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4.1 POR QUE IMAGINÁRIO COMUNISTA?

4.1.2 Raízes socioculturais do anticomunismo no Brasil

Discutindo as raízes do imaginário político sobre o comunismo no Brasil, Motta (2000) apresenta três fatores como suas principais matrizes ideológicas: o nacionalismo, o catolicismo e o liberalismo. Perpassar essa composição social, cultural e histórica brasileira auxilia a desvelar o trajeto antropológico do imaginário político no Brasil no que concerne ao fenômeno estudado. Afinal, como foi salientado no pensamento de Bobbio, a negativização afetual da ideologia ou o fenômeno do anticomunismo deu-se de maneiras diversas em cada país. Aqui, interessa as raízes do caso brasileiro.

Antes de iniciar essa breve contextualização das raízes mais consistentes da negativização da dimensão ideológica do comunismo no Brasil, deve-se referenciar que ela não se deu apenas no campo da oposição política e conservadora.

Houve e há também, embora minoritário, o anticomunismo vindo da oposição à esquerda, destacando-se a oposição sobre a influência nos movimentos sindicais e operários (caso do Partido Trabalhista Brasileiro que disputou as bases trabalhadoras com o PCB no século XX), na crítica às alianças partidárias ou na oposição ao programa imperialista soviético. É momento de passar, portanto, às três maiores influências da oposição política e afetual à ideologia comunista que pode ser resumida pelo lema integralista “Deus, Pátria e Liberdade”, embora tal síntese não seja de modo algum exclusivista.

Fenômeno observado mundialmente durante o século XX, o nacionalismo entendido nesta abordagem como um fenômeno político que enxerga a nação como o povo e o território brasileiros, elementos indissociáveis e puros, marcou também o espaço político do Brasil. Motta (2000, p. 50) revela que, aqui, ele apresentou aspecto conservador apostando na defesa de lemas como a ordem, a integração, a centralização e contra as forças consideradas propagadoras da "desordem". Essa visão de mundo costumava, segundo Motta (2000, p. 51), rechaçar as ideias marxianas de internacionalismo da classe trabalhadora e do discurso proveniente da Rússia em favor da "pátria soviética" enquanto a verdadeira nação dos trabalhadores, por exemplo. O que, seguindo essa visão, tornava os adeptos da ideologia comunista grandes traidores da pátria.

Neste sentido, os comunistas seriam elementos “deletérios”, pois instigavam a divisão e a própria destruição do “corpo” nacional, à medida que insuflavam o ódio entre as classes. (…) A atuação política dos comunistas era execrada, pois eles incentivavam a divisão ao enfatizarem as lutas opondo os grupos sociais. A nação, na concepção organicista dos conservadores, deveria ser preservada em sua integridade (MOTTA, 2000, p. 50).

Por outro lado, o nacionalismo apregoado pela força política comunista que foi marcada na América Latina pela denúncia do imperialismo europeu e norte-americano era considerado "falso ou de fachada", servindo para enganar os verdadeiros defensores do Brasil. Os riscos trazidos, além da submissão da nação aos interesses de Moscou, estariam também na profanação de símbolos como a bandeira e, ao sabor do momento político, "sendo muito apreciada pelo governo" (MOTTA, 2000, p. 57), pois ajudava a formar um clima favorável à

edição de medidas excepcionais em nome do combate ao inimigo de fora, a força alienígena, representada pelo comunismo.

As raízes liberais do anticomunismo brasileiro são o segundo. Para Motta (2000), a origem não do anticomunismo brasileiro não está no liberalismo clássico do século XIX ou na liberal-democracia que inspirou os regimes democráticos do século XX. Aqui, a inspiração estaria mormente associada aos aspectos autoritários que acompanharam o desenvolvimento do país desde o fim do período imperial. Sobretudo no século XX, o país teve variadas e prolongadas "pausas democráticas", a exemplo do Estado Novo getulista (1937- 1945) e da Ditadura Militar (1964-1984).

Isso se refletia nos discursos e nas nomenclaturas dadas aos anticomunistas, que eram considerados democratas pelo simples fato de se oporem ao regime soviético. Sem, no entanto, defender os valores da liberdade política e econômica que baseiam o pensamento liberal. Analisando discursos políticos, páginas de jornais, livros e panfletos que circularam nos dois períodos de maior intensificação do anticomunismo no Brasil, o autor da tese conclui:

A democracia que tão sofregamente se pretendia proteger não tinha conteúdo, seu sentido era vago. Não se tratava de afirmar a participação popular em contraposição ao autoritarismo, mas de opor a ordem à “ameaça revolucionária”. No fundo, democrata significava simplesmente o oposto de comunista, quer dizer, anticomunista, o que era uma licenciosidade conceitual muito conveniente, pois permitia usar o simpático adjetivo para designar grupos que nada tinham de democráticos (MOTTA, 2000, p. 63).

Ele alerta ainda para os aspectos internacionais que influenciaram a aproximação frágil do liberalismo à brasileira e o combate à ideologia comunista. O alinhamento ao bloco capitaneado pelos Estados Unidos, país de tradição liberal e democrática, foi aspecto fundamental para uma automática equiparação entre o anticomunismo e a defesa dos valores democráticos, embora tenha sido visto que esse igualamento não se reproduzia na prática, vendo surgir de seu seio medidas autoritárias de governo e grupos paramilitares.

A esse aspecto deve ser acrescido também o interesse relatado por Larangeira (2014) e Silva (2016) de intervenção estadunidense na política interna dos países latino-americanos, notadamente no Brasil, resultando em intervenções militares baseadas na premissa discursiva que reivindicava a

defesa contra o “perigo vermelho”. Motta advoga ainda que o engajamento das classes empresariais sempre foi reclamado pela mídia, por representantes das Forças Armadas e pelo clero ligado ao combate contra os comunistas como sendo incipiente. Embora tenham sido pilar do tripé, inclusive financiador da política de combate ideológico, o empresariado foi instado em público a participar mais ativamente e a reconhecer os perigos nascidos da “infiltração comunista” nos interesses nacionais. Suas demonstrações de rechaçamento não eram suficientes para os setores amis exaltados pela guerra ideológica.

A terceira raiz do anticomunismo no Brasil encontra fundamento nos aspectos religiosos, sobretudo o forte catolicismo. Visto como uma ameaça aos valores cristãos por grande parte da Igreja, o comunismo viu crescer a apreensão contra si à medida em que a expressividade eleitoral do PCB se alargava. Ao mesmo tempo, as lideranças partidárias procuravam dissociar-se da pecha do ateísmo para vencer as resistências do eleitorado - contexto que levou clérigos a reagirem com a divulgação de textos, livros e cartilhas que tentavam revelar as hipotéticas incoerências dessa posição. As discordâncias giravam em torno também de setores progressistas dentro da própria Igreja, segundo argumentos que revelavam que a maioria não poderia

partilhar dos ideais de reformismo social; segundo, porque a esquerda católica descuidava do combate ao comunismo, priorizando a luta pelas reformas. A reação foi dura. O crescimento do “progressismo” em setores do clero e do laicato foi apresentado como resultado da mais recente ofensiva de Moscou, que pretendia dividir e enfraquecer a Igreja. A denúncia desta suposta infiltração comunista no seio da fortaleza católica foi muito recorrente nos anos 60, 70 e 80, o que de certo facilitava o trabalho repressor do Estado, já que se trataria de comunistas travestidos e não verdadeiros militantes católicos (MOTTA, 2000, p. 43).

As notícias oriundas da URSS também não eram animadoras para os religiosos, visto que nos primeiros anos do regime bolcheviques, de fato, ocorreram e foram noticiados desfiles populares contra a Igreja Ortodoxa, majoritária naquele país, e, como será visto adiante, o questionamento de tradições familiares, da doutrina básica religiosa e dos costumes morais validados pelo credo católico. A este argumento, unia-se a ideia de perseguição ao cristianismo, historicamente embasado por eventos remontados à proibição de seus rituais pelo Império Romano ou pelo questionamento profundo da

Reforma Protestante, por exemplo. O comunismo seria, nesse sentido, mais um inimigo a combater na longa história dos seguidores da fé do Vaticano.

Os estudos de Pereira (2010) sobre a produção jornalística e cultural em São Luís sobre o comunismo mostram que o Maranhão, estado base para esta pesquisa, não passou imune a esses eventos sociais, históricos e culturais observados nos demais estados. Os mesmos ingredientes puderam ser vistos em seu estudo, que analisou jornais e panfletos.

Observando esse cenário propício a um ambiente belicoso quanto a ideologia comunista no Brasil, é possível agora passar ao detalhamento das expressões do imaginário sobre o comunismo no Brasil. Sobretudo a que remete ao "combate ao perigo vermelho", amplamente majoritário nas tecnologias do imaginário que circularam no Brasil ao longo do século XX, com relíquias encontradas até mesmo na segundo metade do século XIX, como na história da abolição da escravatura. Esses traços foram observados por pesquisadores da História, da Sociologia ou da Comunicação, e serão esmiuçados nas páginas seguintes.