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A universidade como sistemas de mediações na conformação da sedução institucional

ANO DOCENTES

7. ADESÃO E ESTRANHAMENTO EM RELAÇÃO À SOCIABILIDADE PRODUTIVA

7.1 As tessituras da manipulação da subjetividade docente

7.1.1 A universidade como sistemas de mediações na conformação da sedução institucional

A Psicossociologia do Trabalho tem nos auxiliado a compreender o funcionamento das teias de manipulação da subjetividade através do inter-relacionamento de mediações políticas, ideológicas, econômicas e psicológicas por meio do qual as contradições advindas do universo institucional (ritmo elevado de trabalho, dureza das regras, política agressiva da instituição etc.) são, em certa medida, destituídas de sua conformação social para se apresentarem sob a falsa acepção de problemas de ordem psicológica do indivíduo. Sistema refratário das contradições que permite a construção de estreito vínculo afetivo e psicológico com o trabalho:

Talvez, ainda mais importante que as mediações internas a cada instância sejam as mediações entre as instâncias. A possibilidade de ter iniciativas no trabalho faz aceitar a sua dureza. Da mesma forma a adesão aos "grandes princípios" faz aceitar a ideologia da empresa. E mais, o prazer que se tem pelo trabalho, do qual se aprende a não abdicar. Inversamente, o salário, as alegrias do poder que cada um à sua maneira desfruta, de uma forma ou de outra, a seu nível, amenizam as dúvidas, os escrúpulos morais que possam nascer; fazem com que se suportem os conflitos inerentes ao sistema psicológico, a angústia permanente, o vazio interior, a pobreza da vida particular e das relações sociais. Trata-se de uma organização sistêmica em que os diversos tipos de mediação se relacionam mutuamente, vêm tampar os buracos sufocando as contradições nascentes. Porque sua lógica é comum, trata- se de um sistema coerente, orientado para a subordinação, para o enquadramento do indivíduo no seio de uma ordem global econômica-política-ideológica-psicológica definida centralizadamente (PAGÈS et al., 1990, p. 29).

No universo acadêmico, Silva (2013a; 2013b), em suas análises, estabeleceu uma série de interlocuções entre os conceitos da Psicossociologia do Trabalho e a realidade do acadêmico brasileiro. Nosso estudo está na esteira desse processo em que compreendemos que esse sistema de poder se constrói no inter-relacionamento das referidas mediações, assumindo a finalidade de deslocar as contradições face o projeto e as políticas adotadas pela universidade para a dimensão psicológica do profissional, permanecendo latente e inconsciente. Neste sentido, este sistema de poder se não se impede por completo, pelo menos dificulta a irrupção das contradições, favorecendo a adesão dos professores a determinado projeto de universidade, ideal de trabalho e perfil profissional.

Tendo por base estas relações, o foco deste item está em examinar as teias de poder existentes na manipulação da subjetividade do professor da pós-graduação da UNESP, a fim

de extrair o papel desempenhado pelas mediações políticas, econômicas, ideológicas e psicológicas e suas consequências para o professor.

As normas e o sistema de avaliação institucional e do trabalho são duas importantes mediações em nível político e ideológico que estão inter-relacionadas. Elas se apresentam pela substituição de um modelo disciplinar característico do fordismo-taylorismo e surgem sob a aparência de um modelo menos repressivo e mais sedutor. O deslocamento desta forma de atuação, comandada pelo atual paradigma gerencial, propicia que se passe, conforme Gaulejac (2007), “do controle dos corpos à mobilização do desejo” (p. 109), “do emprego do tempo regulamentado para o investimento ilimitado de si mesmo” (p. 110) e da “submissão a uma ordem ao engajamento em um projeto” (p. 113). Cria-se um novo nexo psicofísico cuja base está na apropriação da energia psíquica como fonte de trabalho.

No sistema universitário brasileiro, o atual modelo de avaliação conduzido pela CAPES no que tange à regulação da pós-graduação brasileira, tem correspondência com os modelos avaliativos adotados pelas universidades, dentre elas a UNESP, sendo que sua base de sustentação está na concepção de distribuição de recursos adotado pelas agências de financiamento à pesquisa. A ciência hoje recebe financiamento seja por meio da indução de pesquisas empreendida por estas instituições, com destaque para o CNPq (KATO, 2013) ou por meio da avaliação do desempenho acadêmico das instituições e de seus atores. O paradigma utilitarista e a constante busca em medir e apontar índices da atividade humana, inscrevendo-a numa matematização do real (quantofrenia) é a cartilha que rege estes modelos de avaliação (GAULEJAC, 2007). Constrói-se, desse modo, sofisticada panóplia de mecanismos de regulação do trabalho centrado na comparação e hierarquização dos desempenhos dos atores e das instituições e, atrelado a isto, se tem uma série de normas e discursos que servem como base de sustentação ideológica ao modelo avaliativo existente.

O próprio caráter matemático dos instrumentos de avaliação faz esta mediação política e ideológica, favorecendo a adesão dos professores aos valores e às normas de produtividade existentes na instituição universitária. Isto, pois, o viés matemático do instrumento vende uma imagem de objetividade, neutralidade e segurança frente aos conflitos e jogos de poder (GAULEJAC, 2007). Nesta direção um entrevistado fez uma defesa desta neutralidade matemática do sistema de avaliação universitário, dando-lhe confiança frente ao arbitrário das relações humanas:

A forma que a CPA avalia, pode ter milhões de defeito, mas ela é matemática, então, evita o subjetivismo de eu ser amigo do chefe de departamento e ele me avaliar bem e o outro discordar

dele e ele avaliar mal. Evita a subjetividade, porque eu fiz 230 pontos numa planilha que tinha que fazer 70 pontos. Eu vou discordar da minha chefe sempre que eu quiser discordar. Ela não pode forjar os dados de uma planilha. A planilha tem defeitos, mas ela é matemática. Eu lanço ali o que comprovadamente eu tenho e o Excel pontua. Não sou eu quem estou inventando essa pontuação. Ela pode discordar de mim, mas ela não pode alterar isso (ROBERTO, 2015).

O viés matemático do instrumento avaliativo propicia ao entrevistado, ainda que apenas na aparência, a construção de uma sensação de segurança quanto ao arbitrário das relações de poder. Esta segurança configura-se em uma tergiversação ideológica em face da aparência de neutralidade e a objetividade do instrumento, permitindo ao ator envolvido legitimar para si o ideal proposto pela universidade e a sua adesão a ele. Já quanto ao viés ideológico do instrumento avaliativo:

A aplicação de uma modelagem matemática não fornece os meios para refletir sobre as origens e sobre as significações desses modelos. Os instrumentos que parecem ser os mais “objetivos”, como os quadros de organização, os balanços de atividades, os dados financeiros, induzem hábitos, esquemas mentais e comportamentos. Eles modelam a realidade conforme normas preestabelecidas, que se tornam quantidade de críticas de que é objeto por partes de agentes que sofrem seus efeitos. Eles permitem tornar públicos os resultados de cada um, de efetuar comparações, de produzir equivalências entre o trabalho de uns e de outros. Eles introduzem uma aparência de objetividade em um mundo de concorrência e de contradições. Tranquilizam uma vez que parecem limitar o arbitrário e a incerteza. (...) Dão o sentimento a cada assalariado de ser tratado como os outros. Os instrumentos de gestão não são contestados por não serem confiáveis, mas porque parecem colocar transparência onde reina o arbitrário, objetividade onde reina a contradição, segurança em um mundo instável e ameaçado. A existência das regras do jogo, consideradas como guias da ação de cada um, e medir os efeitos delas é tranquilizador (GAULEJAC, 2007, p. 101).

A neutralidade e objetividade destes instrumentos avaliativos são questionáveis por ocultarem os pressupostos, os valores e as intencionalidades inscritas nas normas e nos indicadores avaliativos. Modelam-se, dessa forma, os valores e comportamentos dos profissionais de acordo com os interesses das instâncias decisórias, ainda que possam estar relativamente dissociados da realidade do fazer docente e do sentido autêntico atribuído por eles. Neste sentido, a suposta neutralidade e a objetividade dos instrumentos avaliativos na universidade não defendem o profissional das perseguições e dos conflitos, ao contrário os ocultam e os reforçam por meio da exacerbação de uma constante competição por desempenhos profissionais. Esta situação emergiu de forma contraditória em outro relato de Roberto, evidenciando que, por mais que ele tenha ressaltado a positividade do instrumento avaliativo, vivência de forma inconsciente as consequências nefastas desta avaliação matemática na promoção de boicotes e perseguições no universo acadêmico:

Eu acho que não tem quem não se sinta pressionado a produzir mais. Isso tem. Aqui, na UNESP, como docente, a gente tem a avaliação. Então, a gente tem que fazer 70 pontos no ano e uma média de 70 pontos no triênio. Eu fiz 230 pontos e as pessoas falam que isso é loucura, porque se ele faz 230 a instituição vai julgar que 70 é pouco e vai querer mais e eu vou ter que trabalhar mais. E a pessoa começa a te sabotar. Eu acho que isso existe. É implícito, ninguém declara, mas eu acho que isso existe em situações como essa. Eu vou rejeitar o projeto, dizendo as coisas mais absurdas, porque se ele conseguir mais um financiamento da FAPESP, ela já tem uma tese, já tem um financiamento de pesquisa, já conseguiu verba para evento. Isso vai fazer ele pontuar muito. Então, por isto que normalmente a FAPESP não manda para colegas pares da mesma instituição, pelo menos eu imagino que não. Mas, no caso do PIBIC/CNPQ eu já recebi uns pareceres que eu falei „gente, essa pessoa está boicotando o meu trabalho, porque não tem razão nenhuma dele dizer isso‟ e entrei com recurso e foi pior ainda. Esse tipo de situação eu acho que acontece, mas acontece em qualquer lugar que tenha dois seres humanos, já acontece (ROBERTO, 2015).

A dimensão dos conflitos no universo laboral será melhor examinada na próxima seção, mas conclui-se que o viés matemático dos instrumentos avaliativos assume a finalidade de transparecer uma falsa ideia de segurança e de proteção ao arbitrário, cooperando para seu aguçamento em decorrência das competições. Isto porque, o instrumento está acompanhado de ideias ideologicamente fraudadas de autossuperação, excelência profissional e sucesso, sendo elas indutoras de uma corrida sem fim: “o ideal contemporâneo é ser competitivo, custe o que custar” (GAULEJAC, 2007, p. 164).

Já a mediação ideológica, obtida pela difusão de uma série de valores que na aparência são elevados, contribui para a manipulação da subjetividade (AUBERT; GAULEJAC, 1991; GAULEJAC, 2007; PÀGES et al., 1990). As empresas, a mídia e parte da literatura acadêmica, como os autores motivacionais, constroem um novo perfil de profissional adaptável e supostamente hiperprodutivo:

A apologia desse “novo ser no trabalho” faz-se por meio de uma farta literatura produzida na área da administração de empresas para a gestão de pessoas. Esse ideário vem sendo partilhado por executivos e instituições educativas, órgãos governamentais que atuam no campo educativo e nas políticas de emprego. Não podemos excluir dessa lista as entidades sindicais de trabalhadores que atuam no campo da formação profissional. São disseminadores, ainda, os cursos de MBA, de administração e gestão de negócios, treinamentos no âmbito das próprias empresas, entre outros. A prática discursiva e seus principais enunciados também envolvem a grande mídia e um amplo mercado da literatura de autoajuda. O conteúdo, via de regra, relaciona-se à adaptabilidade do homem novo ao mundo produtivo, flexível e volátil (PIOLLI, 2011, p. 179).

O profissional que surge constrói para si um imaginário social fraudado de que o gosto pelo desafio e a competição entre os pares são positivos, ou ainda de que a busca pelo sucesso e a excelência profissional podem ser socialmente obtidas a depender do investimento de cada um. No entanto, estes discursos, construídos sob verniz neutro e rigoroso, escondem a construção de uma caricatura da realidade como forma de garantir maior envolvimento do

profissional no trabalho e a adesão ao projeto das instituições empresariais. Como exemplo, em análise dos manuais de conduta profissional, Gaulejac (2007) conclui que eles são desprovidos de significados efetivos: “um discurso insignificante é um discurso que se fecha continuamente sobre si mesmo, cada termo podendo ser substituído por um outro em um permanente sistema circular” (GAULEJAC, 2007, p. 89-90).

A doutrinação ideológica que acompanha estes discursos está na base da manipulação da subjetividade. O relato a seguir dá mostras de como eles chegam ao professor e da ligação que se constrói entre o indivíduo e os valores gerenciais:

Tem um desses grandes escritores sobre motivação em empresa (ele é um desses “bambambãs” que vendem livros como ninguém) e ele fala que reuniões em 30-40 minutos você resolve, o resto é divã e, eu concordo plenamente com ele, sabe?

(...)

Uma das coisas que eu trabalho muito é com as inteligências né, eu acho que a inteligência emocional é uma das que define o seu autocontrole para todas as outras. Então, se você não tem uma inteligência emocional muito bem articulada você não vai ter todos os problemas que em geral os professores têm: stress, depressão (VILMA, 2014).

Estes discursos no universo laboral favorecem a dissolução da instância crítica, construindo um pensamento relativamente passivo entre o trabalhador e a realidade do trabalho (GAULEJAC, 2007). No relato em específico, pode-se ver certa transferência de responsabilidade na garantia do bem-estar docente, isentando a organização do trabalho (suas normas, critérios avaliativos etc.) e responsabilizando a dimensão individual do profissional: sua inteligência emocional. O controle emocional, embora importante para o equilíbrio psíquico do trabalhador, de forma alguma está desatrelado das condições fomentadas pela organização de trabalho.

Além da busca pela dissolução da instância crítica do trabalhador, estes discursos têm procurado construir um superinvestimento no trabalho. A linguagem da excelência profissional tem traduzido bem esta busca pela doutrinação ideológica. A internalização do culto da excelência pelo professor tem cooperado para construir maior responsabilização no trabalho, como a deixou em evidência em dois momentos:

Assim para mim fez diferença vir para a UNESP, em que sentido: estar na pós-graduação me dá mais condições de trabalho, tá? Porque tenho alunos excelentes porque eles estão em um programa de excelência de verdade. Então, assim, eu tenho alunos hoje melhores, tá? Na graduação os alunos hoje podem fazer pesquisa, onde eu estava só alguns podiam, pois a maioria trabalhava muito. Isto mudou e, isto hoje me dá mais trabalho: eu trabalho muito mais, tá? Porque eu oriento muito mais e isto, também, dá prazer porque a relação com os alunos é outra

Em outro momento, a entrevistada deixou em evidência outro relato que mostra essa cobrança desmensurada no trabalho:

É, mas isto não é somente na universidade pública, na particular quando eu fui para a pós- graduação eu fazia tudo isto, né? (...) Como eu coordenava a pós de lá, já era uma sobrecarga. (...) As pessoas falam assim: é mais pressão se você está na pública. Para mim é mais pressão porque é um programa com nota maior. Então, o que eu percebi é que a pressão é minha. É uma pressão pela qualificação da pesquisa constante. Lá eu tinha esta pressão, mas a exigência para um programa nota Y é diferente da exigência de um programa nota (X) (CLAUDIA, 2014).

Um movimento de introjeção destes discursos, neste caso o da excelência da pós- graduação, tem colaborado para o professor construir para si maior pressão e consequentemente maior envolvimento no trabalho, sob um viés relativamente menos crítico e consciente. A projeção de si no ideal proposto pela universidade é outro movimento por detrás deste sistema de manipulação da subjetividade, neste caso objetivado pelo professor e seus alunos serem de excelência por estarem em um programa de excelência. Como conclusão, tem-se a identificação com o ideário da excelência, atendendo-o ainda que o custo seja elevado para seu bem-estar. A m entre o inconsciente individual do profissional e a imagem da instituição efetivada a partir dos mecanismos de projeção, introjeção e identificação ainda serão melhor examinados neste tópico, tendo por base as contribuições de Aubert e Gaulejac (1991) e Pagès et al. (1990).

A relevância social do trabalho do professor da pós-graduação para a formação das novas gerações, para a melhoria da educação e para o progresso científico, embora, seja irredutível a natureza deste ofício, não raramente tem sido elencada como mecanismo de cooptação aos valores e normas institucionais. Sob a perspectiva desta apropriação do sentido ético-político do trabalho docente, a que mescla-se com sua irredutível consubstancialidade, o relato a seguir o deixa evidente:

Não acho que seja um mau salário, em termos de Brasil, não é um mau salário [não, não é], mas é isso, não faz jus ao quanto a gente trabalha. Então, assim, eu trabalho por idealismo, acho que a maior parte das pessoas trabalham, porque eu acredito que vai modificar, que estou fazendo um trabalho de formiguinha, que dos 60-70 alunos para quem eu dou aula, tem um ou dois [risos] que vão seguir esses passos e que vão fazer da educação algo melhor, etc., é isso (BRUNA, 2014).

A entrevistada, inclusive narra em relato examinado em seção anterior, seu envolvimento subjetivo face a possibilidade de cooperar progresso científico: “Eu gosto disso que eu faço, eu gosto de estudar, gosto de descobrir coisas novas e gosto de saber que isso serve para, pode ser útil para alguma coisa”. Ou ainda, de contribuir para a formação das

novas gerações: “O que me move é isso, saber que eu estou trazendo uma informação nova ou que estou aproximando uma informação de alguém que tinha essa informação muito distante e fazer isso vai contribuir para melhorar alguma coisa social, na educação”.

O trabalho docente inegavelmente possui essa dimensão ético-política em seu ofício e ela é fundamental para mobilização subjetiva do agir do professor e para conversação do sofrimento em prazer - dimensões já analisadas em seção anterior. O problema é que o atual ideário gerencial existente no mundo do trabalho tem procurado fraudar, em certa medida, este sentido social, a fim de cooptar a sua subjetividade. Assim, ele tem sido malversado, ainda que sob uma série de contradições e limitações, como ferramenta que procura garantir a adesão do professor aos valores institucionais e a fomentar um investimento excessivo no trabalho. Pagès et al. (1990), investigando o universo empresarial, bem mostram a fraude a que está envolta a dimensão ideológica do profissional:

O indivíduo só pode aderir a um sistema de valor coerente com sua experiência própria se este lhe permitir ao mesmo tempo torná-la inteligível e valorizá-la. O empregado de uma empresa multinacional precisa saber se o que ele faz contribui para a transformação do mundo, que ele participa efetivamente, e para o qual pode colaborar cada vez mais. A força de TLTX está em ter conseguido persuadir e convencer cada indivíduo que, de seu trabalho, por mais modesto que seja, depende a vitória do conjunto da empresa e até mesmo o futuro da humanidade, apesar do aumento da divisão de trabalho e da especialização. Assim, o indivíduo sente sua atividade supervalorizada e, graças à organização, se sente participante de um processo social que o transcende e lhe permite identificar-se com seu poder, mesmo que este o destrua (PAGÈS et al., 1990, p. 78).

O universo empresarial e o acadêmico, ainda que significativamente distintos, são alvos desta dimensão ideológica aplicada pela organização do trabalho. O professor, envolto na manipulação de seus valores essenciais, acaba cooperando para a exploração de si, ainda que o desaparecimento da função autêntica do sentido ético-político jamais seja plena. Os valores do indivíduo, em certo sentido, ao serem fraudados pelo ideário institucional, levam o professor a internalizar as pressões no trabalho: “porque você é obrigado a ser super bom em tudo: super bom professor, super bom pesquisador, super bom gerenciador e super bom orientador” (BRUNA, 2014), a construir um superinvestimento e a compactuar com as normas institucionais de desempenho acadêmico. Esse envolvimento com os valores institucionais que compõem o sistema universitário brasileiro será, ainda, melhor analisado no decurso desta subseção.

A dimensão econômica completa este sistema de mediações cujo foco recai na construção do liame entre o indivíduo e a instituição (AUBERT; GAULEJAC, 1991; PAGÈS

et al., 1990). O fator econômico - advindo pelo salário do professor universitário ser relativamente superior à média recebida pelos trabalhadores brasileiros, a possibilidade de progredir de carreira e obter financiamentos a partir do trabalho (inclusive complementações salariais via bolsas) e de se reduzir as discriminações sociais (de gênero, origem social etc.) em face da isonomia salarial são dimensões que cooperam para o professor ter reduzido suas contradições laborais e para investir esforços na cooperação do ideal proposto pela

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