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Parte-se agora para as reflexões sobre a mudança que é fruto das transfigurações do político, da ambivalência das relações em torno da ideologia e da prevalência do imaginário no mundo político das sociedades espetacularizadas. Todo o caminho unindo teoria e observação do cotidiano, feito nas páginas anteriores, leva a consolidar a visão aqui exposta sobre os modos pelos quais a proeminência do espetáculo vem substituindo a centralidade das narrativas políticas baseadas em premissas estritamente lógico-racionalistas.

A mudança na formação da opinião pública, que pode muitas vezes ignorar a opinião publicada pela mídia tradicional, também acompanha essa transformação no espírito do tempo, importando aos pesquisadores do imaginário político estarem atentos às paixões comuns. Isto abrirá portas para compreender alguns paradoxos aparentes que sobrevêm importantes reflexões que nortearam os estudos da política durante muito tempo.

Como explicar, por exemplo, que massas de eleitores desconsiderem as narrativas da opinião publicada, que alertam para perigos iminentes em algumas disputas pelo voto? Ou de que forma é possível compreender por que estratégias baseadas em argumentos convincentes, ou que tentem dialogar com imaginários historicamente conhecidos em uma dada sociedade, simplesmente deixem de fazer sentido e, portanto, percam efeito agregador? Deve-se por isso refletir de que modo as transfigurações da relação sujeito - política - sujeitos em sociedade podem impactar no desenrolar das disputas eleitorais.

Muito além da transposição dos discursos políticos das ruas e dos palanques em praças para os palanques da radiodifusão, das ondas de TV ou das mídias digitais, a esfera do político (assim como outras dimensões da vida contemporânea) incorpora paulatinamente a suas construções narrativas de fórmulas e discursos os usos da dinâmica do espetáculo, carregando-se de imagens, de símbolos, de referências mitológicas e de elementos que dialoguem com a busca pelo lúdico - característica dos tempos atuais.

A partir das discussões aqui empreendidas, é possível constatar uma profunda mudança no lugar da política tradicional, das narrativas sobre o mundo do poder e, sobretudo, na relação entre os indivíduos e as ideologias. A sociedade espetacularizada adere às fórmulas de tributo às imagens, aos afetos e ao imaginário para tentar estabelecer relações na esfera política.

No entanto, mesmo que o espetáculo aconteça com imagens que mediam a relação entre as pessoas, nem todo imaginário e nem toda imagem são fatores de agregação e mobilização, estando sujeitos ao espírito do tempo e às condições socioculturais em que são utilizadas. Repise-se, dependem de estar em consonância com o espírito do tempo para funcionar.

Novamente, está-se diante do reforço da impossibilidade da fabricação / ativação dos imaginários por meio de “laboratórios”. Isto é, por meio de um ímpeto manipulador de mentes e sentimentos produzidos por profissionais da

comunicação, conforme defendido pela linha de estudos do imaginário referida no capítulo anterior. A menos que haja, por outro lado, fator de intersecção entre a vontade desses profissionais e os elementos que embalam a socialidade entre as pessoas na sociedade em questão.

As premissas aqui aprofundadas permitem compreender ainda um deslocamento da dimensão ideológica na sociedade contemporânea: se outrora ela se baseava em uma construção racional sobre o futuro da humanidade, sempre distante e uma busca nunca usufruída pelos sujeitos, atualmente as ideologias políticas passam a ser o lugar das identificações sucessivas entre indivíduos. Estes não mais lidam com as ideologias enquanto adesões permanentes e totais, senão com relações mais brandas e instáveis - interferindo na construção das maiorias eleitorais no seio das sociedades pós-modernas.

Nesse ínterim, o predomínio do racional contido nas adesões ideológicas dá lugar ao imaginal, ao sensível. As identidades estanques e quase imutáveis (como definir-se como um liberal ou um comunista), dão lugar às identificações sucessivas - em que os sujeitos colocam em primeiro plano aquilo que lhe aproxima dos líderes e dos símbolos que eles dinamizam ao seu redor, naquele momento em específico.

Assim é que também a formulação da ideia de opinião pública pode estar se dissociando a passos largos de uma opinião publicada pelos intelectuais e jornalistas. Estes apostam no poder de convencimento a partir de artigos publicados em jornais de grande circulação ou de informações veiculadas por canais de TV e rádio. No entanto, a opinião publicada muitas vezes distancia-se da verdadeira opinião pública que se encontra no cotidiano dos sujeitos contemporâneos.

Como pontuou Maffesoli (2016), esse descompasso é grávido de significados que apontam para que mesmo com uma ferrenha oposição da mídia tradicional a determinados candidatos a governante, estes caiam nas graças dos eleitores que fazem ouvidos moucos aos discursos baseados em argumentos que desprezem o centro das decisões políticas nos dias de hoje: as identificações sucessivas entre eleitor e imaginário político, transformar as expectativas de um futuro promissor em fruição aqui e agora.

Todas essas mudanças experimentadas vão trazer ao centro das escolhas das preferências políticas os elementos acima listados. São eles que,

na sociedade do espetáculo, serão os formadores da opinião pública já delineada. O imaginário e sua dinâmica de socialidade ocupa o centro do debate público. E, como já foi visto, ele rejeita o falseamento por só fazer sentido quando está com os pés fincados no vivido e no cotidiano.

4 O IMAGINÁRIO COMUNISTA NA MÍDIA BRASILEIRA

Nas sociedades hiper-espetacularizadas, as corridas eleitorais da disputa pelo comando do poder estatal não ficam de fora do espaço midiático em que se desenrolam os principais temas e tramas do mundo pós-moderno. Nesse espaço privilegiado, onde são produzidos e circulam grande parte dos imaginários na contemporaneidade, as ideologias ganham nova roupagem, tornando-se mais dinâmicas, adaptáveis e com privilégio do aspecto afetual compartilhado (MAFFESOLI, 1985, 2005).

Este capítulo aproxima-se mais do objeto empírico ao investigar a relação entre a mídia, a política e os imaginários. Nas expressões midiáticas durante as eleições abarcadas por este trabalho, interessa desvelar os discursos jornalísticos, propagandísticos e partidários sobre uma ideologia e, nas palavras de Silva (2003, 2017a) fazê-los falar para que possam contar ao pesquisador do cotidiano o que pode estar oculto nesse excedente de significado que é o imaginário.

No caminho reflexivo trilhado, será necessário dar conta das origens do imaginário sobre o comunismo no Brasil, realizando um breve memorial da palavra “comunismo” e seus derivados, bem como dos afetos que historicamente se aglutinaram em seu entorno neste país. Em seguida, será o momento de aproximar a ideia anteriormente debatida de identificações passionais e passageiras com as ideologias na pós-modernidade e seu consequente atrelamento à dinâmica do espetáculo (DEBORD, 2002).