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2.3 Corpo, saúde e doença na Umbanda Esotérica

2.3.1 A umbanda e os corpos

Os conhecimentos acerca do corpo passado através de cursos internos a todos os médiuns da Casa de oração, tem como referência, como descrito por W.T. no curso de apometria, a filosofia de Ramatis que traz ensinamentos tradicionais esotéricos, gnósticos, teosóficos, além é claro do respaldo da física quântica. Não é incomum encontrar médiuns da casa lendo livros de Deepak Chopra, um médico indiano que advoga a perspectiva quântica

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no mundo da medicina, Fritjof Capra, Ken Wilber. De modo genérico esses conhecimentos dão coesão interna e sentido à prática terapêutica magística assim como à visão de mundo e ao ethos.

Deve-se partir da premissa que no corpo de um umbandista da casa de oração, acontecimentos do mundo, fenômenos biográficos, explicações científicas e religiosas se cruzam (MONTERO, 1985) não existindo unaminidade em nenhuma das explicações. Parte- se do princípio de que o ser humano deve ser compreendido na sua inteireza e complexidade, ou seja, de modo integral, holístico, sendo que valoriza-se a individualidade de cada ser. Como diz Dona Graça “nós somos um todo, no nosso corpo estão nossos ancestrais, a natureza, e até mesmo a poeira das estrelas”. Mais uma vez o homem configura-se como um nó de relações, uma teia de possibilidades nem sempre configurada segundo padrões de linearidade e causalidades.

Por outro lado o ser humano é visto também como uma trama energética. Mais do que um organismo – pois o organismo não tem para o umbandista uma realidade em si – o corpo seria a reverberação de outros níveis de consciência, que utilizam a matéria-prima do cosmos e da natureza. O corpo seria, assim, “o estado vibracional do observador” numa linguagem quântica.

Por outro lado, o corpo humano na sua dimensão física na abordagem umbandista revelaria significados mais profundos, pois ele é aberto às imagens do inconsciente, a figuras míticas, a símbolos pessoais e coletivos. Por isso se fala na umbanda em “corpos espirituais, dimensões psíquicas, ou níveis de consciência”, em corpo etérico, astral, mental inferior, mental superior, átmico e búdico, definições que corroboram a lógica binária corpo e alma, uma vez que o humano seria composto por um setenário.

Partindo-se do pressuposto umbandista de que o ser humano basicamente constitui-se de sete corpos o que seria então o corpo físico? “A manifestação do espírito vibrando em determinada faixa de frequência vibratória” dizem umbandistas da casa, argumento comum entre médiuns e adeptos (Dona Rosa, W. T.) como foi percebido em entrevistas formais, conversas informais, participação em grupos de estudo e até mesmo nos passes de preto- velho. A princípio o corpo físico assim como a natureza pertenceria a uma dimensão densa para o umbandista, ou não sutil. Nessa dimensão prevalece a qualidade mais grosseira de manifestação da energia eletromagnética. O binômio denso e sutil pode até gerar uma dualidade o que não deixa de ser verdade e é reconhecido na umbanda. Daí, a analogia do

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corpo a um escafandro no qual o espírito estaria literalmente enredado, analogia também comum entre espíritas kardecistas. Nessa ótica o corpo pode ser visto também como uma “prisão” W.T, o que produz uma perspectiva dualista e negativa, o corpo como empecilho à evolução da alma. Esse argumento utilizado por alguns médiuns merece ser esclarecido, pois em uma leitura apressada ele poderia levar a crer que o corpo seria tão somente um artigo supranumerário e negativo como revelou Le Breton (2006, 2007, 2012). Todavia, todos os umbandistas da casa com quem se conversou são unânimes em dizer que corpo e espírito são distintos apenas para a mente concreta, nível de consciência muito desenvolvido no ocidente que é capaz de criar a ilusão da separação comenta B.P. Não se nega, todavia, a temporalidade desse corpo entendido muitas vezes como um veículo, uma roupagem, um instrumento do espírito que tem um tempo de vida útil. Todavia, o corpo é consonante com a vibração do espírito pessoal, com a consciência do sujeito afirma W.T. e B.P. e nesse sentido ele não está separado do indivíduo que lhe dá vida.

Para muitos médiuns como B.P a grande questão é perceber a junção, os elos entre a expressão material e energético-espiritual da vida assim como a relação entre padrões de pensamento, sentimento e o corpo. Como diz B.P., o mais importante para a umbanda é fazer com que o indivíduo “seja capaz de perceber o corpo como energia”. Essa percepção favoreceria a relativização do determinismo material sobre a vida. O desenvolvimento mediúnico seria um dos meios de tornar a percepção do mundo energético clara, e isso para o médium auxilia até mesmo na questão de como o indivíduo lida com a morte, a dor e o sofrimento.

A interpretação de que o corpo seria a manifestação do espírito vibrando em determinada faixa de frequência vibratória estaria mais próxima do que poderíamos chamar de indeterminismo quântico muito presente nos discursos modernos das TCI’s (OLIVEIRA, 2007, 13) para o qual a consciência de corpo seria uma forma de frequência vibratória de ondas. Essa concepção coaduna com a fala de W.T. para o qual o corpo seria uma matrix. Nessa perspectiva cada faixa de frequência reproduz em grandezas variadas o mesmo padrão das energias do universo macrocósmico, e como já mostrado essas energias são representadas pelos Orixás, como arquétipos cósmicos a partir dos quais desdobra-se uma infinidade de possibilidades de manifestação no plano material, lembrando que a cada orixá está vinculado um padrão de energia que carrega uma história mítica particular. Assim, para muitos médiuns da casa é comum realizar correspondências de cunho essencialista que aproximem os orixás

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da organização somática, o que conduz o umbandista a sacralizar a vida corporal, uma vez que o corpo se mostra como o lugar de manifestação de uma força primordial que emana poder, virtudes, qualidades sobrenaturais.

Pensando o corpo como energia W.T. chega a dizer que o corpo em si é uma ilusão, pois ele é mais visto como um campo energético do que propriamente físico referenciando-se na física quântica. Numa perspectiva complexa utilizando-se de recursos analógicos muito comuns entre umbandistas, esse corpo pode ser pensado como um holograma, como diz W.T. “o que está em cima é o que está em baixo”, ou seja, uma nítida relação entre o micro e o macrocosmo, e acrescenta, “o que está na mente do homem materializa-se na carne, mas a mente do homem nem sempre está sintonizada com a mente de Deus, daí surgem as doenças”. Ao que parece, para um umbandista a composição química, fisiológica, tecidual desse corpo estruturado com os elementos originários do planeta (fogo, terra, água, ar e éter) recebe a ação de 1º) elementos espirituais, o verbo, o sopro, a energia cósmica em estado puro; 2º) elementos arquetípicos imaginais presentes nos níveis mental superior e concreto que podem ser associados às imagens de intuição mística de santos, orixás, mestres espirituais. Pode-se dizer que esses níveis de consciência produziriam os ideais-forma o que faz pensar o corpo como um arquétipo; 3º) elementos anímicos frutos do desejo, das paixões próprias ao campo astral onde estão registradas memórias de outras vidas, uma espécie de subconsciente espiritual; 4º) elementos energéticos provenientes do eletromagnetismo do sistema solar e da terra; 5º) elementos físico-químicos. Não é sem razão que o umbandista B.P. diz que “o corpo é magia”. Aqui magia é entendida como uma lei superior e não como feitiçaria. Ao observar a forma do corpo, as informações genéticas que ele carrega dos antepassados, o funcionamento dos órgãos, tudo precede de uma sabedoria cósmica construída segundo um modelo de harmonia afirma o médium. Por isso para B. P. o corpo constitui-se como algo sagrado, por ser fruto de uma magia superior, coordenada e não caótica.

O corpo físico só se sustém para o umbandista devido à doação de fluido cósmico universal, conceito buscado na crença kardecista que por sua vez é associado ao prana cósmico do hinduismo. Esse fluido cósmico produz, em associação com a matéria, um “campo vital” de “natureza eletromagnética” denominada energia zôo de que fala W.T., um tipo de energia animal, semelhante ao magnetismo animal de Mesmer24 (AMARAL, 2000)

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que fixa-se no corpo humano, nas células, tecidos, órgãos. Nos trabalhos da casa é imprescindível a conexão dessas polaridades – fluido cósmico + energia zoo. Segundo W.T. “quando a energia vem de cima, a energia espiritual, e de baixo vem a energia animal e elas se encontram, no coração. Existe uma energia que se chama zeta. A união entre essas energias é mais perfeita, e é com ela que o médium trabalha na cura”. Essa energia, síntese de aspectos cósmicos e terrenos, além de manter o meio interno do homem, os processos fisiológicos, e todas as funções vitais, sua saúde, harmonia e equilíbrio, também é utilizada para trabalhos de cura como os passes magnéticos.

Associado ao corpo físico, portanto, estruturas mais sutis coexistem de modo paralelo e interdependente. Utiliza-se aqui a metáfora dos cordões ou fios energéticos que tecem os sete corpos dando uma visão de conjunto e não fragmentada ao umbandista. Existiria um fio ou cordão na altura do umbigo que ligaria o etérico e o físico, um no coração que ligaria o físico ao astral, outro na nuca que ligaria o astral ao mental e outro no topo da cabeça que conectaria o indivíduo ao cosmos.

Para trabalhar, o umbandista deve conhecer bem o quaternário inferior composto pelos corpos ou níveis de consciência físico, etérico, astral e mental. Ele deve saber, por exemplo, que o corpo etérico ou duplo etérico é o principal nível de consciência ou corpo sutil responsável por coordenar, de modo espontâneo, o fluxo de energia nas células, nos órgãos. Como um duplo do corpo, mas com estrutura refinada ele seria como uma matriz energética do organismo, análogo a uma teia, com o mesmo desenho do corpo, das células, tecidos e órgãos (APOSTILA, 2012). Todo o corpo físico seria sustentado inconscientemente pelas emanações provindas desse duplo, responsável por manter a saúde física automaticamente através da recepção espontânea de energia cósmica. Embora no mundo da matéria, pois possui nítida qualidade eletromagnética configurando-se como “o intermediário mais concreto entre matéria e o espírito”, é ele o responsável por relacionar energeticamente a criatura biológica com seus veículos superiores como o corpo astral e mental. É sensível ao sentimento, aos pensamentos, às imagens que podem alterar sua qualidade, fluxo energético dos centros vitais, forma e cor dos campos áuricos. É sobre esse corpo que os passes incidem principalmente.

Como diz dona Graça o corpo sutil ou nível de consciência somática que mais revelaria a qualidade luminosa da matéria seria o etérico. Ela afirma que “nosso corpo é como uma usina. Correntes percorrem as células, os órgãos e é tudo energia luminosa” Nesse momento ela lembra a imagem do corpo dada pela acupuntura.

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Cabe lembrar que o corpo etérico seria o plano de manifestação dos centros vitais ou chacras, que se configuram como locais de residência das energias arquetípicas dos orixás com seus respectivos elementos, qualidades e virtudes, ou quando desequilibrados portas de entradas para espíritos obsessores. Estes seriam os pontos energéticos nos quais o médium atua a fim de perceber a qualidade dos bloqueios, possíveis tratamentos e cura.

Já o corpo astral pode ser considerado o veículo do desejo que molda a forma humana. Esse campo seria extremamente plástico. Como diz W.T. referenciando-se na apometria, ele seria o modelo organizador biológico que estruturaria o corpo físico segundo a massa, densidade, forma, cor, luminosidade assim como influenciaria o campo áurico etérico. “Essa organização seria influenciada pela força do psiquismo” expresso principalmente pelas vibrações emocionais, desejos, vícios, sentimentos, paixões, ideais que preenchem esse nível de “consciência astralina” diz W.T. Geralmente todas essas vibrações estão ligadas ao conjunto das experiências armazenadas na memória, todas as relações com os antepassados, ancestrais. Intimamente relacionado ao subconsciente pessoal, de grupo e mesmo coletivo, o corpo astral reverberaria experiências de outras vidas, lembranças e todo um conjunto de sensações, desejos, vontades, imagens que o indivíduo projetou de si mesmo.

Tanto o corpo astral como o etérico revelam uma anatomia luminosa que organizam os trabalhos como diz Dona Graça. “Nos somos luz, é por isso que nós então trabalhamos com cores, com a cor das auras. Existem auras brilhantes, escuras, vermelhas, de acordo com a qualidade do sentimento. O vidente vê sua aura, a cor e a partir disso atua. Esse trabalho mostra você como você está se sentindo através das cores. Cinza é depressão, melancolia, apatia e vermelho é excesso de energia, pode ser raiva”.

Associado ao corpo físico ainda existiriam três outros corpos: o mental superior, o búdico e o átmico sendo, este último a fonte de onde se originariam as qualidades divinas propiciadoras de saúde. Cada um desses corpos na Casa de Oração tem correlação estreita com os Chakras, conhecimento que a casa também utiliza o que demonstra um nítido processo de orientalização da visão de mundo umbandista.

Por fim, é preciso entender que assim como existe uma geográfica simbólica do espaço cósmico e natural existe também uma anatomia ou “geografia simbólica e mística do corpo” para os umbandistas da casa assim como demonstrou Bastide (1978) em seus estudos do candomblé. O conhecimento do simbolismo que sustenta essa geografia mística é imprescindível na terapêutica

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Terciário superior

Quaternário inferior

Assim, no topo da cabeça estaria metaforicamente o “trono” de Oxalá local extremamente místico onde reinaria uma compreensão espiritual pura, onde se dá a conexão com valores sublimes, onde se tem a experiência de transcendência e a sensação de paz. Representado pela cor branca ele simboliza a expressão de todas as cores assim como a lótus de mil pétalas, todos os aspectos de Deus. Na raiz da coluna no outro extremo residiria o orixá Yorimá de onde proviriam as forças telúricas da vida, a nutrição, o elemento terra, a sustentação e a base. Logo acima desse reinaria a força das águas e o poder de Oxum, Yemanjá com suas qualidades regeneradoras e purificadoras. É importante lembrar que esse esquema parte de um pressuposto idealístico onde estão representadas somente as qualidades virtuosas de cada região.

Corpo Átmico Centelha Divina ou Mônada

Orixá OXALÁ – Coronário; paz, cor branca

Corpo Búdico Amor e sabedoria

Orixá YEMANJÁ – Chakra Frontal Corpo Mental Superior ou Abstrato Orixá YORI - Laríngeo

Corpo Mental Inferiorior ou Concreto Orixá XANGÔ - Cardíaco

Corpo Astral ou Perispírito Orixá OGUM - Esplênico Corpo Etérico ou DuploEtérico Orixá OXOSSE - Energético Corpo Físico

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