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O FENÔMENO NOVA ERA E AS TERAPÊUTICAS ESPIRITUALISTAS: FUNDAMENTOS SÓCIO-CULTURAIS

2.2 O holismo sócio-antropológico

2.3.2 Energia, paradigma vibracional e fisica quântica

Outro ponto a ser destacado diz respeito ao paradigma vibracional com base na quântica que tem como central o conceito de energia. Esse paradigma desconstruiu a clássica concepção newtoniana de energia da segunda lei da termodinâmica, rigidamente associada à noção de calor produzido pelo atrito entre corpos materiais, perspectiva reducionista que se desdobrou nas categorias de força e trabalho atualmente reinterpretadas pela física quântica. A introdução da noção de campo desenvolvida pelo eletromagnetismo demonstrou que a energia poderia ser estudada de forma relativamente independente dos corpos materiais (CAPRA, 1982) e do trabalho produzido mecanicamente. Por outro lado, a investigação atômica conduziu a uma desconstrução da materialidade da física clássica para a qual os átomos constituíam partículas maciças e duras, ou blocos básicos de construção da vida. Essa descoberta alterou drasticamente – ao menos para os grupos de pessoas adeptos das espiritualidades terapêuticas – as representações sobre o corpo e a matéria, as relações entre os homens e o mundo da vida cotidiana tidos até então como realidades sólidas cujas relações são mecânicas, locais e lineares. Nessa perspectiva, objetos físicos, em nível quântico, parecem possuir propriedades tanto locais – reducionistas – de partícula, quanto não-locais – holísticas – de onda. A matéria passa a ser vista a partir da interpretação da mecânica quântica

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como uma matriz energética e um campo de força vibrando em determinada faixa de frequência cuja composição é na sua maior parte energia condensada, a principal responsável pela organização e coesão físico-química dada, sobretudo pela consciência do observador.

A quântica demonstrou que matéria e energia sustentam o ritmo fundamental do universo a partir do principio da complementaridade de Niels Bohr (apud Capra, 1982)54 que afirma a importância tanto da expressão ondulatória como corpuscular da matéria.

As palavras do antropólogo Terrin (2004) sobre como as transformações no campo das ciências naturais alteram a compreensão da visão de mundo pós-moderna são esclarecedoras:

A matéria adquire novas dimensões. Enquanto produto da consciência prospectiva, a percepção dos objetos como matéria inerte e separada do sujeito observador desapareceria. Em outras palavras, a matéria não é mais matéria, mas é, sobretudo, energia, é campo energético, torna-se força espiritual: é uma realidade imanente e ao mesmo tempo transcendente. Somente então os objetos poderiam readquirir qualidades vitais, poderiam fazer de novo a conjunção entre alma kósmos, eu e o mundo (TERRIN, 2004, 378).

Nessa linha de raciocínio Terrin (op. cit.) aponta para o fato de que as espiritualidades contemporâneas apoiam-se na crença de uma força ou energia cósmica intencional responsável por tecer todos os níveis da existência. Todo sistema no nível macro e micro seria antes de tudo formado por relações energéticas; energia é o principio geral que unificaria o universo, participando dos ciclos de produção e reprodução da vida em todos os níveis. O antropólogo Luis Eduardo Soares em seu estudo sobre o fenômeno nova era esclarece a centralidade do uso do termo e sua amplitude nos circuitos terapêuticos alternativos:

energia é uma categoria-chave por seu papel mediador, substrato a um só tempo material e espiritual da vida. Ele interliga indissociavelmente o corpo, o espírito, a natureza e o cosmos. A energia pode ser considerada de forma abstrata, mas predominantemente, trata-se de algo concreto que pode ser visto e manipulado. Corresponde à energia cósmica, imanente em todo o universo. Manah, prana ou chi [mana] que permeia tudo, está no ar, na terra, nas estrelas. Adquire diferentes formas, densidades de acordo com a dimensão, o ambiente, a criatura, ou a vibração mental ou espiritual.

54 A compreensão de que a luz manifesta-se ora como ondas e ora como partícula demonstrou a natureza

dual. A física quântica como demonstrou Heisenberg deixou claro que todo o universo subatômico com elétrons, prótons, nêutrons apresentam uma natureza dual e paradoxal apresentando-se hora como ondas e ora como partículas. Niels Bohr (apud CAPRA, 1982) criou o princípio de complementaridade entre matéria e energia com o objetivo de resolver tal paradoxo. Matéria e energia nunca estariam separadas, ambas sustentam o ritmo fundamental do universo.

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Energia imanente se transforma em bioenergia ou energia consciencial. É também algo que parte do encanto, do carismático ou da magia. É manipulável por meio da imposição de mãos, dos passes, ou do simples pensamento, gerando saúde doença ou mesmo fortuna. Meridianos, chacras, orgônio; energia é a moeda cultural do mundo alternativo (SOARES, 1989, p. 129).

Energia passa a ser considerada o significante por excelência no interior do paradigma holístico e no interior das espiritualidades terapêuticas, a moeda cultural como argumenta Soares (1989). É ela a categoria capaz de dar sentido à teia de conexões entre os seres por trás do aparente caos e absurdo que possa existir. Nesse sentido, toda vida em todas as suas diferentes formas, estados, processos consistiria em energia interligada como se fez presente no circuito. Nessa rede de conexões cada evento influencia e é influenciado por todo o universo em acordo com o princípio da não localidade e não linearidade quântica (CAPRA, 1989), oposto às concepções de espaço tridimensional da geometria euclidiana, às leis de causalidade newtoniana e à separação sujeito-objeto cartesiana.

A transmissão de informação e energia para a teoria quântica implica em uma conexão instantânea entre eventos que não podem ser analisados em separado. Isso desdobra na questão do papel da mente e da consciência do observador e sua influência sobre uma cadeia de eventos em que ele esteja co-implicado. Na teoria quântica o observador não está separado do que se observa segundo a teoria do emaranhamento. Essa observação conduz à constatação da influência da consciência do observador ao nível quântico da realidade o que contribui para a representação da integração entre o macro e o micro. Os atos humanos, sentimentos e pensamentos teriam o poder de influenciar em níveis energéticos sutis toda uma cadeia de eventos, o que Amaral (2000) constatou em seu estudo da Nova Era e chamou de fator Psi, entendido como uma influência de uma mente individual – influência essa de caráter vibratório sutil – sobre objetos, pessoas, situações, conjunturas e outros eventos. Esse fator psi que Amaral (2000) constatou em seu estudo sobre a Nova Era está muito presente nos grupos estudados. Isso se vê nas meditações coletivas em favor da humanidade, nas práticas de cura de caboclo em nível não local, nas práticas Reiki de doação de energia cósmica à distância. Expressões também, como “mude sua frequência de pensamentos”, “altere seu campo vibracional com pensamentos positivos” implicam em um conjunto de ações que se concretizam como os meios para alterar o campo vibratório, a frequência energética.

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Por fim, é importante ressaltar que o estudo das energias derivadas da quântica, do paradigma holonômico, ou o estudo das formas de pensamento retirado da ressonância mórfica são, sobretudo, utilizados como recursos analógicos no interior dos movimentos. Os códigos semânticos criados para o estudo do universo subatômico contribuem para o campo das terapêuticas em dois aspectos: como recurso de linguagem e como meios de legitimação de uma suposta experiência espiritual e energética que é geralmente aceita a partir de duas entradas: uma subjetiva e fenomenológica, pautada na experiência e a outra objetiva. Isso quer dizer que experiências energético-espirituais derivadas do desenvolvimento mediúnico, da sintonização energética, da meditação que evoca um sentimento de reconciliação, de comunicação com o mundo espiritual, de cura e transformação, de despertar de forças e poderes internos, de união com o todo, de conexão com a natureza e o próximo, de cura espontânea, todos muitas vezes de difícil codificação, geralmente encontram em categorias derivadas do paradigma holístico, vibracional e morfogenético – teia de conexões, energia, formas pensamento, campo vibracional, sincronicidade, lei das afinidades energéticas ou da frequencia vibratória – uma qualidade significante que auxilia na descrição de determinados eventos e legitima a experiência.

Seguindo o pressuposto hermenêutico e fenomenológico de Maffesoli (1998) podemos dizer que como recurso analógico as terapêuticas espiritualistas lançam mão de um entendimento metafórico para descrever aspectos de difícil codificação da experiência muito comum às percepções somáticas enlevadas nas terapêuticas (p. 148).

Sabe-se que os místicos [e agora pessoas simples], através da intuição iam o mais profundo na experiência humana, seja no amor, no sofrimento, na beatitude ou na morte. Todas essas coisas eles viviam com intensidade, mas quando tratavam de exprimi-las, dado o aspecto inefável das experiências, suspeitavam das palavras e de sua modulação conceitual. É assim que eles se empenharam em desenvolver uma maneira de dizer que não enclausura aquilo que pretende descrever (MAFFESOLI, 1998, 148).

A construção de modos analógicos por espiritualistas utilizando-se de elementos das ciências físicas está para além da apreensão intelectual e isso se faz corrente em todos os grupos que fomentam o compartilhar das experiências geralmente dadas nos níveis pré- objetivos. A fim de reunir o dado com o significado em uma espécie de simbolismo que ganhe concretude, eles lançam mão de metáforas sensíveis: o espírito como fogo e calor, o espírito como mãe, como cuidado, como brisa fresca, o guia como impulso, vibração, a vida

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como uma teia de energia, o pensamento como onda, os sentimentos como cores, o corpo como luz. A metáfora, como lembra Maffesoli (op. cit.), nem sempre tem a intenção de assumir a cientificidade pois sua concretude fala ao coração da vida nem sempre racional (1998, p.148). As experiências de caráter metafísico são distintas da lógica científica quântica e as transborda. As analogias de ordem metafórica não querem indicar o sentido último das coisas mas contribui para descrever as percepções e situar suas significações que por sua vez sempre transbordam as metáforas do universo do misticismo quântico.

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3 Nova Era e nova consciência religiosa: de religião à espiritualidade

Como observa Brandão (2004) “a religião e outros sistemas de sentido espirituais convivem com ciências e ideologias e não parecem perder terreno, mas antes revigorar-se e abrir-se a um mundo de ideias e de desafios humanos (...) os imaginários do sagrado no país segundo o autor parecem hoje mais resistentes às crises da pós-modernidade do que às ciências e ideologias” (p.284). A religião, como parte da vida humana, para além dos aspectos alienantes que ela possa envolver, nunca enfraqueceu substancialmente seja nos seus aspectos mágicos, míticos, oníricos ou ritualísticos. Mesmo com o processo de racionalização e secularização da vida, seguida por uma perda de sentido religioso, desmagificação nas diversas esferas da atividade humana, o mundo não se tornou plenamente desencantado se é que algum dia ele deixou de ser, principalmente no Brasil. A religiosidade ou o sentimento religioso permanece na vida das pessoas, construindo reciprocidades simbólicas, oferecendo sentidos de vida mesmo em sociedades economicamente avançadas onde o individualismo, o cientificismo e a secularização se fazem presentes de maneira mais extremada. O que se observa diante dessa conjuntura é o surgimento de novas formas de relação com o sagrado, transformações no campo religioso tradicional que vive uma crise de hegemonia e valores. A originalidade desse novo campo religioso no caso do Brasil pode bem ser explícita pelo fim das hegemonias simbólicas e institucionais do catolicismo em consequência do influxo de novas religiosidades de caráter transnacional, uma característica nova erista. Esse fenômeno social abrangente é propulsor dessas transformações no campo religioso como observaram Hellas (1996) e Amaral (1996) e que dá origem às espiritualidades terapêuticas.

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Um primeiro ponto de mudança de perspectivas religiosas a ser observado diz respeito às funções totalizantes das religiões tradicionais que pretendem inserir o individuo na comunidade a partir de um conjunto de dogmas pré-concebidos e rituais, o que não corresponde à nova consciência religiosa nova-erista pós anos 60. O que se quer dizer é que caducam os usos políticos e ideológicos da religião como aparelhos de dominação e aparatos disciplinares utilizados com fins de produzir uma ilusão de pertencimento a alguma ordem mais abrangente. As instituições religiosas tradicionais enredadas no seu conjunto de normas e dogmas desgastaram-se não correspondendo aos anseios, por um lado de autonomia subjetiva na composição dos sentidos existenciais e por outro, por modos menos pragmáticos e mumificados de relação com o transcendente. Os modos exteriores, artificiais e cristalizados do formalismo religioso que tinha o objetivo de introjetar visões de mundo, ethos e hábitos específicos, condicionando, padronizando e homogeneizando comportamentos individuais e coletivos, ordenando os sentidos existenciais em relação a um mundo pleno de absurdos, perde sua rigidez e dá lugar a experimentalismos diversos nos modos de se relacionar com o sagrado e significá-lo. Este, não mais está restrito a determinado grupo ou território religioso, mas fala-se de um sagrado perene. Seguindo a linha de pensamento de D’Andrea (1996) observa-se que as religiosidades tradicionais estão despreparadas para lidar com uma forma de espiritualidade nascente que surge principalmente a partir dos anos 60, pós-contracultura. Segundo o autor, o racionalismo secular, a orientação extramundana, a prática religiosa orientada pelo princípio da moralidade voltada para a ordenação da conduta a partir de padrões artificiais do que seja certo e errado minam o fortalecimento de um tipo de consciência religiosa que valoriza o cultivo de uma sabedoria essencialmente interior, mais experimentalista e expressionista que dá ênfase aos aspectos espirituais e místicos das experiências. Essas religiosidades pós-tradicionais com alto grau de reflexividade como afirma o autor, na linha de Giddens, em certa medida fomentam novas interpretações sobre questões relativas à vida, à dor, à doença, à morte, às relações humanas, à justiça, interpretadas não mais sobre o determinismo de esquemas metafísicos e ideológicos prescritos, mas na experiência reflexiva dessas questões.

Outro aspecto, é que essa nova espiritualidade não se constrói como uma instituição entendida como uma comunidade moral que une crentes, fiéis e sacerdotes no sentido durkheimiano, em torno de uma igreja central com hierarquias ou autoridades religiosas definidas. Em vez de uma comunidade tradicional agregada por representações coletivas,

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dogmas e doutrinas, reunidas em torno de um corpo de especialistas ou mesmo dependentes de um quadro de fiéis, a espiritualidade Nova Era é perene, surge como uma força social à maneira de uma rede difusa, conectada por afiliações genéricas e heterogêneas em pequenos grupos onde se permite fazer sentir um maior poder de expressão do indivíduo. Sua organização se dá em redes e assume a forma orgânica de uma nebulosa de sentimento religioso (MAFFESOLI, 1994) muito próximo do que Luckman chamou de religião invisível, e que Maffesoli (op. cit.) chamou de o transcendente imanente próximo à noção de atmosfera do romantismo alemão e do divino social durkheimiano. Sua forma por um lado pode parecer e ser fragmentária, com descontinuidades, mas elas contêm elementos organicamente ligados que aproximam pequenos grupos e indivíduos a partir de um jogo de reciprocidades simbólicas, de trocas energéticas, configurando por seu turno um movimento em nível macro, amplo, subterrâneo configurando circuitos, independentemente da multiplicidade de modulações que possam assumir. Não é sem sentido que se opta por definir essa nova consciência religiosa sob o termo espiritualidade ou espiritualismo sem compromisso religioso como reiteram Heelas (1994), D’Andrea (1996), Amaral (2000) e Magnani (1999).

Nesse sentido, esta nova consciência religiosa parte do discurso meta-referente de que todas as religiões seriam a expressão de uma mesma realidade, bem como seriam depositárias de uma mesma verdade interior independentemente das divergências e separatismos ideológicos como bem apontou Heelas (1996), Carvalho (1996). Essa crença permite que tradições de pensamento aparentemente inconciliáveis sejam unidas por um princípio comum e universal (energia, amor, sabedoria) que se pode extrair não só de textos canônicos, mas da experiência mística dessa verdade fundamental e universal que permeia todas as religiões sob diferentes formas e está presente nas magias. Como argumenta Carvalho (1994) essa nova consciência religiosa passa por cima dos núcleos de diferenças entre as várias religiões e aceita combinações antes impensáveis do ponto de vista teológico tradicional. O que sustentaria essas novas combinações seria a suposição de uma “meta-revelação” entendida como uma unidade que perpassa as várias revelações religiosas já conhecidas como já colocado por muitos místicos e homens santos e mesmo por xamãs, sacerdotes, yogues. Não é sem sentido que as novas espiritualidades contemporâneas ou religiosidades pós-tradicionais procuram tecer equivalências entre revelações religiosas de um modo mais sistemático. Como consequência é comum a essa nova consciência religiosa um perfil discursivo de unidade das tradições que articule um discurso metareferente, ecumênico, universalizante (CARVALHO,

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1994, p. 94). Lembre-se que a construção da metarevelação como bem observou Carvalho (op. cit.) não se dá apenas em termos conceituais e hermenêuticos, mas fenomenológicos, ou seja, valoriza-se a experiência com essa unidade fundamental de todas as religiões.

Observa-se, então, que essa nova consciência preza muito mais pela experiência e pela relação com o sagrado, o sobrenatural ou o transcendente relativamente desvinculado da instituição, fortalecendo ainda mais a concepção de uma religiosidade invisível, um divino social transcendente e imanente que se imiscui nas relações, nas magias cotidianas. Nesse novo esquema não é incomum um transito de saberes com o campo científico, com tradições de pensamento e filosofias exóticas, com o universo mágico-religioso. Um movimento duplo de tradicionalização e destradicionalização acontece no interior das espiritualidades contemporâneas o que não permite mais uma visão de mundo essencialmente religiosa ou essencialmente científica, mas um tigrado, usando uma metáfora de Durand (data). E, por outro lado questiona-se o excessivo racionalismo, considerado um empecilho ao desenvolvimento de uma consciência religiosa menos pragmática, mais afetiva e encantada e mesmo, mágica. A magia nesse caso, deixa de ser pensada como instituição obscura e se torna uma técnica. De modo geral, tal arranjo moderno colapsa o dualismo religioso da relação do homem com o sagrado dado a partir da mediação com o transcendente por meio de autoridades e hierarquias, por uma normatividade que seja externa à própria subjetividade do indivíduo.

O circuito de estudo, mesmo contendo um relativo sistema institucionalizado de crenças e rituais abre espaço para a flexibilização das formas de significação e prática incorporando elementos das experiências pessoais de seus idealizadores e constituição de arranjos idiossincráticos.

3.1 Uma espiritualidade do self em meio ao drama de constituição de vínculos coletivos.