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As legitimidades da jurisdição constitucional e as dimensões do ativismo judicial

5. O RAIO “X” DO ATIVISMO JUDICIAL

5.5 As legitimidades da jurisdição constitucional e as dimensões do ativismo judicial

Delineou-se que a atuação judicial é pautada em um ângulo de criação e que, na atualidade, essa constatação encontra-se ampliada, sobretudo, em virtude das normas constitucionais e leis infraconstitucionais abertas. É uma modificação dinâmica da vida em sociedade e os seus anseios pela normatização dos acontecimentos, mais os elementos valorativos inseridos nos sistemas constitucionais da atualidade, tendo acarretado o instituto do ativismo judicial com uma análise direcionada aos aspectos políticos inerentes à sociedade, sem perder de vista os limites da legitimidade de atuação da justiça através das decisões e a vontade da população (AGRA, 2003).

Uma das críticas ao ativismo judicial, no Brasil, ao Supremo Tribunal Federal, o que pode se estender a outros Tribunais Constitucionais e Supremas Cortes reside na pouca discussão da matéria entre os seus integrantes, sendo as decisões, primeiramente, tomadas de maneira individualizada e posteriormente discutidas no plenário, mas como se nota, antes mesmo dos ministros deliberarem, isoladamente, já decidiram e dificilmente mudará no colegiado sua posição.

Nesta situação, a legitimidade democrática do órgão judicial/constitucional é capenga, sem vitalidade, daí para mudar a realidade é importante a criação de um

128 Art. 102. ―Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: [...].‖

modelo trifásico de decisão (MENDES, 2012, p. 59) pela corte com um formato deliberativo, ou seja, uma interlocução entre o judiciário e a sociedade; entre os próprios julgadores; e, ao final, o julgamento escrito deliberativo.

Na jurisdição constitucional é preciso averiguar, até para um escorreito cumprimento do que seja democracia, a sua estrutura de legitimidade para ver o alcance do ativismo judicial. A legitimidade objetiva ou de função é a atribuição das instituições respectivas ligadas aos fins para as quais foram criadas. A legitimidade de origem é relacionada à forma de composição e investidura dos membros em seus cargos. A legitimidade de exercício é como o órgão competente atua e de que maneira utiliza seus procedimentos (VILLALÓN, 1995, p. 86).

Neste momento, ater-se-á à legitimidade objetiva referente à função desempenhada, o funcionamento adequado ou não dos diferentes órgãos e, por conclusão, de distintos centros de poder. Assim, o Poder Legislativo deverá expressar a vontade de todos os componentes da sociedade, o Poder Executivo deverá executar as normas promulgadas pelo Poder Legislativo, e o Poder Judiciário interpretará e aplicará o direito, com o escopo de que todos possam contribuir para o devido funcionamento de uma democracia

Até, aqui, não existe nenhuma novidade, porém é preciso vislumbrar que a Suprema Corte ou o Tribunal Constitucional pelo controle de constitucionalidade em abstrato, ou um juiz singular, este, no caso do controle difuso, poderão, no exercício da legitimidade objetiva, assegurar a efetivação da supremacia da Constituição em favor da democracia.

Na visão de Zaffaroni (1995) a legitimidade objetiva ou de função é de grande serviço para que haja sequência e segurança em um Estado Democrático de Direito ou em uma democracia constitucional, sendo condição urgente a figura de um órgão legitimado e competente, com capacidade de fiscalizar as previsões constitucionais. Existe um rol de direitos fundamentais que caminha com o conceito de democracia em verdadeira obrigação propter rem e, por logicidade, devem ser assegurados.

O que se pode discutir é a quantidade excessiva de direitos fundamentais fixados pelo constituinte em determinadas Constituições, como a brasileira, diminuindo sensivelmente a atuação do legislador ordinário, mas que esses direitos precisam ser resguardados não há discussão.

encarregados de exercerem a jurisdição constitucional, tema já estudado, mas com grandes reflexos na legitimidade ou não de uma interpretação judicial, no momento em que se deve discutir qual a melhor maneira de ingressar, permanecer e sair de um Tribunal Constitucional ou de uma Suprema Corte. É preferível o mandato previamente determinado ou a vitaliciedade, a título de respeito à democracia? (VILALLÓN, 1995, p. 87-88).

Na legitimidade de exercício a decisão judicial precisa seguir os procedimentos jurídicos, com base na vontade normativa da Constituição e mais: fundamentação, argumentação e racionalização, como antes alinhavado. É inadmissível a posição doutrinária daqueles que dizem que a escolha política da casa legislativa ou a escolha executiva de políticas públicas, por parte de Prefeitos, Governadores e Presidente da República não careçam das mesmas atenções de uma decisão judicial, pois todos os poderes devem obediência à Lei Maior. Obviamente, o formato e a semântica de uma decisão judicial é diferente de um voto proferido por um parlamentar sobre determinada matéria de relevo, ou do modo da escolha de uma política pública pelo gestor, todavia, todos, não podem afastar-se da norma constitucional.

Perfunctoriamente, o ativismo judicial é dividido pela doutrina em dois gêneros: o em sentido forte, hard activism, e o em sentido fraco, soft activism. No primeiro existe a prevalência de argumentos políticos, filosóficos, sociológicos ou econômicos sem a mediação de norma legal ou constitucional. Na segunda espécie há a força imperativa de argumentos propriamente legais ou nas fontes formais do direito, é a atividade judicial recorrendo à Constituição, ao legislador ordinário, ou ao Poder Executivo.

O criativismo judicial, nas palavras de Urbano, pode se manifestar através das seguintes formas: ―[...] (1) ―criativismo‖ tradicional, ortodoxo ou soft; (2) ―criativismo‖ borderline; (3) ―criativismo‖ patológico, heterodoxo ou hard (URBANO, 1976, p. 20, 21).

No ―criativismo‖ tradicional, através do controle de constitucionalidade, não sendo vinculado à aplicação subsuntiva das normas está relacionado ao juiz- legislador negativo de Kelsen que, mesmo assim, estaria a criar um direito, no instante em que declara a inconstitucionalidade, pois automaticamente institui uma lei de sinal trocado.

No direito estadunidense, como a judicial review, este tipo de criativismo possui outro alcance, isto é, haverá uma tensão não necessariamente entre os Poderes Judiciário e Legislativo, mas dentro do próprio Poder Judiciário. Explica-se: um possível conflito, com o controle de constitucionalidade, entre Tribunais Constitucionais e a Suprema Corte com o juiz-legislador em razão do controle difuso.

Nada impede, ainda, que se encaixe nesse modelo de ―criativismo‖ judicial o princípio da interpretação conforme a constituição em que não haverá redução de texto, todavia o judiciário dirá quais as interpretações que são constitucionais acerca das normas.

No ―criativismo‖ borderline o magistrado situa-se na zona fronteiriça entre a declaração ou não de inconstitucionalidade, traçando uma linha de orientação a ser seguida pelo legislador que, por sua vez, elaborará outra norma de acordo com o determinado na decisão judicial. Neste caso, há a necessidade de respeito entre a discricionariedade do legislador ordinário e a supremacia da constituição. Ora, tecnicamente, não é o julgador diretamente ―criando‖ a norma, mas que, na prática, dá no mesmo, isso porque a novel legislação precisa atender ao que fora determinado em sede de decisão judicial.

As duas primeiras formas de ativismos judiciais, com algumas restrições de poucos, são aceitas. A situação mais complicada de harmonizar é no campo do ―criativismo‖ patológico, pois a atuação judicial é incisiva, no momento que o juiz cria a norma em virtude do vazio deixado pelo legislador ou valendo-se de princípios constitucionais abstratos produz um novo direito. É a figura do juiz positivo que não se contenta, somente, a retirar uma norma do sistema ou a influenciar a atuação legiferante, acarretando um impasse de competência.

Para uma parte da doutrina esse ―ativismo‖ judicial mais forte nem sempre é vislumbrado como algo negativo, por terem os magistrados, caso provocados, a iniciativa para decidirem as matérias inseridas nesse tipo de ativismo. Desse modo, não estariam a governar por ausência de iniciativa, e sim criariam o direito pela exigência constitucional.

De maneira mais singela, o povo, através dos constituintes, entendeu que os juízes devem resguardar os direitos fundamentais de toda e qualquer pessoa, receber e analisar os pedidos das minorias representativas, a escolha de ministros do Supremo Tribunal Federal pelo Presidente da República com sabatina no

Congresso nacional, etc., em uma nítida legitimidade democrática indireta (PFERSMAN; TROPER, 2007, p. 41). Seguindo a toada haverá a possibilidade da participação de terceiros no auxílio da tomada de decisão – Amicus Curiae, ampliando, em um estado de direito, a legitimidade democrática129.

É, justamente, a figura outrora discutida da legitimidade funcional da jurisdição constitucional na tarefa de interpretar e garantir o Texto Magno em substituição ao mecanicismo ou silogismo da era franco-montesquiana (BRONDEL; FOULQUIER; HEUSCHLING, 2001). Em razão desse fato é possível a atuação judicial sem ser contrária ao Estado Democrático de Direito.

A legitimidade democrática, ou de outras espécies, dos juízes constitucionais no hard activism possui a peculiaridade de se entender quem faz o controle da criação de um Poder Judiciário atuante como co-legisladores judiciais e co- constituintes130. Assim, é de natureza incontestável o elevado poder conferido aos juízes.

A última palavra, no controle judicial, a depender da ação e das omissões dos poderes eleitos, é do Poder Judiciário, desde que observe o princípio da proporcionalidade na análise de princípios outros que serão mencionados, como: segurança jurídica e confiança, para que a jurisdição constitucional não deslumbre na armadilha do abuso de poder com o desrespeito à Constituição.

Partindo para as distintas dimensões do ativismo judicial, Marshal (2002) especifica as seguintes: ativismo contramajoritário, ativismo não originalista, ativismo de precedentes, ativismo jurisdicional ou formal, ativismo material ou criativo, ativismo remedial e ativismo partidário ou partisan.

No primeiro, existe uma relutância dos tribunais em aceitar indistintamente todo e qualquer tipo de decisão advinda de poderes democraticamente eleitos. É o Poder Judiciário, como legislador negativo, fortalecendo a jurisdição constitucional, desde que as leis não sejam de constitucionalidade defensável, e uma opção discricionária legítima da casa de leis. É o Judiciário criando, emendando ou rejeitando leis.

129 Diz Urbano: ―[...] A segunda via consiste em sustentar que a legitimidade democrática não configura o único tipo de legitimidade possível num Estado de Direito. Num estado que, para além de democrático, é um Estado de Direito, outros valores se impõem como os da justiça, da igualdade, da imparcialidade, etc. [...]‖ (URBANO, 1976, p. 27)

130 Na visão de Stern a jurisdição constitucional é utilizada como: ―[...] legislador subsidiário na modificação constitucional‖. (STERN, 2001, p. 53).

No segundo, há uma caracterização pelo não reconhecimento de qualquer originalismo na interpretação judicial, sendo as concepções mais estritas do texto legal e as considerações sobre intenção do legislador completamente abandonadas. Em contraponto, no entender dos originalistas essa é uma função do Legislativo, enquanto ao Poder Judiciário caberá declarar a constitucionalidade ou não das leis de acordo com a intenção original do texto constitucional e de suas emendas, pois o judiciário não deverá assegurar direitos não expressos na Constituição.

No terceiro, o qual consiste na rejeição aos precedentes anteriormente estabelecidos. No quarto, a premissa principal é a resistência das Supremas Cortes e dos Tribunais Constitucionais em aceitarem os limites legalmente estabelecidos para sua atuação. É o que Marshall (2002 apud VALLE 2012, p. 39) propugna como sendo: ―[...] recusa de os tribunais se manterem dentro dos limites jurisdicionais estabelecidos para o exercício de seus poderes [...].‖

No quinto há a utilização da hermenêutica concretista e do princípio da proibição da proteção insuficiente de Konrad Hesse como forma de criação de novos direitos ou afirmação jurídica de direitos morais. É fundamentado em conceitos de pós-positivismo e do neoconstitucionalismo.

No sexto o Poder Judiciário impõe obrigações positivas aos poderes eleitos. É marcado pelo uso do poder judicial para impor atuações positivas dos outros poderes governamentais ou controlá-las como etapa de um corretivo judicialmente imposto.

No sétimo, consiste no uso do poder judicial para atingir objetivos específicos de um determinado partido ou segmento social. Nas palavras de Valle (2012, p. 39): ―[...] o ativismo partidário encontra seu paralelo na definição de ativismo como julgamento visando a obter resultado preestabelecido [...].‖

Em razão da reflexão apresentada não é possível afirmar, cabalmente, que um caráter ativista seja sempre a medida acerada ou errônea diante de todas as possibilidades jurídicas prováveis, especialmente em situações difíceis (MARSHALL, 2002).

No Brasil, o Supremo Tribunal Federal através de seus ministros tendem a um ―ativismo‖, mas de caráter jurisdicional. Isto é: uma metodologia concebida a partir das mais relevantes decisões, mirando, primordialmente, não na concretização de direitos, mas na extensão de sua competência institucional. É o que a doutrina chama de ativismo jurisdicional, no momento em que, por exemplo, o STF,

modulando efeitos, concede o caráter erga omnes em matéria de controle difuso por intermédio de Recurso Extraordinário.

Apesar disso, este trabalho, ater-se-á no ativismo contramajoritário e no criativo com o reestabelecimento, por parte do Poder judiciário, dos direitos fundamentais, desde que não atue com arbitrariedade. A título ilustrativo do ativismo jurisdicional, no Brasil, podemos citar os casos julgados pelo Supremo Tribunal Federal de ―Mira Estrela‖131 e a ―progressão de regime nos crimes hediondos‖132

, quando se aplicou a teoria transcendente dos motivos determinantes da sentença (ratio decidendi) ao controle difuso de constitucionalidade, com a possibilidade da corte mais alta da justiça brasileira, sem aguardar decisão do Senado federal, conceder efeitos erga omnes em julgamentos envolvendo casos concretos, inter

parts133.

131

RE 197.917/SP, Rel. Min Maurício Corrêa, j. 06.06.2002, Pleno, DJ de 07.05.2014, p. 8. CF., ainda, Inf. 398/STF, ADI 3.345 e 3.365.

132

HC 82.959/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, 23.02.2006 (inf. 418/STF)

133 Conforme o ministro Gilmar: ―[...] possível, sem qualquer exagero, falar-se aqui de uma autêntica mutação constitucional em razão da completa reformulação do sistema jurídico e, por conseguinte, da nova compreensão que se conferiu à regra do art. 52, X, da Constituição de 1988. Valendo-nos dos subsídios da doutrina constitucional a propósito da mutação constitucional, poder-se-ia cogitar aqui de uma autêntica ‗reforma da Constituição sem expressa modificação do texto.‖ (MENDES, 2004, p. 55-56).

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