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3. A CONSTITUIÇÃO E O NEOCONSTITUCIONALISMO: DA REGRA AO PRINCÍPIO

3.5 Constitucionalismo Econômico e o Brasil

A grande parte das Constituições do século XXI é intitulada de analítica, no sentido de abrangerem e tratarem inúmeras matérias, o que difere das Constituições Políticas do século XVIII, estas últimas, tratavam, apenas, das delimitações dos poderes em um nítido elo com o liberalismo.

A Constituição Econômica, como o próprio nome sugere, é relacionada aos direitos econômicos ou de segunda dimensão que, constantes na Constituição Federal, recebem o mesmo patamar de direito constitucional. É a junção, em uma mesma Carta Magna, de direitos de primeiras e segundas dimensões.

Diante da situação surgiu, nos idos finais do século XX, uma série de modificações nos planos econômicos, sociais e políticos, com a nomenclatura da globalização, tendo emanado uma crescente onda na direção de uma igualdade com conteúdo, tipicamente para assegurar o molde de uma sociedade diferenciada, moderna, apta a proteger as relações dos desenvolvimentos econômicos e sociais crescentes no mundo. A Constituição Econômica, oriunda da globalização com repercussão na igualdade é positiva ou negativa?

O sistema liberal, como já visto, defendia o mínimo de intervenção, de restrição do Estado em face de direitos fundamentais com viés econômicos, como por exemplo, a propriedade, a indústria, etc., sempre com a convicção da livre circulação da riqueza através da liberdade de iniciativa, de contratos e negociações econômicas. Partia-se da premissa de que os acordos seriam efetuados com equilíbrio e respeito entre interessados.

A história do mundo ocidental/liberal capitalista mostrou inúmeras injustiças, com o advento da igualdade formal e da liberdade na economia, sobretudo pela formação de uma sociedade conhecida pela excessiva desigualdade social, e a concentração de riquezas, o que gerou um desequilíbrio entre produtores e empregados, e entre fornecedores e consumidores. Assim, tornou-se imprescindível a entrada do intitulado Estado Social (Welfare State), a fim de minimizar os conceitos do Estado Liberal, tais como: liberdade da autonomia e da vontade, do

pacta sunt servanda, e da igualdade formal entre as pessoas envolvidas nas

relações econômicas, tudo pela ideologia da efetivação da justiça social.

Diante dos acontecimentos houve um processo escalonado de mutação de um minimalismo estatal com conotação burguesa liberal para um intervencionismo estatal preocupado em melhor distribuir as riquezas, e, como conseqüência, impedindo os excessos do poderio econômico, bem como assegurando direitos às pessoas em situações de vulnerabilidade e hipossuficiência, ou seja, aos cidadãos mais desfavorecidos.

Na passagem do Estado-liberal para Estado intervencionista veio a necessidade do investimento em políticas públicas para assegurar a isonomia material nos seguintes aspectos: a propriedade privada e os contratos passavam a ter uma função social, como também os cidadãos seriam agraciados com direitos econômicos/sociais de educação, saúde, moradia, etc., sem perder de vista, em uma interpretação sistemática, como acontece no Brasil, o fundamento da dignidade da pessoa humana17. Isso significou que todos os atores sociais precisariam de um mínimo de condições materiais para sobreviverem dignamente, e que os valores

17

Segundo Bulos (2008, p. 74, 88): A dignidade da pessoa humana é o valor constitucional supremo que agrega em torno de si a unanimidade dos demais direitos e garantias fundamentais do homem, expressos nesta Constituição. Daí envolve o direito à vida, os direitos pessoais tradicionais, mas também os direitos sociais, os direitos econômicos, os direitos educacionais, bem como as liberdades públicas em geral [...] Quando o Texto Constitucional proclama a dignidade da pessoa humana, está corroborando um imperativo de justiça social [...].

constitucionais devem servir de paradigma interpretativo para o restante do ordenamento jurídico.

Partindo, ainda, nos fundamentos da República Federativa do Brasil, o trabalho e a livre iniciativa são valores sociais que devem ser respeitados em uma economia de mercado, por ser objetivo no Brasil o desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza, das desigualdades sociais e a promoção do bem de todos18.

A Constituição Brasileira, no capítulo dos princípios gerais da ordem econômica, visando reduzir as desigualdades sociais, pautou-se, outrossim, no trabalho humano como valor supremo em razão dos demais valores da economia de mercado, assegurando a todos uma existência digna. Com isso, não resta duvidas de que o poder constituinte originário prestigiou uma economia de mercado capitalista, todavia sem deixar desguarnecido, o social, o trabalho humano livre, e com atenção à dignidade da pessoa humana como duplo fundamento da ordem econômica, e da República Federativa do Brasil.

Afasta-se, assim, o ideal liberal clássico para implantar um formato de Estado Social de Direito com uma visão de cunho humanista do mercado capitalista. Dessa maneira, o Estado Brasileiro poderá intervir no mercado econômico-social desde que assegure valores supremos coma a dignidade da pessoa humana.

Nos anos 90, com a implantação de uma política neoliberal por ordem do poder constituinte reformador, e da globalização econômica, diminuiu a participação estatal no panorama econômico-social, por obra da privatização de algumas áreas do setor, e a abertura da economia local para receber investimentos do capital estrangeiro.

O Brasil vive um misto, uma contradição, de um capitalismo liberal da livre iniciativa e do trabalho, e de um intervencionismo estatal como agente normativo e regulamentador da atividade econômica, o que vem conduzindo o país a uma grave crise econômica pelo fato de não haver um limite, uma diminuição de política

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Art.1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos [...] III- a dignidade da pessoa humana; IV- os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; [...] .Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observando os seguintes princípios: I- soberania Popular; II- propriedade privada; III- função social da propriedade; IV- livre concorrência; V- defesa do consumidor; VI- defesa do meio ambiente [...] VII- redução das desigualdades regionais e sociais; VIII- busca pelo pleno emprego [...]. (BULOS, 2008, p. 74, 88, 1261, 1267).

públicas, e a intervenção estatal econômica ser formulada para atender aos anseios de grupos que estão no poder e não para assegurar o interesse de toda a coletividade. É perceptível (art. 170 da CRFB19) uma convivência entre o capitalismo e o Estado Liberal e, por outro lado, o socialismo e o Estado intervencionista.

Os direitos econômicos e sociais acarretam obrigações estatais concretas, podendo inclusive serem exigíveis judicialmente, eis que a Constituição deixou se ser uma declaração de altruísmo político e transformou-se em norma jurídica cogente.

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