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ANO DOCENTES

6. ENTRE AGRURAS E DELEITES: O SENTIDO DO TRABALHO E AS RELAÇÕES ENTRE SOFRIMENTO E PRAZER NO OFÍCIO DO PROFESSOR DA

6.1 Quem são os professores da pós-graduação da UNESP?

Nesta subseção apresentaremos o perfil do corpo docente da UNESP que participou de nossa pesquisa. A UNESP, como um todo, possuía em 2015, 3.826 professores ativos (UNESP, 2016). Deste universo, analisamos docentes de dois consolidados programas de pós- graduação da área de humanidades, os quais juntos possuíam 60 profissionais credenciados. Do total, obtivemos a participação de 36 professores no questionário, enquanto na entrevista participaram 10 docentes.

A grande maioria (94,4%) dos participantes do questionário trabalha em três departamentos, os quais possuem, sob um relativo ponto de vista, alguma proximidade disciplinar. Os demais 5,6% atuam em outros departamentos, por vezes, de unidades distintas. Mas, na entrevista optamos por investigar apenas aqueles que eram lotados no campus de referência que se encontra os dois programas de pós-graduação perscrutados.

A distribuição dos respondentes no questionário entre os programas de pós-graduação foi de 58,3% em um, e de 41,7% em outro. Já na entrevista, optamos por analisar igual número de professores de cada programa de pós-graduação. Mas como nossa opção analítica não é comparativa, nós não faremos tais distinções nas análises das entrevistas.

Os professores se distribuem entre os regimes de trabalho, entre 94,4% RDIDP, podendo dedicar-se de forma integral ao trabalho acadêmico, enquanto 5,6% são aposentados. Inclusive, na realização da entrevista, optamos por investigar docentes nas várias fases da carreira acadêmica, mas somente o fizemos daqueles que estão em atividade.

Os docentes que responderam o questionário, em sua maioria, são do sexo feminino (69,4%) e possuem, pelo menos, um filho (72,2%). Há relativo predomínio daqueles que possuem uma relação marital: 50% casados e 5,6% com união estável. Tendo, ainda, 5,6% de viúvos. Mas se juntarmos os solteiros (19,4%) e os separados (19,4%) chega a quase 40%, o que pode ser um indicativo preliminar da dificuldade vivenciada por estes profissionais para manter relações estáveis no atual contexto de trabalho.

A distribuição entre os grupos etários obedece a seguinte configuração: trinta anos (25%), quarenta anos (16,7%), cinquenta anos (36,1%) e sessenta anos (22,2%). Tais percentis apontam para certa renovação do quadro docente. Realidade ratificada por haver predomínio de professores com menos de 10 anos de trabalho na UNESP (41,7%), sendo que apenas 5,6% estão a mais de 30 anos na UNESP. Os demais grupos são bem distribuídos: entre 10 a 20 anos (22,2%) e de 20 a 30 anos (27,8%).

Além disso, boa parte dos docentes nunca trabalhou em outra instituição (41,7%) e a maioria que atuou em outros locais permaneceu menos de cinco anos (25%) ou entre cinco e dez anos (19,4%). As demais distribuições são: 11 a 15 anos 8,3%, 16 a 20 anos (2,8%) e 26 a 30 anos (2,8%). Estes dois últimos casos são professores que, após aposentarem em suas instituições públicas de origem, prestaram novo concurso público para UNESP. Mas, com exceção destes, a maioria do corpo docente trabalhou boa parte de sua trajetória na UNESP, de forma a terem condições temporais para criar vínculo com a universidade.

Em relação às instituições que cursaram a pós-graduação, se verificou que todos concluíram o mestrado em universidades paulistas: UNESP (33,3%); USP (33,3%); UNICAMP (16,7%); UFSCar (5,6%), sendo que, 11,1% fizeram doutorado direto. A mesma concentração ocorreu com o doutorado, pois 91,6% o fizeram no estado de São Paulo: UNESP (38,9%); USP (38,9%); UNICAMP (13,8%), sendo que, apenas 2,8% cursaram na PUC-Rio e 5,6% no exterior.

Já abarcando o desenvolvimento ordinário do trabalho docente, a grande maioria dos participantes possui ativa atividade de orientação na graduação, pois 86% orientam na iniciação científica e 80,6% em trabalhos de conclusão de curso (TCC). Nesse último caso, há certa exigência pela instituição de que os professores tenham alunos de TCC sob sua responsabilidade.

Na pós-graduação a orientação igualmente tem-se tornado uma rotina bastante ativa, pois 75% orientam no mestrado, 72,2% no doutorado e 25% em pós-doutorado. Como é bastante fragmentada a distribuição de orientandos no questionário, os dados estatísticos da UNESP seriam mais ilustrativos. A média de pós-graduandos por orientador é de 4,16, possuindo professores com um único orientando, enquanto outros possuem oito estudantes sob sua responsabilidade (SISPG, 2016). Estes índices apontam um envolvimento do profissional nessa atividade senão a existência de indícios de acúmulo de trabalho.

No que tange às produções mais afins ao trabalho científico, o envolvimento do professor continua intenso. Dados do questionário mostram que em 2013: 27,8% organizaram

coletâneas; 66,6% publicaram, pelo menos, um artigo em periódico; 58,3% publicaram trabalho em anais de eventos científicos; e todos apresentaram, pelo menos, um trabalho em evento científico, sendo que, 80,6% proferiram palestras ou conferências. Complementando tais dados, têm-se que no triênio de 2010-2012 os dois programas juntos obtiveram a média de produção por docente de 10,2 e 18,2, respectivamente (CAPES, 2013) - conforme reportado na seção 4. Neste sentido, estes números apresentam expressivo índice de produção científica, especialmente entre os docentes do programa de pós-graduação que teve maior média de produções acadêmicas.

O ensino na graduação, segundo análise do quadro de horários e o relato de alguns professores, se concentra em média em 10 horas/aula semanais, descontando o tempo destinado a preparação das aulas. Já na pós-graduação a jornada no ensino é mais flexível, pois é requerido ao docente oferecer disciplinas a cada dois anos. Mas no semestre que ele oferece aula, normalmente ela possui uma carga extra de 4 horas/aula semanais, mas pode haver disciplinas concentradas e, muitas vezes, elas são ministradas por mais de um professor.

A multiplicidade de demandas laborais acrescido da crescente exigência por produtividade acadêmica está na base deste acúmulo de trabalho. Compreender a real distribuição do tempo trabalho dos professores não foi possível, pois assume grande variação a depender da época. Ademais, o estreito entrelaçamento de algumas atividades e a imprecisão na contabilização do tempo destinado a tarefas como o ensino (alguns consideraram o tempo em sala, outros acresceram ao de preparação das aulas) cooperam para esta dificuldade. Se a contabilização não foi possível, os números de produção acadêmica, orientandos e de carga horária no ensino permite indicar que, normalmente, a dedicação ao trabalho ultrapassa as 40 horas destinadas no contrato de trabalho. Inclusive, foi consenso entre os entrevistados a sobrecarga de trabalho. Nesta direção, cabe apontar, que 88,9% dos professores consideram seu trabalho, em alguma medida, intensificado: 72,2% intensificado e 16,7% parcialmente intensificado. O quê evidencia que a intensificação do trabalho acarreta expressiva fonte limitação de prazer, geração de sofrimento e adoecimento, conforme será examinado nas seções 6 e 7.

O professor sobrecarregado profissionalmente não raramente estende sua rotina de trabalho aos feriados e finais de semana. Entre os respondentes do questionário, 80% assim afirmam; seguido pelo afazer doméstico (77,1%); cuidar dos filhos (40%) e fazer compras (54,3%). Estes indicadores podem estar relacionados, em certa medida, ao predomínio do gênero feminino entre os docentes examinados. Sendo-o fruto de uma sociedade, ainda,

culturalmente machista. Sobre esse aspecto, Fabbro (2006) nos adverte que as professoras não só tem seus desempenhos acadêmicos são afetados pelas demandas familiares, como vivenciam de forma mais intensa a sobrecarga de atividades, pois o trabalho acadêmico se imiscui com o cuidado com a casa e com os filhos.

Já o lazer, por mais que seja invadido pelo trabalho, ele não está ausente: 82,9% se referiram a atividades sociais como reuniões com amigos; 80% a entretimentos domiciliares; e 77,1% a atividades artístico-culturais. Os percentis inferiores foram: 37,1% referentes a atividades físicas; 25,7% ao turismo; 17,1% a atividades religiosas; 5,7% a atividades manuais e 2,8% a outras.

A dureza do cotidiano laboral do professor coopera para que o sofrimento, ainda que não desprovido de prazer, se faça presente. O adoecimento mostra-se como uma faceta desta situação, merecendo destaque seu elevado percentil: 77,8% disseram ter adoecido por conta de algo relacionado ao trabalho. Desses, 11,1% disseram ter ocorrido muitas vezes, 27,8% algumas vezes, 11,1% poucas vezes, e 27,8% raramente. Sofrimentos no trabalho, muitas vezes, não se traduzem necessariamente em doença que requer medicação, mas afloram em uma série de sintomas nocivos ao bem-estar do docente: estresse (72,2%); fadiga (66,7%); ansiedade (50%); alteração repentina do estado de humor (41,7%); insônia ou dificuldade de dormir (38,9%); estado depressivo passageiro (38,9%); dificuldade de concentração e memória (30,6%); problemas na voz (30,6%); dores musculares (30,6%); e problemas cardíacos (11,1%). Ademais, ressalta-se, ainda, escores significativos de sensações que os docentes destacaram ser nocivas no trabalho: sensação de sobrecarga (83,3%) – reafirmando o percentil da intensificação laboral anteriormente referenciada; sensação de não conseguir cumprir com as atividades - inconcretude (50%) e de desmotivação profissional (25%).

Por fim, a satisfação profissional do professor da pós-graduação da UNESP, ainda que não seja plena e não abarque a totalidade do corpo docente, foi predominante nas respostas, e minoritária foi o seu contrário, a “insatisfação”: 19,4% consideram-se muito satisfeitos; a maioria (52,8%) considera-se satisfeita; 25% se considera parcialmente satisfeito; e uma minoria (2,8%) se diz insatisfeita profissionalmente. Tais percentis evidenciam que a maioria do corpo docente está, em tese, satisfeita no trabalho ou em sua atual situação profissional, ainda que com graus distintos. Mas não se pode desconsiderar que, concomitantemente à satisfação, tem-se um contingente de respostas, ainda que pequeno, de insatisfação. Esta pode estabelecer, com a “satisfação”, múltiplas relações, contraditórias, conforme veremos no decurso de toda análise. Outras facetas, ainda, serão referenciadas no decorrer das seções de

análise, não cabendo aqui esboçar todos percentis e dimensões perscrutadas pelo instrumento do questionário. Ressaltamos apenas que questões como salário, estabilidade e infraestrutura parecem ter peso nesta avaliação.

Os indicadores expostos, por meio do questionário e dos dados estatísticos, nos permite ter um perfil do corpo docente que atua nos programas de pós-graduação da UNESP que analisamos. A intenção ao apresentar números e percentis foi a de traçar um panorama geral, não possuindo a preocupação de desvelar uma realidade estatisticamente comprovada, inclusive pela utilização do questionário não ter assumido este fim.

Já na compreensão das entrevistas, alguns indicadores caracterizam, em certo sentido, o perfil dos dez professores entrevistados. Os participantes foram convidados a participar da pesquisa seguindo alguns dos seguintes critérios: cinco representantes de cada programa de pós-graduação; professores que estão nas diversas etapas da carreira profissional (inicial; intermediária; final); professores que desenvolveram funções administrativas de destaque na universidade; e professores que possuem bolsas de produtividade pelo CNPq.

Participaram da pesquisa dez professores entrevistados, sendo três do sexo masculino e sete do feminino. Foi difícil ter uma definição exata entre as etapas da carreira a que o professor universitário se enquadra. Isto porque, ocorre de docentes com vínculo recente na UNESP, mas que já trabalharam em outras instituições. É o caso de Vilma. Ela atua na UNESP há poucos anos, inclusive recém-ingressou como docente da pós-graduação. Contudo, ela possuía uma trajetória pregressa de trabalho em escolas, universidades particulares e públicas (como professora temporária). Mas face ao recente vínculo na UNESP e na pós-graduação interpretamos que ela se encontra no início da construção de sua carreira de pesquisadora na universidade. Grosso modo, compreendemos como início de carreira os docentes que possuem menos de 10 anos na universidade, os de fase intermediária que possuem entre 10 e 20 anos e, por fim, os que se encontram em fase avançada de consolidação na carreira aqueles que possuem 20 anos ou mais de trabalho na universidade.

Outros profissionais, em certo sentido, estão em fase de consolidação da carreira, sendo eles: Claudia, Paula, Roberto e Fernanda. Trabalham na UNESP entre cinco e dez anos, com a diferença de que a primeira docente atuou anteriormente em outro programa de pós- graduação de uma instituição particular, enquanto os demais foram professores efetivos de outras universidades. Já outros dois professores, igualmente, se encontram em fase intermediária: Bruna com pouco mais de dez anos de trabalho na UNESP e Carlos com igual

tempo, mas com a diferença de que anteriormente foi professor efetivo de outra universidade pública.

Por fim, três professores estão em uma fase mais avançada de consolidação da carreira. Gabriela e Mario possuem mais de vinte anos na UNESP e Sueli se aposentou meses após a realização da entrevista. Desse grupo, Mario e Sueli tornaram-se professores na UNESP enquanto pós-graduandos. Nesse detalhamento vê-se que, parte dos professores tornou-se efetivo na UNESP antes de atingirem a titulação de doutor – realidade que hoje, com o aguçamento da sociabilidade produtiva na universidade, se torna mais rara. Professores que estão consolidados na carreira tem maior aceitação da comunidade acadêmica, o que lhes remete em reconhecimento acadêmico, convites para palestras e para publicações. Gabriela ainda está em período de “aceleração”, pois se tornou professora titular há pouco tempo, é bolsista de produtividade CNPq e almeja desenvolver trabalhos na reitoria e projetos temáticos na FAPESP. Já Sueli encontra-se em período de “desaceleração”, tendo inclusive se aposentado recentemente.

Desenvolver atividades relacionadas à construção e à transmissão do conhecimento científico foi considerado pela totalidade do corpo docente como uma dimensão interessante e prazerosa do ofício, ainda que ela seja acompanhada por certos desagravos como a sobrecarga de trabalho (unanimidade entre os entrevistados) e a desmotivação de alguns estudantes etc. O fazer burocrático e administrativo de forma distinta foi considerado pela maioria como desinteressante, ainda que acompanhado de aspectos prazerosos. A exceção é Gabriela que expressa grande dedicação e satisfação na realização do trabalho administrativo. No que tange à dedicação ao fazer administrativo cabe ressaltar, ainda, que metade do corpo docente investigado já atuou, em algum momento da carreira, como coordenador ou vice de programa de pós-graduação, sendo eles Sueli, Gabriela, Bruna, Carlos e Claudia.

O relacionamento na universidade é uma dimensão fulcral para o bem-estar dos atores. A hipótese que levantamos é que a dinâmica da cooperação e reconhecimento (base do bom ambiente de trabalho) na universidade está fragilizada, mas não suprimida. Alguns docentes expressaram ter bom ambiente laboral na UNESP, apesar de certos conflitos, da individualização das relações e das competições. Mas o que mais se destacou, no entanto, foi o desabafo de alguns docentes: Roberto refere-se às perseguições e favorecimentos indevidos; Fernanda relata conflitos e desconfiança com os colegas; e Paula narra uma situação de conflito que lhe causou grande sofrimento.

Todos entrevistados estão envolvidos em um contexto institucional de sedução institucional e de propagação da ideológica da excelência. Neste sentido, alguns destaques devem ser desenvolvidos. Crises e possibilidades de estranhamento frente a sociabilidade produtiva na universidade existe, mas para outros é a adesão que mais se destaca. Um exemplo dessa condição advém com Roberto e Vilma, pois defendem não só o viés matemático do instrumento avaliativo, quanto seu caráter punitivo.

Cabe apontar finalmente que a família tem desempenhado uma posição dual. Fonte de maior pressão e crise para as professoras que são mães (Claudia, Sueli e Paula), ela permite, no entanto, que se ponha freio à dedicação desmensurada no trabalho, configurando-se no limite entre certa possibilidade de manutenção de equilíbrio psíquico e acirramento de dilemas.

Um perfil mais detalhado de cada professor entrevistado estará disponível no Apêndice D. A partir de agora, passaremos para a análise propriamente dita do sentido do trabalho e das múltiplas relações entre sofrimento e prazer.

6.2 A ponta do iceberg: aparente dicotomia entre fazeres prazerosos e os não prazerosos

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