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3.4 Meditação Sahaja yoga: técnicas de harmonização e equilíbrio

3.4.1 Autorrealização ou realização do s

Em minha imersão em campo acompanhei o processo de autorrealização ou realização do si que consiste em uma iniciação, um pequeno rito de passagem no qual os neófitos são introduzidos ao seu universo interno por meio de um conjunto de técnicas corporais a fim de tomarem consciência de um conjunto de forças espirituais que coexistem ao organismo, uma dimensão sutil. O objetivo é consumarem uma espécie de batismo na qual se consolida, segundo a fala dos adeptos, um novo estado de consciência evolutiva onde se reconhece o poder interno da kundalini, associada ao aspecto feminino mantenedor da vida. Valorizam-se os aspectos fenomenológicos da experiência. A prática consiste em estimular a kundalini. No

também encontros no parque e às vezes realizam seminários e praticas intensivas de meditação em outros espaços. Mas, de modo geral a prática ocorre na escola de dança

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momento em que esse poder é despertado, do interior, ele é elevado espontaneamente através do canal central, reequilibrando as polaridades e desbloqueando “nós” nos centros vitais até que atinja a área óssea da fontanela, o topo da cabeça, local de onde se espera uma estabilização da energia vital. Esse processo é definido como a Realização do Si associado por homologia ao batismo cristão. Para tanto existe um procedimento específico que será tratado agora.

A princípio todos os praticantes – a maior parte sentada em cadeiras e alguns em posição tradicional de meditação – sobre a orientação do instrutor são conduzidos a entrar em um estado de paz interna e relaxamento corporal. É exigida uma postura adequada que consiste em colocar as mãos sobre os joelhos com as palmas para cima, um gesto de receptividade e abertura que se configura como um sinal de que o indivíduo se coloca receptivo às forças espirituais. Na sahaja considera-se que as mãos como centros receptores de energias comunicam-se com o meio externo e interno do homem. Como diz um sahaja, “se você tem alguma dúvida quanto a uma questão, pergunte às suas mãos”. Elas informam sobre a qualidade energética de um ambiente, situação, pessoa ou problema pessoal segundo a crença sahaja.

Qualquer desequilíbrio no sistema sutil pode ser sentido nas diversas partes de cada mão. Por meio dessa meditação a pessoa pode aprender não somente como diagnosticar e decodificar o estado do próprio sistema sutil interno dela como também de outras pessoas e de ambientes. Pode aprender e aplicar técnicas de limpeza para se reequilibrar e mesmo reconhecer os bloqueios e problemas sutis e físicos dos outros.

Sensações de calor, pontada, formigamento ou brisa fresca são alguns dos sinais que revelam o estado de harmonia do indivíduo e ao mesmo tempo o trabalho sutil da kundalini. Cada sinal emitido nas mãos é interpretado segundo a teoria do sistema sutil. Pede-se também para que se concentre na respiração, uma técnica fundamental em qualquer prática de meditação, mas principalmente na yoga a qual desenvolveu uma cosmofisiologia neumática e um conjunto de técnicas que propiciam meios biológicos “sutis” de entrar em comunicação com os ritmos internos e cósmicos, conduzindo a estados místicos (MAUSS, 2003). No caso, o ar conteria uma dimensão sutil associada ao prana, espécie de energia vital que anima a vida. Outra consideração de suma importância é que o neófito tenha controle sobre os pensamentos, pois como dito por um instrutor posteriormente, o excesso de estímulos que o

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ocidente proporciona à consciência mantém a mente em um estado de vigília caótico e inconstante, voltado para as coisas externas, fatos e situações, apegos a memórias do passado, a objetos e pessoas, o que pode interferir na meditação. Assim, exige-se que o neófito não se envolva em seus pensamentos, mas que desenvolva um estado de testemunha e se concentre nas percepções que se passam no corpo evitando envolvimentos intelectuais ou mentais. Valoriza-se na meditação um caráter muito mais experimentalista e perceptivo do que a via intelectiva ou imaginativa o que não subsume o poder das

Estabelecido um estado de quietude o instrutor começa a emitir alguns comandos iniciais.

O processo de autorrealização consiste em uma série de imposição de mãos sobre os órgãos correspondentes aos centros vitais que vem acompanhada de um conjunto primeiro de perguntas e posteriormente de afirmativas. As mãos, além de instrumentos de diagnóstico sutil, são consideradas também veículos de energia que podem ser acionados por palavras de poder como mantras e orações que têem como fim ressoar nos níveis internos do indivíduo e despertar as divindades adormecidas.

Inicia-se colocando a mão direita no centro sutil ao lado esquerdo do coração, enquanto a mão esquerda fica em uma atitude receptiva sobre o joelho. Considera-se que o coração seja a sede do espírito ou morada do atman a centelha divina do criador. Então o instrutor pede que se diga a seguinte pergunta: “Mãe, eu sou espírito?” por algumas vezes. Permanece um tempo nessa postura. Posteriormente as mãos descem às três ultimas costelas do lado esquerdo do estômago e faz-se a seguinte pergunta: “Mãe, eu sou o meu próprio mestre? Essa pergunta deve ser feita três vezes. Na sequência a mão direita é conduzida à parte mais baixa do abdômen, o segundo centro vital, onde a criação divina começa a ganhar forma. Nesse momento faz-se outro pedido “Mãe, dê-me o conhecimento puro” por seis vezes, sempre em referência ao número de pétalas do chakra, cujo número associa-se às virtudes da divindade regente. A partir de então o processo de elevação da Kundalini adormecida, inicia-se. Nesse momento, ao invés de interrogativas fazem-se afirmativas nos centros do estômago e do coração. No centro do estômago, no terceiro centro sutil, o indivíduo se propõe a tornar-se o seu próprio mestre e tomar consciência da realidade como ela é, para além das aparências. No centro do coração o indivíduo passa a reconhecer que ali é a morada do espírito santo, desenvolvendo a percepção de que não é apenas esse corpo. Essas

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afirmativas incitam a elevação da energia vital no sentido de desbloquear os nós gerados por condicionamentos individuais e sociais.

Após a afirmação “eu sou espírito” coloca-se a mão direita entre o ombro e o pescoço, no centro vital da comunicação e do senso de coletividade. Nesse ponto instrui-se a dizer, “mãe eu não tenho culpa de nada”. Os sahaja yogues consideram a mente ocidental ocupada constantemente com o futuro e o passado. A volta ao passado, característica do parassimpático ou canal esquerdo faz-se marcante pelas imagens de massa e memórias diversas geralmente influenciadas pelos condicionamentos religiosos, pelo mito do pecado original, produtores de problemas psíquicos relativos à culpa. Esse canal também se refere a problemas relativos à possessão de espíritos ancestrais geradores de distúrbios psicofísicos. “A técnica de despertar da kundalini propõe aos adeptos a libertação dos fantasmas do pecado”, como dizem os instrutores, “e o desapego dos padrões exteriores que se impuseram à memória humana, principalmente aqueles derivados da tradição católica”. Quanto ao lado direito desse chakra, a preocupação em demasia com alguma ação a ser realizada no futuro também faz com que muito da energia sutil do consciente direito seja prejudicada ocasionando ações destrutivas no plano interpessoal e, sobretudo, social, pois, esse chakra refere-se ao lado de exteriorização da comunicação humana. O despertar da força vital raiz propicia que o iniciado desenvolva a consciência coletiva de fazer parte de um todo, de perceber-se integrado como que por um fio sutil aos outros seres humanos e ao resto do universo. E o desenvolvimento do aspecto central desse chakra seria tornar-se testemunha da comédia da vida e se dar conta de que todos são atores realizando determinados papéis. A kundalini nesse ponto inicia o processo de apresentar qual papel o indivíduo representa na trama da vida.

A imposição de mão no sexto centro vital é de fundamental importância para a autorrealização. Esse centro encontra-se na testa. É considerada a porta estreita dos yogues ou a câmara nupcial onde acontece a síntese que conduz ao lótus de mil pétalas no próximo centro ou o reino dos céus aonde efetiva-se o batismo para a Sahaja. Esse centro vital foi considerado aberto há 2000 anos por Jesus, considerado o avatar que rege e reside no canal central desse chacra. Como dizem os instrutores, o terceiro olho ou quiasma óptico que corresponde à área límbica estimulada por místicos, médiuns, videntes por meio de técnicas de meditação que possam alterar estados de consciência. Fala-se em uma essência divina

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colocada ali, a morada do arquétipo do Cristo, já existente muito antes de sua abertura, no corpo do Virata. Como diz A.S., instrutor:

Jesus simboliza a porta estreita. Segundo Shri Mathaji Jesus é a manifestação de uma energia determinada, e essa energia é a única que tem a vibração própria, e a característica necessária, no caso o sentimento do perdão, para desbloquear e fazer a passagem desse chakra. Por isso ele dizia, eu sou a porta estreita. A porta estreita na leitura da sahaja é o pequeno caminho entre as sombracelhas que é pressionado pelos condicionamentos sociais (superego) e pelo individualismo exacerbado (ego); ambos impedem essa passagem.

A sua ativação inicial a fim de que a kundalini continue seu processo ascensional dá- se por intermédio da imposição da mão direita sobre a testa e a afirmação da seguinte frase: “eu perdoo, eu perdoo, eu perdoo”. O perdão constitui-se como o valor moral que permite a livre circulação da kundalini por esse centro. A incapacidade de perdoar é considerada um empecilho à união mística. São utilizados também dois mantras (Ham e Ksham) juntamente com a batida das mãos sobre a testa a fim de que os balões do ego e do superego, o consciente direito e o subconsciente esquerdo tenham suas influências minimizadas.

Por fim, para que se consuma o batismo ou autorrealização, eleva-se a mão direita até o topo da cabeça, na fontanela como explicam. No orifício superior da cúpula ou bandham como afirmam, no sétimo centro vital ou sahashara encontra-se uma abertura com o nome de brahmarandhara designando o local no alto do crânio por onde se efetiva a experiência mística fundamental do yoga, muito similar a um telhado propiciando a analogia feita por Eliade de “corpo, casa, cosmos”. Este local é representado como a morada do deus Shiva, o destruidor dos obstáculos. O olho da cúpula é o local que simboliza o ponto de conexão com o outro mundo que altera a percepção da realidade cotidiana para o yogue e sua compreensão sobre a condição humana. Esse momento é denominado na sahaja yoga de autorrealização em nítida associação ao batismo cristão, mas também com o nirvana budista ou samadhi hindu. A autorrealização pode ser simbolizada pelo estilhaçamento do telhado e a reabertura simbólica da fontanela, que propicia o voo místico do yogue nos ares o que Shri Mathaji, a idealizadora, denomina o voo do pássaro, um estado místico de síntese entre a condição humana e a condição espiritual onde não mais existe a diferença de identidade entre a luz interna e a luz transcósmica como demonstrou Eliade (2011), representados pela mãe e o pai celestial ou pela matéria e pelo espírito. Esse batismo preza pela abolição do mundo condicionado e da rotura de nível ontológico; pela experiência de integração com o cosmos na qual o homem se

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torna parte de um mundo mais vasto e vivencia um estado de graça que lhe permite testemunhar o drama e as vicissitudes da vida como a doença, angústia, dor, sofrimento e morte como partes do processo.

Os instrutores pedem que se coloque a mão aberta e espalmada nessa região e que seja feita uma massagem no sentido horário, sentido de exteriorização da kundalini e que também procure concentrar-se na imagem do shri yantra, símbolo místico utilizado na prática da meditação que representa a união dos aspectos polares da existência. Nesse momento é exigida a maior atenção a fim de que se perceba a brisa fresca sobre a cabeça e sobre a mão esquerda. A percepção da brisa fresca favorece a tomada de consciência de um possível sistema sutil e é por meio da percepção da mesma que se crê em uma ressurreição mística do praticante. A sensação da brisa fresca no corpo, nas mãos no topo da cabeça é a meta da autorrealização e o sinal de que o neófito foi tocado pelo sopro do espírito santo que queimou e purificou todos os bloqueios, desatou todos os nós e todo ardor, incomodo ou palpitação. Ela representa o estado de equilíbrio frente aos obstáculos.

Como diz a instrutora, “um sahaja yogue que alcançou o batismo ou yoga sente e sabe através de seu corpo, seu sistema nervoso, que é parte e parcela do todo e isso se dá unicamente pelo conhecimento de suas raízes”.

Shri Mataji observa que, após o despertar da Kundalini e sua ascensão o computador microcósmico humano fica conectado com a programação cósmica, e os dados começam a fluir em nosso sistema nervoso, a fim de ser percebido sob a forma de vibrações.

A centralidade na noção de percepção vibratória, uma forma de sensibilidade energética irradiada do sistema nervoso central e sentida em partes específicas do corpo, faz com que na sahaja, o espírito deixe de ser mais uma ideologia ou representação, algo externo criado pela mente, pela razão, pela cultura, mas algo concreto, fenomenológico, vivido e inerente ao ser o que corroboraria a dualidade entre corpo e alma e tornaria o homem um elo de ligação com o mundo, pensamento que está em consonância com a mística imanentista para a qual a prática da meditação permite a vivência concreta da realidade espiritual no próprio corpo, em detrimento de uma via intelectiva.

Pode-se dizer por fim que o objetivo da meditação, como expressam os instrutores, é fazer com que a kundalini desperte as divindades internas que representam as potências humanas adormecidas no humano que são os poderes do clarividente, conduzindo o neófito a

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um novo estado de consciência e patamar evolucionário chamado quarto estado, além das dualidades e além dos limites espaço/tempo euclidianos e newtonianos. Como resultado, a autorrealização permite que o neófito altere sua percepção da condição humana e desenvolva uma consciência vibratória do sistema sutil, além de poderes como intuição e clarividência, potencialização das faculdades inatas que devem ser direcionadas segundo princípios estéticos e éticos para a construção do bem comum. Como consequência tem-se o incremento da saúde e o equilíbrio biopsicosocial do indivíduo.

Passada a autorrealização, semanalmente os instrutores oferecem um estudo aprofundado do sistema sutil, um estudo superficial de mitologia comparada do sistema sutil acompanhado de práticas de meditação e de inúmeras técnicas de purificação e cura do mesmo.

3.4.2 Aprofundando nas Técnicas de meditação: a busca da cura pelas mãos, pelo som e