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A transformação na roupagem do juiz cartesiano e o princípio da proporcionalidade: realidade ou

3. A CONSTITUIÇÃO E O NEOCONSTITUCIONALISMO: DA REGRA AO PRINCÍPIO

3.10 A transformação na roupagem do juiz cartesiano e o princípio da proporcionalidade: realidade ou

seus representantes?

É cognoscível, nas democracias contemporâneas e em constante ebulição fática de acontecimentos, a transformação do pensamento cartesiano de juízes subsuntivos para um patamar diferenciado e formado pelas seguintes características: atuação proativa do Poder Judiciário, hermenêutica constitucional visando o surgimento e a garantia de direitos, a presença do ―legislador positivo‖, a constitucionalização de direitos em razão de um texto constitucional analítico e detalhista, a necessidade de imiscuir-se elementos formais e materiais do direito, o aumento dos direitos fundamentais, a organização da sociedade civil, e a globalização exacerbada do acesso à justiça.

Outrossim, diante da crise acometida aos Poderes Legislativo e Executivo, a sociedade passou a depositar no Poder Judiciário todas ―as fichas‖ para a solução das suas carências e dos seus anseios, daí vê o juiz como um ―salvador da pátria‖, como um referencial de autoridade acerca de questões, anteriormente, ancoradas pelos poderes eleitos (MAUS, 2000).

Pode-se destacar a filosofia de Dworkin (2002)52 no momento em que equipara um juiz à figura mitológica de Hércules, o semideus de força comum, daí

palavras na afirmação de direitos, mas pouco podem fazer quanto à sua efectiva garantia se os princípios da própria ordem constitucional não forem os de um verdadeiro Estado de direito. Isto conduz-nos a olhar noutra direção: a dos princípios, bens e valores informadores e conformadores da juridicidade estatal.‖ (CANOTILHO, 2000, p. 20).

52 Diz Dworkin: ―Podemos, portanto, examinar de que modo um juiz filósofo poderia desenvolver, nos casos apropriados, teorias sobre aquilo que a intenção legislativa e os princípios jurídicos requerem. Descobriremos que ele formula essas teorias da mesma maneira que um árbitro filósofo construiria as características de um jogo. Para esse fim, eu inventei um jurista de capacidade, sabedoria, paciência e sagacidade sobre-humanas, a quem chamarei de Hércules. Eu suponho que Hércules seja juiz de alguma jurisdição norte-americana representativa. Considero que ele aceita as principais regras não controversas que constituem e regem o direito em sua jurisdição. Em outras palavra, ele aceita que as leis têm o poder geral de criar e extinguir direitos jurídicos, e que os juízes têm o dever geral de

uma decisão judicial possuirá certeza, segurança, moralidade, e justiça, ou seja, caracterizar-se-á em casos difíceis e lacunosos e, por sua vez, o julgador, diante de um conflito aparente de princípios, apresentará as ―respostas judiciais certas‖ que não devem ser entendidas com a correta no plano global do que seja direito, mas que, naquele instante, é a mais aceitável.

A situação é bastante delicada, a uma, por que o magistrado, mesmo exercendo a jurisdição constitucional, caso não atenda aos anseios sociais será responsável por todas as mazelas postas que, na origem, é da competência dos poderes políticos tradicionais; a duas, por que em o magistrado assegurando a satisfação popular será ―acusado‖ de ter cometido ingerência indevida nos demais poderes, com a diminuição do espaço de ação do legislador e do executor democraticamente eleitos.

Isso ocorre, na maioria dos casos, em virtude de ponderações díspares, principalmente entre legisladores e julgadores, bem com a agravante de não haver mais a possibilidade de outro controle sobre a última palavra que é ponderada por concepções subjetivas e não objetivas pela instância judicial (PULIDO, 2007, p. 196- 199).

É preciso então fazer a pergunta criada pelo jurista norte-americano Waldron (2006, p. 1348): ―os juízes devem ter a autoridade para derrubar legislação quando eles estão convencidos que ela viola direitos individuais?‖ Para o autor, em uma sociedade livre e democrática, é inconcebível que haja uma interferência, uma revisão da legislação pelo julgador, eis que o processo legislativo é capaz de resguardar os direitos das minorias, não tendo que se falar na figura da ―opressão das maiorias.‖

Em alguns países, por exemplo, a legislação reconhece o direito ao casamento entre casais do mesmo sexo, descriminaliza o aborto e o uso da maconha, veda a pena de morte e de caráter perpétuo, etc.. Entretanto, em outras nações, o legislativo é omisso sobre as mesmas matérias, e diante da instabilidade social causada o judiciário é instigado a regulamentar assuntos políticos com argumentação jurídica.

O raciocínio acima é compreensível em um mundo ideal em que as instituições representativas democráticas resolvem os desacordos políticos, também seguir as decisões anteriores de seu tribunal ou dos tribunais superiores cujo fundamento racional (rationale), como dizem os juristas, aplica-se ao caso em juízo.‖ (DWORKIN, 2002, p. 165).

jurídicos, relacionados a direitos fundamentais53, e de forma comprometida com o interesse de todos. Apesar dessa constatação, não é fácil concluir, fora a previsão constitucional, ser o Poder Judiciário, diante dessa situação, o legitimado irretocável para solucionar tais desacordos.

Nas regulamentações e restrições de direitos sociais pelo legislador é possível, por exemplo, que um Tribunal Constitucional ou uma Suprema Corte possuam mecanismos que constatem lesões a esses direitos, ou, como afirmado por Waldron (2006), o desacordo será definido pelo legislador.

Antes de penetrar nas figuras do ativismo judicial e da judicialização da política é preciso clarificar que, diante de uma afetação legiferante de direitos sociais em tempo de crise econômica, quem deve resolver os conflitos entre direitos fundamentais, fique bem claro, é o legislador mediante a ponderação. Contudo, nada obsta, para alguns, que a jurisdição constitucional utilize-se do princípio da proporcionalidade como elemento medidor do raciocínio ponderativo54.

O princípio da proporcionalidade em sentido amplo ou proibição do excesso, nascido na Alemanha, após a segunda guerra mundial, mesmo sem previsão constitucional, foi desenvolvido pelo Tribunal Constitucional Alemão como princípio de estado de direito. Assim, os atos dos poderes públicos não poderiam ser ilimitados na elaboração das leis, mutatis mutandis, como no Estado Absolutista (CANOTILHO, 2000, 268).

Assim sendo, o princípio da proporcionalidade deve ser visto sob dois aspectos, o primeiro em uma visão garantista negativa, tomando por base a proteção contra os abusos estatais, o segundo na perspectiva de um garantismo positivo, no caso de o Estado deixar de proteger de maneira suficiente os direitos fundamentais (STRECK, 2005, p. 179).

Nota-se a necessidade bifásica da proporcionalidade, coibindo os excessos e protegendo as consequências de uma inação em relação aos direitos fundamentais. É o Estado injustificadamente não assegurando direitos essenciais básicos, ou restringindo diretos sociais em tempo de crise econômica.

A ausência ou a ineficiência, verbis gratia, de assistência médica, de medicação, de estrutura hospitalar e prisional adequadas, como também a

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Para Novais os direitos fundamentais possuem ―uma reserve geral de ponderação‖, dái podem sofrer limitações, no caso concreto, face a outros direitos fundamentais. (NOVAIS, 2006, p. 49-50). 54Diz Novais: ―a ponderação de bens que também ocorre no controlo de proporcionalidade de uma restrição é uma ponderação atípica.‖ (NOVAIS, 2004, p. 180).

constatação do parcelamento salarial de servidores públicos no argumento do interesse de toda a coletividade são geradoras de uma situação deficitária e excessiva do Estado, o que, como ensina Canotilho (2000, p. 273), há um defeito de proteção.

Nesse diapasão, a jurisdição constitucional precisará detectar, através do princípio da proporcionalidade, possíveis abusos ou restrições indevidas a direitos fundamentais não absolutos e ponderados pelo legislador, caso contrário será inefetiva.

O princípio da proteção deficiente tem sua origem no direito penal diante da falta ou diminuta punição em bens jurídicos relevantes, todavia, neste caso, analogicamente, será aplicado aos direitos sociais em tempo de crise econômica, quando de uma omissão ou de uma conduta sem proporcionalidade do poder público.

É o que decidiu, no Brasil, o Supremo Tribunal Federal (STF) na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF nº 45-9 em relação à proposição legislativa que se converteu na Lei nº 10.707/2003, Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), destinada a fixar as diretrizes pertinentes à elaboração da lei orçamentária anual do ano de 2004. O autor da presente ação constitucional sustentou desrespeito a preceito fundamental decorrente da EC nº 29/2000 que foi promulgada para garantir recursos financeiros mínimos a serem aplicados nas ações e serviços públicos de saúde.

A decisão da ADPF nº 45-9 fez menção à expressão ―alvos prioritários dos gastos públicos‖, ou seja, posteriormente ao atingir o que é essencial, o Estado atuará em outras áreas. Surge o questionamento: É proporcional, em países em desenvolvimento, gastar milhões de reais em propaganda de governo, em carros oficiais para autoridades, em obras faraônicas (estádios superfaturados para a copa do mundo, e às olimpíadas), e, por conseguinte, argumentar a falta de recursos públicos para manutenção e estruturação de hospitais, universidade e vencimentos de servidores?

A resposta é negativa, diante da inobservância do princípio da proporcionalidade nos dois aspectos: excesso e proteção deficiente. Neste caso específico, a separação de poderes não impede que o judiciário, diante da harmonização dos poderes, intervenha.

3.11 A crise econômica e o princípio da proporcionalidade. A quem cabe

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