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O PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE DO CONTROLE JURISDICIONAL E A APLICAÇÃO DIRETA DA

direito e a política

Por intermédio da jurisdição, chegar-se-á à judicialização da política e ao ativismo judicial, o que sugere sumariamente breves anotações sobre o poder do Estado de dizer o direito legislado em uma operação que, no início, caracterizava-se no mecanicismo, mas, agora, não deixando de fora os valores.

É imprescindível, porém, na nova fase da interpretação e das decisões judiciais a ausência de conotação política, apesar dos temas serem político- constitucionalizados95, ou a não ingerência, ou prevalência da vontade pessoal e das idiossincrasias de magistrados na aplicação do direito.

A democracia e o estado de direito quando baseados em exageros dos dois pólos (constituinte originário ou derivado e interprete), somente conseguirão transformar a situação negativa em positiva com o auxílio de uma legítima manifestação popular, e de uma imprensa livre e independente, as quais exijam e pressionem pela retomada de um sistema que possui falhas, embora seja o mais aceitável (Estado Democrático de Direitos).

Diante dos ângulos apreciados, uma constatação inexorável é a de que a função judicial é essencial para a efetivação das leis, do direito, visando a pacificação social (AGRA, 2005, p 10). A outra constatação, extremamente polêmica, á a atuação ou não do judiciário nos casos de mora legislativa e de normas constitucionais abrangentes, mesmo diante dos princípios vigentes da indeclinabilidade ou da inafastabilidade do controle jurisdicional, sendo preciso, antes de um julgamento meritório, a presença dos pressupostos processuais de existência e validade, principalmente, a legitimidade de quem irá decidir questões dessa natureza.

95 É a visão de Grimm (2006, p. 11-12, grifo nosso): ―[...] Sob as condições do direito positivado não é mais possível uma separação entre direito e política no nível da legislação. Nisso também não muda nada a vinculação constitucional da legislação. Pelo contrário, ela parte disso e formula apenas os pressupostos de legitimidade para a determinação política do conteúdo legal. Em contrapartida, tal superação é perfeitamente possível no nível da aplicação do direito. Assim, embora a política programe a aplicação do direito por meio da promulgação de normas gerais, a interpretação e a aplicação das normas no caso concreto subtraem sua influência.

Nas lições de Didier96 deve haver na jurisdição a interferência do Estado, através de um terceiro imparcial, na solução dos conflitos, com o objetivo de dizer o direito de maneira definitiva. Assim, acarretará no surgimento de uma norma jurídica concreta que não poderá ser revisada pelos demais poderes.

A jurisdição não pode perder o alcance social do suprimento dos conflitos, como a paz social, e a conscientização das pessoas acerca dos seus direitos, sem que desrespeitem os direitos de outrem, bem como o alcance político em que o Estado ratifica o seu poder e fomenta a participação de todos perante o Poder Judiciário, por exemplo, ação popular, habeas corpus, mandado de segurança, ações coletivas, etc.

O inciso XXXV, do art. 5º da Constituição da República Federativa (CRFB) assegura ser direito fundamental de todo e qualquer jurisdicionado, diante de lesão ou ameaça de lesão a direito, poder exercer o direito de ação. Isso não significa dizer, diante da abstração, que a ação deva ser julgada procedente, mas, peremptoriamente, haverá uma decisão, uma apreciação judicial acerca de uma questão individual ou coletiva.

A decisão do julgador não pode ser suprimida pelo legislativo ou outra autoridade de menor hierarquia, na medida em que o Estado-Juiz, quando acionado, deverá e não poderá exercer a jurisdição (ARAGÃO apud MARINONI, 1999, p.202). No mesmo seguimento da reflexão, pelo princípio da indelegabilidade, o magistrado não tem a possibilidade de alienar sua função judicante a outro terceiro apesar de institutos como a mediação e a arbitragem.

Em sentido análogo é o artigo 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro97·, ao afirmar que na lacuna da lei o juiz decidirá com base na analogia,

96 Sobre a temática diz Didier: ―[...] o Poder Judiciário dá a última palavra sobre o conflito. Só os atos jurisdicionais podem adquirir essa definitividade, que recebe o nome de coisa julgada, essa situação jurídica que estabiliza as relações jurídicas de modo definitivo. Essa aptidão é, pensamos, a característica mais marcante da atividade jurisadicional [...]. De acordo com a concepção instrumentalista do processo, a jurisdição tem três fins : o jurídico, o social e o político. O escopo jurídico consiste na atuação da vontade concreta da lei. A jurisdição tem por fim primeiro, portanto, fazer com que se atinjam, em cada caso concreto, as normas de direito substancial [...]. O escopo social consiste em promover o bem comum , com a pacificação, com justiça pela eliminação de conflitos [...]. O escopo político da jurisdição , é aquele pelo qual o Estado busca a afirmação de seu poder, além de incentivar a participação democrática [...]‖ (DIDIER, 2006, p. 94).

97

Art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro: ―Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.‖

nos costumes e nos princípios gerais de direito. No mesmo sentido, o artigo 126 do Código de Processo Civil Brasileiro98.

Não existe uma condição de procedibilidade para que o judiciário, quando provocado, possa atuar, a não ser, excepcionalmente, em determinados julgamentos de algumas autoridades que ocorrerão pelo legislativo.99 Há, ainda, outras situações em que o constituinte brasileiro condicionou, com o esgotamento das vias administrativas, a participação do judiciário, verbis gratia, questões esportivas100.

Continuando as variantes da problemática, um juiz ainda poderá valer-se, desde que haja previsão legal, da equidade101. Segundo Gonçalves (2005, p. 54): ―A equidade não constitui meio supletivo de lacuna da lei, sendo mero recurso auxiliar de aplicação desta [...].‖

Assim, a equidade não pode ser entendida como um ideal de justiça a ser perseguido por um magistrado, mas, ao contrário, o juiz deverá aplicar a lei em percepção com os fins sociais a que ela se destina102, e criar a norma apenas quando a lei der brecha (várias possibilidades) ou for lacunosa, mas não substituir o critério escolhido pela casa de leis pelas suas convicções pessoais de justiça. A equidade, não pode ser substituta da vontade legislativa, porém nada impede sua mitigação para que seja alcançada a justiça do caso concreto.

Neste contexto, o judiciário poderá declarar a inconstitucionalidade de uma lei que restrinja direitos sociais, ou entrar no mérito de uma quizila que envolva direitos sociais em situação de crise econômica? Para isso é preciso respostas a outras indagações: Os direitos sociais são fundamentais ou são normas programáticas? Sendo os direitos sociais fundamentais, eles pertencem ou não ao primeiro escalão de direitos desse naipe? Sendo os direitos sociais normas

98Art. 126 do Código de Processo Civil: ―O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais do direito.‖

99 Diz a Constituição da República Federativa do Brasil: ―Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: I- processar e julgar o Presidente e o Vice- Presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexo com aqueles; II – processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado Geral da União nos crimes de responsabilidade. (NERY JUNIOR; NERY, 2013, p.522).

100―§ 1º, Art. S17, da CRFB: ―O Poder Judiciário só admitirá ações relativas a disciplina e às competências desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei.‖ (NERY JUNIOR; NERY, 2013, p.898).

101 Art. 127 do Código de Processo Civil: ―O juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei.‖ (BRASIL, 2015).

102 Art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro: ―Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.‖

programáticas, eles devem ficar ao alvedrio única e exclusivamente do legislador? Diante das celeumas, antes das tentativas de respostas, é preciso explicar, como mais adiante será feito, os institutos da judicialização da política e do ativismo judicial.

Para não deixar as perguntas soltas no texto, doutrinadores, como o professor Coutinho, entendem não ser possível a sindicabilidade dos direitos sociais prestacionais em razão de se tratar de questões políticas, o que ocasiona a ausência de pressupostos processuais e, por isso, não teria que se falar em desrespeito à jurisdição, e sim na necessidade da atuação da função legiferante. Sob essa batuta, nas lições do autor citado, não se estaria a proclamar o retorno do princípio, oriundo do Direito Romano, do non liquet em que o pretor deixava de decidir por não saber como julgar.

Como não bastasse o argumento, aqui, apresentado, outros sustentam que os direitos sociais prestacionais necessitam de recursos econômicos dos cofres públicos e da sua capacidade jurídica para dispor, esta última, em questões orçamentárias, impossibilitando os juízes de atuarem por ausência de aptidão funcional (SARLET, 2009, p. 307-308).

É preciso que haja o entendimento, segundo o qual o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional não será desrespeitado quando não houver um julgamento de mérito por parte da autoridade judicial, isso porque é condição

sine qua non o preenchimento dos pressupostos processuais e das condições da

ação 103.

Entretanto, em relação aos direitos fundamentais, como a matéria encontra- se constitucionalizada, data vênia, não é razoável o argumento da ausência de pressupostos processuais ou de condições da ação, sob pena de não se fazer valer a vontade do constituinte originário, como também o mínimo existencial deve ser garantido a todo e qualquer ser humano.

A fase do laissez – faire, na qual dentro do Estado Liberal não havia a possibilidade de intervenção estatal na esfera social, a não ser a proteção de direitos individuais dos cidadãos, v. g., na propriedade, bem como na crença do direito criado legitimamente pelo parlamento, e sem a possibilidade dessa mesma criação

103 O professor Vinícius é claro ao dizer: ―[...] Quem não tem legitimidade ou interesse, ou formula pedido juridicamente impossível, é carecedor de ação e não receberá do Judiciário resposta de acolhimento ou rejeição de sua pretensão [...]. A lei, porém, não pode impor outras restrições que seja estranhas à ordem processual e dificultem o acesso à justiça [...].‖ (GONÇALVES, 2013, p.33).

por parte do Poder Judiciário. Situação, na atualidade, inexistente em razão da ubiquidade da maior parte das Constituições ocidentais democráticas.

O que precisa ser abordado, nesta parte do estudo, é saber, até que ponto, quais os limites mínimos e máximos do judiciário como protagonista em assuntos antes exclusivos da arena política, sem perder a diretriz atualizada e não ortodoxa da separação de poderes (ACKERMAN, 2009).

É uma tentativa de fixar parâmetros no processo de criação do direito em face da nova linguagem constitucional que não se contenta, única e exclusivamente, com o método de subsunção de regras jurídicas e, como conseqüência, persegue a reaproximação entre direito e moral ampliando a discricionariedade judicial (princípios), e contrariando o positivismo normativista kelseniano (FELLET et al., 2013, p. 15).

Duas constatações são inegáveis: com o advento do controle de constitucionalidade em relação às leis e aos atos do legislativo ou do executivo, seguindo o paradigma Kelsiano dos Tribunais Constitucionais, ou o modelo norte- americano da jurisdição ordinária, elevou-se o patamar da Constituição a uma supremacia como autêntica norma jurídica, e não mais uma singela proclamação política, o que foi fundamental para a diminuição do arbítrio do poder legislativo.

Ao contrário, a característica negativa está na inflação das matérias constitucionalizadas, acarretando a álea dos representantes populares não serem relevantes na sua atuação, pois o julgador sempre estará pronto para agir, e sem controle por nenhum outro órgão do Estado, a não ser passarem as decisões judiciais pelas críticas, elogios e pressões da sociedade.

Os valores morais sempre existiram, com a ressalva de que somente deveriam ser precisados pelo Estado-Legislação, porém, com a nova filosofia do que seja direito a partir da teoria democrática, o Estado- Judicial não deverá ficar apático em conteúdos valorativos, mas é preciso delimitar até que ponto os tribunais podem decidir questões de natureza moral e política e como encaixar a separação, não mais rígida e clássica, entre os poderes (BARROSO, 2009, p. 10).

O protagonismo judicial, de certa forma, surge com a judicialização da política, citando como exemplo as Constituições brasileira e portuguesa, originando uma elevada constitucionalização de direitos, isso indica que questões de natureza

política, social104 ou econômica podem ser tuteladas pela instância judicial. É uma situação sem máculas ou abusividade alguma, haja vista que foi essa a vontade do legislador constitucional, logo não tem que se falar em ofensa aos representantes eleitos dos Poderes Legislativo e Executivo, mesmo sendo nítida a transferência de parte do poder político aos integrantes do judiciário.

Volvendo a intrigante relação entre direito e política, durante o passar do tempo, passou por algumas metamorfoses até o formato tradicional da positivação do direito. Nas sociedades antigas o direito nascia das tradições ou das instituições divinas, logicamente não se questionava a justiça ou injustiça do direito, pois era algo imutável, inflexível.

O direito, então, além de não precisar da política para sobreviver, também era preexistente a ela. Como se depreende, na época, não havia a perspectiva de que a vida em sociedade pudesse, com o passar do tempo, ser modificada e as verdades divinas absolutas começassem a trazer dúvidas. Ocorre que, os valores sociais transformaram-se, e o direito não tinha a solução para os conflitos, o que se agravou com a crise religiosa, onde foi colocada em discussão qual seria ―a ordem que Deus havia deixado para a humanidade‖, tendo acarretado entre os partidos religiosos uma guerra civil (GRIMM, 2006, p. 3-6).

Diante da crise do direito, o homem entendeu que a ―chave do labirinto‖ para tratar de questões sociais que surgiam a todo o momento, e da batalha religiosa seria através da politização do direito, com o poder de legislar, daí passaria o direito a ser algo flexível.

A função de legislar iniciou-se com os monarcas, tendo, sequencialmente, no século XVIII, ocasionado a positivação do direito com as codificações, estas últimas, menos pautadas no divino e mais embasadas no homem por intermédio do direito natural, como também o surgimento do Estado. Aqui, o direito passa a precisar da política, e passa a ser indagado da sua justeza. Em razão dos abusos monarcas, com a vinda da burguesia, viu-se a importância da juridicização da política com, mais uma vez, a sua limitação em relação ao direito, sendo a Constituição o direito positivo105.

104 ―[...] Como intuitivo, a judicialização envolve uma transferência de poder para juízes e tribunais, com alterações significativas na linguagem, na argumentação e no modo de participação da sociedade [...].‖ (BARROSO, 2009, p. 3).

105

O jurista Grimm tratando da necessidade de uma Constituição formal e material para servir de guia ao direito asseverou: ―[...] A política manteve sua competência de prescrever o direito sobre a

Então poder-se-á afirmar que a Constituição acaba com a política? Não, mas a Constituição cria uma moldura para esta atuação, pois um texto constitucional não pode efetuar uma total juridicização da política, pois é através da política, por exemplo, que deverá acontecer as escolhas, em razão das inúmeras possibilidades, em um Estado social, já que os princípios constitucionais não são imutáveis, sob pena de afronta ao princípio democrático.

sociedade, mas não gozava mais da liberdade dos monarcas absolutistas e era, ela própria, destinatário das condições legais. Por um lado, tratava-se de regulamentações processuais que precisavam ser observadas quando uma decisão política devia ter validade como norma obrigatória para a coletividade. Mas, por outro lado, na forma de direitos constitucionais foram também colocadas exigências de conteúdo para o direito escrito, cuja não-observação implicava sua nulidade. Assim, a solução apresentada pelo direito constitucional não deixou a base do direito positivo [...].‖ (GRIMM, 2006, p. 9-10).

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