• Nenhum resultado encontrado

Qual é o “poder” que legitima os interesses do povo?

3. A CONSTITUIÇÃO E O NEOCONSTITUCIONALISMO: DA REGRA AO PRINCÍPIO

3.8 Qual é o “poder” que legitima os interesses do povo?

Abrindo um parêntese acerca do ―poder‖ é preciso a consciência de que o mesmo não pode ser de uma pessoa específica, de uma instituição determinada, mas, como definido por Foucault na microfísica do ―poder‖, difuso. Com isso, em todo o sistema social em que vigora uma democracia há uma interpenetração de ―poderes‖ visíveis onde o povo de um Estado deve ser chamado a participar. É o controle da opinião pública. (BOBBIO, 1999, p. 204-206).

35―[...] Princípios são mandamentos de otimização em face das possibilidades jurídicas e fáticas. A máxima da proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, a exigência do sopesamento, decorre da relativização em face das possibilidades jurídicas [...] A máxima da proporcionalidade em sentido estrito decorre do fato de princípios serem mandamentos de otimização em face das possibilidades jurídicas. Já as máximas da necessidade e da adequação decorrem da natureza dos princípios como mandamento de otimização em face das possibilidades fáticas.‖ (Alexy, 2006, p. 117 e 118).

36 ―[...] O ―conflito‖ deve, ao contrário, ser resolvido por meio de um sopesamento entre os interesses conflitantes. O objetivo desse sopesamento é definir qual dos interesses – que abstratamente estão no mesmo nível – tem maior peso no caso concreto [...] A solução para essa colisão consiste no estabelecimento de uma relação de precedência condicionada entre os princípios, com base nas circunstâncias do caso concreto. Levando-se em consideração o caso concreto, o estabelecimento de relações de precedências condicionadas consiste na fixação de condições sob as quais um princípio tem precedência em face do outro. Sob outras condições, é possível que a questão de precedência seja resolvida de forma contrária. [...].‖(Alexy, 2006, p. 95 e 96).

Um poder37 constituído não pode camuflar uma lei, uma decisão, uma escolha de políticas públicas em princípios constitucionais quando, na verdade, o que se quer é alcançar objetivos obscuros. Não significa, deixando claro, a expressão opinião pública como sinônima de pressão para atender aos anseios de poucos, de alguns ou de muitos, mas de todos, ainda que, com proporcionalidade, haja restrições.

Assim, a forma de exercício do ―poder‖ na democracia, não pode ser confundida com poder autocrático ou invisível, sendo fundamental o controle do poder. Como diz Bobbio (1999, p. 208):

[...] O poder autocrático foge do controle público de duas maneiras: ocultando-se, ou seja, tomando suas próprias decisões no ‗conselho secreto‘ e ocultando, ou seja, através do exercício da simulação ou da mentira considerada como instrumento lícito de governo [...].

Exemplificando, deve-se notar que o legislador ordinário, com o argumento genérico do interesse público, não deve restringir direitos sociais em tempo de crise econômica minorando 1/3 (um terço) de férias, 13º salário, diminuição de vencimentos, etc., pois a expressão interesse público não pode ser usada de forma absoluta, como também não deve ser instrumento para camuflar atos estatais escusos.

Diante disto, surge o seguinte questionamento: o Poder Judiciário, localizando-se na outra ponta do iceberg, está pronto para atuar em caso de omissões ou restrições indevidas a direitos fundamentais por parte dos demais poderes ou deverá permanecer inerte, mesmo provocado, face aos princípios democráticos e a separação de poderes?

É preciso lucidez para procurar entender o motivo da proeminência do Poder Judiciário, diante do avanço do direito na política, o que amplia o leque dos tribunais em relação ao parlamento, e se essa situação de ativismo judicial ou de judicialização da política rompe ou não com bases democráticas por possibilitar a pessoas não eleitas, magistrados, o poder de interferir em ações ou omissões de representantes eleitos pelo povo, tudo, com uma nítida atenção aos diretos sociais em tempo de crise econômica.

37Na opinião do escritor francês Paul Valéry poder: ―É o instituto do abuso do poder que faz sonhar com tanta paixão com o poder. O poder sem o abuso perde o encanto.‖ (VEJA, 2015, p. 39)

Na temática desta dissertação, ter clareza sobre o papel dos poderes na democracia, com o adendo de que uma atuação emancipada do Poder Judiciário pode estar umbilicalmente ligada à transformação da terminologia clássica de democracia legicêntrica pela judicial.

Como visto, essa mudança não se dará pelo puro e simples argumento do trespasse da soberania popular (identidade da lei) para juízes não eleitos pelo voto direto. Em não havendo uma fundamentação plausível do Poder Judiciário, frise-se, sua atuação será ilegítima, no momento em que desconstituir ou regulamentar escolhas ou omissões advindas dos representantes populares.

Assim, é preciso o equilíbrio para entender que os integrantes do Poder Judiciário, assim como os membros do Poder Legislativo, pela própria natureza são falíveis, e, portanto há um risco em depositar a manutenção de uma sociedade, unicamente, no direito interpretado pelos magistrados ou no direito legicêntrico dos parlamentares. Impera a dificuldade em fixar qual a melhor forma de mesclar a democracia e o constitucionalismo.

Os poderes republicanos, inerentes ao povo, passam pela evolução do naturalismo ao pós-positivismo, pois fincados na diferenciação entre a lei e o direito na ótica do reencontro com a moral, e, por isso, não sendo o juiz apenas a boca que pronunciava as palavras da lei, tampouco o Judiciário um poder nulo e invisível (MONTESQUIEU, 1999, p. 170-178).

O Poder Judiciário, através de um Tribunal Constitucional ou de uma Suprema Corte, com o advento da constitucionalização de inúmeros direitos, passou a ter legitimidade e competência de apreciar questões políticas, mas que também são jurídicas de índole constitucional.

A Constituição da República Federativa do Brasil, tratada como normativa, traz no seu bojo como direitos fundamentais à saúde e à moradia. Caso uma lei ordinária38 vá de encontro a esses direitos, não se valendo da proporcionalidade, ou omitindo-se injustificadamente é perfeitamente possível a atuação judicial, em sede de controle de constitucionalidade, que venha demonstrar um claro avanço do direito em relação à política (BARROSO, 2009).

38 Nesse contexto, o grande jurista brasileiro Ruy Barbosa: ―A Constituição é a vontade direta do povo. A lei, a vontade dos seus representantes [...]. Entre duas delegações legislativas de eminência desigual, a constituinte e a ordinária, o tribunal, inclinando-se à segunda, implicitamente inverteria a ordem racional, traduzida no preceito elementar de que, entre as prescrições antinômicas de duas autoridades de categoria diversa, a menos alta cede á mais elevada.‖ (BARBOSA, 1932, p. 77).

3.9 Tribunal Constitucional ou Suprema Corte: Breves noções do controle de

Outline

Documentos relacionados