticas ao redor do mundo, ela faz com que nasçam novas experiências na formação da opinião pública nas sociedades do espetáculo. Maffesoli (2010, 2016) apontará para uma importante atualização necessária a estas reflexões: a opinião pública não pode mais ser confundida com a opinião publicada.

Fazer esta diferenciação será necessário para entender por que, mesmo em cenários onde há concentração midiática nas mãos de agentes políticos, é possível que homens e mulheres comuns se neguem a agir em conformidade com opinião emitida pela imensa maioria dos jornalistas e outros atores sociais que possuem espaço nos meios de comunicação.

Para Maffesoli (2016, p. 80), tal descompasso é bastante comum atualmente, posto que há, por parte dos intelectuais (categoria nas quais inclui os estudiosos, os políticos, os especialistas e também os jornalistas), uma tendência a dizer ao mundo como tudo deve ser, esquecendo-se de tentar compreender o mundo tal como ele é. Isto é, deve-se buscar na observação da

vida em sociedade os fundamentos dos fatores que realmente mobilizam os sujeitos, o fundamento do estar-junto, do elo entre os indivíduos e o que os faz moverem-se num mesmo sentido juntos.

Assim, as opiniões publicadas pelos jornais e outros meios de difusão de conhecimento podem ser emitidas a partir de pontos de vista muito próprios a um círculo fechado de pessoas e que, não raro, está a uma enorme distância do conhecimento elaborado na vida cotidiana na grande maioria das pessoas. A opinião publicada muitas vezes não reflete outras opiniões mais amplas, que circulam silenciosamente no cotidiano das massas. O autor chama a atenção para esta diferenciação necessária para compreender as mudanças na ambiência pós-moderna:

Especialmente em nossa época, confundimos opinião pública com opinião publicada. A publicada é realmente uma opinião, mas pretende ser um saber, uma expertise ou até mesmo uma ciência, enquanto a pública tem consciência de sua fragilidade, da sua versatilidade, logo da sua humanidade. Seria isso que Maquiavel chamava ‘o pensamento da praça pública’? (MAFFESOLI, 2010, p. 10).

Já a opinião pública teria nesta perspectiva um significado mais abrangente. Ela é a opinião que se forma silenciosamente nas comunidades da pós-modernidade, trazendo consigo toda a importância já descrita de elementos como o imaginário, a experiência cotidiana e os fatores lúdicos que a ela possam se agregar. São componentes que juntos geram efervescência de sentimentos e ideias, levando à ação (no caso em tela, em ações com resultados políticos). A opinião pública da pós-modernidade já não se dá apenas considerando os fatores objetivos e a troca de argumentos racionais expostos publicamente, como ocorrera na consolidação da esfera pública burguesa descrita e atualizada por Habermas.

Nas decisões políticas, o afetual, o ambiente específico no qual um grupo de pessoas compartilha emoções e preferências (MAFFESOLI, 2010, p. 22) também ganha importância. A política tradicional, se não atualizada aos rituais deste contexto, perde em capacidade de agregação e mobilização, em uma palavra, perde em capacidade de convencimento. Há grande possibilidade de perda, portanto, nas urnas, seu objetivo principal.

A teatralização - ou seja, a adoção de caracteres imaginais pelo mundo político - será necessária para a articulação entre o terreno árido da política e as necessidades de ludicidade da vida contemporânea (MAFFESOLI, 2010, p. 36). A forma de emitir a opinião no mundo do espetáculo precisa estar em consonância com a cola do social em vigor. Para além do conteúdo, também a forma precisa fazer sentido, corresponder ao imaginário vigente, cimentar-se no social.

Assim é que a opinião publicada nas páginas dos jornais (ou emitidas pelos meios de comunicação tradicionais e digitais) não mais funciona como sinônimo de opinião pública. As duas podem estar ou não em harmonia. É possível que a opinião pública não ceda aos diferentes apelos vindos da opinião reiteradamente publicada. É possível relativizar e até mesmo contestar a ideia de manipulação da mídia diante de um público dependente dos emissores. O poder de manipulação dos grandes emissores é colocado em xeque por esses momentos de ruptura.

Trata-se de casos emblemáticos sobre a autonomia da opinião pública que ilustra que "longe de ser manipulada, a massa determina-se por conta própria. Ou, ao menos, segue modas que não obedecem somente aos simples cálculos racionais e preditivos de autoridades dominadoras" (MAFFESOLI, 2005, p. 89). De nada adiantando, portanto, que haja eficiência na teatralização e na forma, se o conteúdo nada significar diante do público.

3.5 DECISÕES ESPETACULARIZADAS - IMAGINÁRIO, MÍDIA E OPINIÃO