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L.S., adepta e praticante da técnica terapêutica Reiki, relatou em entrevista uma série de experiências pessoais de cura através da energia envolvendo ela e outras pessoas. A praticante chega a relatar inicialmente o seu ceticismo que a acompanhou após a iniciação,

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uma iniciação que segundo ela não lhe trouxe grandes surpresas ou impressões marcantes, diferentemente das experiências pessoais que sucederam a realização constante da prática. Ela conta que a energia Reiki foi apresentada como uma técnica miraculosa, uma panacéia, capaz de resolver todos os problemas.

Eu fui iniciada, mas não percebi nada diferente acontecendo comigo, mas eu nunca deixei de utilizar das práticas do Reiki, das orientações dos mestres. Porém, ficava uma interrogação: será que o Reiki é tudo isso que falam? Então eu fui convivendo com o Reiki, como uma técnica mesmo. A partir de 99 eu comecei a utilizar o Reiki como uma prática constante, regular e frequente, comecei a utilizar o Reiki em uma casa que eu trabalhava, a gente doava as aplicações de Reiki. A partir daí eu nunca mais deixei de aplicar o

Reiki de forma regular e contínua. (L.S.)

Durante esse processo, ela relata que quatro experiências muito interessantes ocorreram sendo transformadoras de suas crenças iniciais quanto à técnica. Segundo a Reikiana ela atraiu energeticamente todas as situações que foram importantes para responderem suas dúvidas não só quanto à eficácia do método quanto à veracidade de energia Reiki.

A primeira delas foi uma aplicação, em uma escola, em uma sala de professor, durante o recreio em uma aluna que estava com uma forte dor de cabeça. Ela relata que como Reikiana não poderia deixar a situação passar despercebida.

Eu Lavei as mãos e perguntei se poderia tocar nela. E naquele burburinho de sala de professor e sem qualquer preparação, ou uso de oração, eu simplesmente cheguei e coloquei as mãos na cabeça dela, tracei os símbolos mentalmente e fiquei com ela até que chegassem os pais para buscá-la. Os pais pegaram ela e levaram embora. Quando eu saí da sala dos professores para vir embora pra casa olhei e senti que havia algo muito estranho e diferente acontecendo comigo. Eu olhava para o céu, para o sol e tudo tinha mais luz e eu então entrei em um estado de graça. Eu fiquei emocionada. Algo novo que não tinha sentido ou percebido... fiquei vivendo aquele estado de graça por um tempo. Uma experiência que eu não sabia como explicar. (L.S.)

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A perspectiva da aluna também foi interessante, ela comenta. No outro dia a aluna foi até à diretora e perguntou quem era aquela professora, pois, queria agradecer. A aluna também havia passado por uma experiência marcante. Segundo L.S. relata, ao conversar com a aluna esta afirmou que percebeu nitidamente a dor saindo de sua cabeça e entrando pelos dedos, pelas mãos e pelos braços da professora.

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L.S. afirma que nem tudo que se refere ao Reiki poderia ser explicado racionalmente, com os instrumentos que a ciência dispõe. “O Reiki é ainda pouco conhecido e ainda tem muito para se aprender com essa técnica. Como os mestres dizem é uma energia inteligente, ela não precisa ser manipulada, ela encontra os caminhos”.

Outro fator importante segundo a Reikiana é o benefício que ele traz tanto ao aplicador como ao receptor, pois acredita-se que a estabilização de um canal de aplicação de energia favoreça a recepção de graças celestiais constantemente. Isso quer dizer que a aplicação não implica em um desgaste do Reikiano, uma perda de sua vitalidade mas, pelo contrário, no incremento de sua saúde, uma contradádiva cósmica, pode-se dizer. Quanto mais se doa, mais benefícios são retribuídos ao aplicador.

A segunda experiência refere-se à constatação visual da energia Reiki e a percepção de que o Reiki é também uma energia espiritual.

eu estava na casa onde eu aplicava Reiki e a gente fazia uma troca em um determinado dia da semana, nós nos aplicávamos entre nós. Deitei em uma máquina para receber Reiki e o Reikiano que estava atrás de mim colocou as mãos na primeira posição. Ele com as mãos em cima dos meus olhos e eu de olhos fechados... eu que não tenho nenhum tipo de clarividência ou mediunidade manifesta, vi descerem do teto dois fios de luz paralelos. Eles vinham em linha reta, paralelos e entravam nos meus olhos. O que eu aprendi era que a energia passa pelo coronário do Reikiano e ele transmite a energia pela palma da mão. A rigor esse fio de luz não deveria vir do teto mas da mão do Reikiano.

Ao receber o Reiki a Reikiana considerou a experiência com as luzes um fato que transcenderia as leituras científicas acerca da energia e que esta não seria limitada a questões unicamente vibracionais ou energéticas. A visualização das luzes configurou-se como uma vivência espiritual para a Reikiana que interpretou o evento como um passe realizado por algum espírito uma vez que a energia Reiki não teria sido canalizada pelo Reikiano.

A terceira experiência reforçaria a ideia de que o Reiki poderia ser utilizado não apenas para fins físicos, mas, também, espirituais. Segundo L.S. ao cegar na casa de um parente ela se deparou com um processo de possessão. Uma conhecida da família se mostrava dominada por um espírito alcoolizado.

cheguei na casa de um parente e tinha uma moça incorporada com um espírito muito inferior... estava alcoolizada... cheguei e fiz a imposição de mãos e comecei a tentar falar com o espírito e então eu comecei a fazer prece ela foi acalmando até que ela voltou a ser ela mesma... além do Reiki eu pedi as forças espirituais... para que me auxiliassem naquele momento.

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Para L.S. não teria como separar o que foi uma ajuda espiritual externa e o que foi o efeito da técnica Reiki. A técnica de fato teria exercido uma influência determinante fazendo com que a aplicadora passasse a acreditar que além de promover a harmonização dos corpos sutis, equilíbrio e alinhamento dos chakras é possível que ele possa neutralizar influências espirituais negativas de modo “forte”. Concorda-se que muitas vezes em casos de possessão, o espírito invada algum dos centros vitais simbolizado como uma porta com qualidade simbólica específica, que revela, sobretudo, uma fraqueza ou um vício particular do indivíduo o qual favorece a atração de espíritos afins ou vampiros. Segundo L.S. o Reiki atuaria de modo duplo neste aspecto, tanto no processo de restabelecimento da harmonia do centro afetado como na expulsão de um espírito obsessor.

A quarta experiência considerada a mais impressionante pela Reikiana aconteceu em um hospital em uma visita a uma tia que estava com câncer em estado terminal.

Em um determinado dia eu vou lá ver a minha tia antes que ela desencarne. Fui antes do meu culto. Saí fazendo a minha preparação... Quando eu posso e vou aplicar Reiki... eu vou me preparando... fazendo prece... Entrei em prece na sala e em um determinado momento eu perguntei se poderia aplicar

Reiki nela. Cheguei até a cabeceira da cama e coloquei as mãos na cabeça dela, fiz os símbolos e comecei a aplicar o Reiki... assim logo no início, na primeira posição de cabeça ela estava muito ociosa, respiração muito ruim. Ela então deu um suspiro e seguidamente um segundo suspiro e seguidamente um terceiro suspiro e simplesmente desencarnou... foi meio assustador... daí eu continuei aplicando o Reiki no processo de desligamento do espírito... o Reiki continua sendo importante... peguei as mãos dela e fiz uma prece para que ela fosse bem recebida no plano espiritual.

Para ela essa experiência configurou-se um marco. Já haviam lhe dito inclusive, pela mestra que lhe iniciou que a terapia Reiki poderia auxiliar no desencarne. Caso seja o momento propício o Reiki pode auxiliar nesse processo, de libertar uma pessoa. A morte é vista nesse caso como libertação, como iluminação. “É de extrema importância que os Reikianos tomem consciência disso e ele possa favorecer o desencarne de modo positivo” (L.S.). O Reiki contribuiria para um desligamento menos traumático. A presença de um Reikiano nesse momento é considerada especial pois ele auxilia no desencarne tranquilo e na possível quebra de condicionamentos negativos que possam envolver o momento da morte uma vez que é comum associar o processo de “desligamento” como algo extremamente doloroso. Essa quarta experiência foi considerada um coroamento para a Reikiana uma vez

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que nas iniciações considera-se a morte como um momento sagrado sendo uma honra vivenciá-la e contribuir para a transição consciente14.

A compreensão da doença pela Reikiana é bastante elucidatória. A doença na perspectiva de L.S. considerada sob um ponto de vista comum entre outros Reikianos pode ser entendida sob um duplo aspecto. Primeiramente, ela é considerada positiva, natural e comum ao estado vibratório da humanidade. “Ela é um presente. Sua manifestação contribui para a evolução e iluminação de todos os seres”(L.S.). No caso da pessoa, sua manifestação “mostra o que precisa ser modificado internamente”. A doença não é apenas física. A manifestação física pressupõe seu desenvolvimento nos níveis mais internos do ser, nos corpos astral e mental que se manifestam em primeiro lugar no campo etérico e posteriormente no físico. Como L.S. diz, a doença é uma questão de saúde integral, “enquanto nós tivermos questões espirituais, emocionais, psicológicas, morais para serem resolvidas a doença em um momento da vida vai se manifestar” (L.S.).

Uma pessoa que você entenda como uma pessoa saudável, de acordo com os processos dela a doença ainda não se manifestou no corpo físico. Isso por ela não ter permitido. Ainda estão em outros corpos e ainda não desceu para o corpo físico. É a densidade elevada da vida que ainda não permitiu que a doença se manifeste. Quando a doença vem ela está auxiliando na canalização da luz e o indivíduo está realizando alguma reforma interna. O

Reiki pode permitir que as doenças se manifestem para curar o indivíduo de modo mais amplo.

Segundo essa perspectiva, de que a doença é algo ligado aos níveis mais íntimos e subjetivos do indivíduo, concorda-se que cada pessoa estaria vivendo um momento próprio de evolução e estado de consciência não se podendo comparar um doente com o outro. Entende- se que o indivíduo esteja inserido em um conjunto de relações mais vastas e não isolado do mundo. Situações de mal estar são de fato resultados de questões sociais, ambientais, familiares, religiosas, mas considera-se que cada caso deva ser visto de modo individual, não sendo possível isentar a responsabilidade de cada sujeito pelo seu atual estado patológico. “Este dado particular impede nós Reikianos de estabelecer certas generalizações com certos problemas. Cada doença é única e intransferível e está ligada à história de vida de cada

14 Pude acompanhar uma experiência de desencarne de uma mulher moradora de um distrito rural da

cidade de Uberlândia. Toda semana por quase um ano um grupo de Reikianos acompanhou o processo patológico dessa pessoa. Ainda quando viva, a paciente relatou melhoras não apenas na dimensão física mas sobretudo psíquica. Do início de sua doença até o seu falecimento ela se mostrou aberta até mesmo a uma iniciação.

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sujeito”. A técnica Reiki até possibilita a constituição de alguns quadros interpretativos genéricos de sinais e sintomas referentes à leitura dos chakras, movimentos, rotação, temperatura; leitura de campos áuricos e suas cores. Eles auxiliam tanto o Reikiano na aplicação, harmonização, revitalização e equilíbrio e servem como sinais orientadores para os pacientes realizarem por si mesmo os trabalhos e as interpretações. Como afirma L.S. é comum alguns pacientes em estado crítico se envolverem após as sessões em uma relação mais duradoura com o terapeuta que chega a realizar interpretações mais elaboradas e orientar caminhos para uma possível reforma interna.

63 2 A TERAPÊUTICA UMBANDISTA ESOTÉRICA

Enfatizando os aspectos locais sem a pretensão no momento de tecer a visão de mundo no seu todo, foi possível, a partir de uma imersão vivencial no campo, participação em grupos de estudo, em sessões terapêuticas de passes magnéticos de preto-velho e entrevistas com médiuns e dirigentes da Casa de Oração, compreender alguns significados atribuídos ao corpo, à saúde e à doença; as representações que nascem deste imaginário; as percepções e experiências somáticas, pessoais e coletivas, que o trabalho mediúnico propicia no interior da prática terapêutica e fora dela.

Observando, e tomando nota das falas de dirigentes, médiuns, adeptos e consulentes foi possível acessar algumas narrativas de base e os elementos centrais na prática e no discurso. Observou-se 1) o conceito de energia e magia – imbricados para o umbandista – como estruturadores das relações entre o homem, seu corpo e o mundo; 2) a perspectiva holística (bio-psico-social-espiritual) também se mostrou comum à prática umbandista. Nela o corpo é tido como um nó de relações através do qual perpassam várias dimensões da existência que não só a biológica. E mais, toda prática terapêutica é voltada para a compreensão dos arranjos interpessoais e sociais, mostrando sempre a importância dada aos pensamentos humanos e das emoções no interior de uma constelação de relações. Toda essa compreensão influencia na interpretação dos fenômenos de saúde e doença; 3) a construção de um conhecimento heteróclito que preza pela síntese entre ciência e tradições espiritualistas do oriente e ocidente o que remete ao caráter híbrido e transcultural da visão de mundo e a mudança de uma perspectiva essencialmente religiosa para uma espiritualista mais esclarecida, racional e idiossincrática; 4) a constituição de uma cultura pautada na transformação da consciência individual e coletiva; 5) a presença de elementos notoriamente psicologizantes, de busca de autoconhecimento, auto-cura, reforma íntima (ethos kardecista), instrução, todos pautados principalmente no desenvolvimento mediúnico como meios de acesso ao mundo interno.

Todos esses fatores observados são estruturadores de uma nova sensibilidade em relação ao corpo menos dualista, que relativiza a dimensão biomédica e que preza por uma compreensão mais sistêmica das relações humanas mediadas, centrada na experiência sensível, na valorização dos aspectos intuitivos e não intelectivos e voltada para interpretações

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simbolistas e subjetivas como meios de tecer sentidos entre o homem e seu meio social, ambiental e cósmico, como meio de religar algum problema a algum sentido mais significativo (BRANDÃO, 1996).