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A Casa de Oração caracteriza-se por ser um espaço terapêutico espiritualista cujo arranjo sintetiza várias perspectivas não apenas religiosas, mas filosóficas e paracientíficas para além da matriz religiosa afro-indígena, cristã e kardecista. Ela valoriza, sobretudo, a síntese entre filosofias esotéricas do oriente e ocidente, conhecimentos científicos, técnicas e práticas exógenas ao universo mais tradicionalista da umbanda propondo novas semantizações e significados culturais ao reinterpretar a “tradicional característica iniciática afro-brasileira” (ORTIZ, 1991) sem abdicar de modo estrito das raízes histórico-culturais, do imaginário mítico15 dos orixás, da cosmologia e de todo o panteão afro-brasileiro, assim como de alguns poucos objetos rituais tradicionais, das mirongas, da magia natural. Todavia, o nítido processo de penetração de outras tradições de pensamento, (teosofia, budismo, hinduísmo, fraternidade branca) conhecimentos caros ao meio Nova Era (cromoterapia, Reiki, yoga), e a abertura também à racionalidade científica moderna não convencional, implicam em uma ampliação do escopo simbólico do grupo construído para além dos quadros míticos fixos e das orientações doutrinárias teógicas cristãs ou kardecistas cristalizadas. Isso retroage sobre a prática umbandista na casa. No que diz respeito à ritualística tradicional esta é entendida mais como um conjunto de técnicas. A ritualística tradicional umbandista com seu conjunto de rituais formalizados, cerimônias, práticas mágicas, mirongas, pontos riscados, pontos cantados, giras, usos de símbolos e objetos rituais, gesticulatória esteriotipada, invocação do panteão africano, dos orixás tem seu arcabouço simbólico reinterpretado a partir de uma perspectiva de nítida relativização da tradição, e adoção de posturas mais racionais e seculares além de influências orientais como a prática da meditação que é interiorizada na casa.

Ainda sobre o caráter híbrido da Casa pode ser observado no conjunto de imagens dispostas na casa e de objetos rituais, a postura ecumenista e eclética que muito a aproxima

15 a constituição da identidade pautada no mito freireano da democracia racial bem expressa na

convivência pacífica entre pretos velhos, caboclos, doutores, com a ressalva de que os médiuns tem uma profunda consciência crítica sobre a história.

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das características próprias às espiritualidades contemporâneas ou religiosidades pós- tradicionais. Vê-se no local dos trabalhos de atendimento fotografias do fundador da umbanda Zélio, de Papa Francisco e santos católicos, do guru indiano Sai Baba, imagens dos mestres da fraternidade branca, pretos-velhos, cientistas, o médico criador da apometria (técnica utilizada na casa), de intelectuais umbandistas renomados como Rubens Sarraceni e Robson Pinheiro, de espíritas como Alan Kardec, Chico Xavier, Dr. Hansen, Bezerra de Menezes, pontos riscados, símbolos orientais (Yin e Yang), cabalísticos, mensagens e orações ecumênicas, além das tradicionais imagens míticas dos orixás e dos santos cristãos sincretizados. No altar central, na mesa, encontra-se a imagem de Pai Benedito, o mentor dos trabalhos e guia do dirigente, a de Ramatis no centro da parede e acima dele a de Jesus Cristo, um arranjo intencional a fim de demonstrar quais são as raízes o pilar e a meta.

Este caráter “universalista” e ecumênico por um lado, digamos híbrido e plástico, além dessa transdisciplinaridade é uma constante nas falas de médiuns e adeptos da Casa. Um dos médiuns por sinal já havia sido iniciado em práticas de meditação sahaja yoga, e o zelador da casa confirma sua participação em práticas de meditação direcionadas à bhakti yoga. E, perguntando aos muitos consulentes nos momentos anteriores aos trabalhos acerca de seus itinerários terapêuticos eles revelaram que buscam não apenas a casa, mas criam caminhos alternativos diversos na busca por alivio da dor, sofrimentos físicos e psíquicos. Além disso, a casa possui inúmeros médiuns que praticam yoga, tai chi, aplicam Reiki em outros espaços, frequentam centros espíritas, o daime, são adeptos das terapias alternativas, grupos de meditação como Bhrama Kumaris, Sathya Sai Baba e até mesmo Sahaja Yoga.

Para se ter um exemplo na casa são ministrados estudos de aprofundamento e desenvolvimento mediúnico, apometria, passes magnéticos, magia e até mesmo estudos de física quântica relacionados à magia. Tem-se ainda o objetivo de ampliar o escopo dos conhecimentos trabalhados ali devido ao fato de que é comum encontrar umbandistas que se iniciaram em TCI’s e mesmo em formações holísticas como na Unipaz. Alguns pensam em até mesmo tranformar a casa em um instituto, possibilidade que o idealizador rejeita, pois preza-se pelo aspecto informal e pela simplicidade, o que segundo ele daria mais resultados em termos espirituais e repercussão coletiva. Nesse sentido, mantém-se o foco dos trabalhos nos passes de preto-velho, caboclo, na apometria e nos estudos tradicionais de magia branca e apometria, sendo todos os outros secundários e utilizados para o enriquecimento do trabalho principal.

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Essa característica eclética pode ser resumida por um pensamento do espírito de Ramatis psicografado pelo médium Norberto Peixoto.

...todos os livros sagrados e sabedorias orais estão contidos nos ensinamentos da umbanda. É normal enxergardes um Pai João ou Caboclo Roxo [em inúmeros terreiros] recitando Jesus, Buda, Krishna, Zoroastro ou Confúcio; todos são importantes, todos são bem-vindos. Baforadas xamânicas, magnetismo, medicina ayurvédica, ervas diversas, cromoterapia (...) Os espíritos do outro lado, que acompanham o Planeta Azul desde muito tempo, viveram o esplendor da Índia, as maravilhas do Egito, a magia indígena e africana sem distorções e são unânimes em reconhecer na umbanda sua universalidade, neste momento cósmico da formação da consciência coletiva que abrirá as mentes para a convergência (PEIXOTO, 2003, 31).

Como afirma o dirigente W.T. os trabalhos da casa seguem principalmente os ensinamentos de Ramatis pautado no ethos cristão e também em princípios orientalistas. Os ensinamentos são canalizados mediunicamente e estão em inúmeros livros lidos conjuntamente pelos médiuns da casa nos grupos. Ainda segundo W.T.

Ramatis traz as chaves do hermetismo na umbanda, da magia cristã com fundamento no amor a todos os seres e reinos da natureza. Além disso, ele traz a síntese das tradições espiritualistas do ocidente e do oriente. Ensina também uma nova ciência que não mais separa o espírito do corpo e a matéria da energia como já revelaram os cientistas que estudam a relatividade, a quântica. Esse conhecimento não é só da umbanda, é universal e pode ser encontrado em todas as religiões e nas ciências mais avançadas (W.T).

Como afirma W.T, Dona Graça, “a sabedoria umbandista, não só a da casa”, pois acreditam que esse seja um movimento coletivo, “está em movimento e atende não somente as necessidades desse grupo, do corpo de médiuns que o compõem e daqueles que aqui frequentam”. Como diz Dona Graça, “a gente é dessa umbanda, uma nova história dentro da umbanda, porque a umbanda que a gente conheceu lá atrás era umbanda que depois de meia noite faziam trabalhos ocultos, ...nossa umbanda é do esclarecimento, nossa umbanda é diferente, é de Ramatis”.

A constituição do espaço, pensado não apenas como um projeto individual de seu idealizador (W.T.) seria segundo o mesmo a expressão de uma vontade coletiva maior, dizem os dirigentes. Essa vontade coletiva seria um dínamo espiritual capaz de agregar via energética sutil inúmeras pessoas que buscam outras formas de compreensão e tratamento do corpo, da doença, da angustia, da morte. Como diz: “as vibrações dos guias e protetores da

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casa (pretos e pretas-velhas, eres, caboclos) é que trazem essas pessoas aqui, e essas pessoas não estariam aqui se não estivessem vibrando nessa mesma freqüência”. Energia ou magia – termos afins e moeda vital na umbanda – associada a pensamento, sentimento, ectoplasma, vibração é o fator agregador segundo a lei da afinidade, é ela quem atrai as pessoas até ali, o que segundo ela revela que mundo humano e realidade espiritual não estão separados.

A umbanda da Casa de Oração, que é chamada de umbanda brasileira, estaria nesse sentido acompanhando o próprio momento histórico da sociedade que é o tempo da Nova Era, da era de aquarius para os dirigentes e muitos médiuns. Essa era possibilitaria uma expansão da consciência e uma nova compreensão da realidade.

A umbanda na Nova Era é uma umbanda cada vez mais transparente. A era de aquarius é a era da clareza. Você vai em um centro e eles te escondem tudo. Aqui tem que se mostrar a transparência e a pessoa vai sentir essa luz divina. Vai ter um tempo em que não vai precisar da umbanda. Nós vamos evoluindo e não vamos precisar mais disso. Nova Era é era de revelação, esclarecimento. Saint Germain falou prá mim que a partir de hoje nada pode ficar em cima do muro. A era de aquarius é pra clarear tudo. Aquarius é o que? É uma água transparente. Tem pessoas que vêm aqui e falam que não gostaram de outros locais porque não falam nada, manipulam as situações. A umbanda tem que ser transparente.

Dentre inúmeras características observadas da casa como, respeito às diferenças culturais, às biografias e subjetividades seja de adeptos e médiuns; uma nítida busca por autoconhecimento, desenvolvimento do eu (reforma íntima nas falas dos médiuns embasada na ética kardecista cristã), de busca por instrução e clareza das informações acerca da realidade espiritual tidas como um fato científico; desenvolvimento de qualidades mediúnicas associado à necessidade de percepções e experiências místicas; envolvimento espiritual e afetivo com a natureza, os elementos e respeito a todos os seres; responsabilidade social e voluntarismo caritativo estaria próxima da cultura New Age propiciadora de uma nova consciência nascente. O próprio idealizador W.T. se utiliza do termo Nova Era e era de aquarius para designar uma nova consciência coletiva nascente, menos dogmática, claramente esclarecida pela razão mas por outro lado mais experimentalista e expressionista, voltada para a cura interior e para o desenvolvimento mediúnico (vidência, telepatia, intuição), o que ele chama de salto de consciência, mudança de consciência para a 4ª dimensão.

Os valores desse ethos e visão de mundo propugnado pela casa responde à consolidação de uma cultura voltada para o despertar de uma nova consciência ou consciência

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cósmica desencadeadora de transformações e cura em âmbito pessoal, coletivo e ambiental, mudança dos padrões de comportamento, hábitos e costumes. Essa consciência para a Nova Era que pode ser expressa pela alteração do campo vibracional do ser humano seria o meio para a meta final de realização de uma suposta harmonia cósmica pautada no principio de evolução individual e coletiva do planeta, de fraternidade cristã entre os homens e os seres humanos e não humanos, naturais e sobrentaurais o que não se daria sem dificuldades e lutas no plano espiritual.

Ainda nessa linha Dona Graça, uma das zeladoras da casa, confirma que a umbanda atual corresponde a um movimento de transformação ampla das consciências. A mesma fala da “importância da formação de pequenos grupos” como uma característica dessa nova consciência e a casa conformaria essa nova organização. Os pequenos grupos ofereceriam uma possibilidade mais intimista e de abertura do indivíduo para as coisas da alma, da sensibilidade e do coração. Isso coaduna com a fala de uma médium, N.O. “o diferencial da umbanda na casa de oração é a liberdade de pensamento, de crença, a amizade entre as pessoas independentemente do credo. A umbanda da Casa de Oração não é como uma religião comum, ela é mais um espaço espiritualista, aqui o tratamento é diferente”. Essa liberdade de pensamento que poderia estar associada a um processo idiossincrático de autonomia fica bem explicita, no caso, pela observação do quadro das entidades mediunizáveis na casa que acabam expressando claramente a biografia do médium. Existe, assim, uma nítida flexibilização e ampliação de formas, relações e tipos de entidades mediunizáveis, paralelas a demandas de flexibilização na construção das identidades individuais como demonstrou D’Andrea (1996). Nesse sentido, além do panteão tradicional de entidades sobrenaturais outros inúmeros personagens descem sobre o terreiro: ciganas, médicos, hindus, monges, extraterrestres, pretos-velhos, doutores, indígenas que podem se manifestar multiplamente num mesmo evento de incorporação, espelhando os dilemas concretos das vidas de médiuns e consulentes.

2.2 Cosmologia umbandista: a centralidade dos termos vibração e energia na