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A ponta do iceberg: aparente dicotomia entre fazeres prazerosos e os não prazerosos no ofício do professor da pós-graduação da UNESP

ANO DOCENTES

6. ENTRE AGRURAS E DELEITES: O SENTIDO DO TRABALHO E AS RELAÇÕES ENTRE SOFRIMENTO E PRAZER NO OFÍCIO DO PROFESSOR DA

6.2 A ponta do iceberg: aparente dicotomia entre fazeres prazerosos e os não prazerosos no ofício do professor da pós-graduação da UNESP

A universidade aproxima-se de uma instituição gerencial e mercantilizada, efetivada pelo quadro da racionalização dos professores e técnicos administrativos e pela assunção de práticas gerencialistas que procuram mobilizar a subjetividade do professor, objetivando fomentar uma identificação e naturalização frente à cultura da excelência e aos pressupostos produtivistas. Em outras tópicas da tese, ao se reportar à literatura, viu-se que isto tende a ocasionar prejuízos ao bem-estar docente, embora, a dimensão do prazer autêntico no trabalho nunca seja plenamente subsumida, ainda que parcialmente suplantada por sofrimentos patogênicos. Esta hipótese será examinada na seção, porém, antes de debruçar-se a ela, na primeira subseção, nosso objetivo será o de apresentar de forma sintética quais atividades do trabalho do professor da pós-graduação da UNESP são potencialmente geradoras de prazer e de desprazer. A partir desse ponto, na próxima subseção, examinaremos as múltiplas relações existentes no par sofrimento-prazer, evidenciando sua construção dialética e contraditória.

No questionário aplicado junto ao corpo docente da UNESP, adotamos a terminologia satisfação profissional35. A (suposta) satisfação profissional, embora não seja plena e não abarque a totalidade do corpo docente, foi predominante nas respostas, sendo que: 19,4% consideram-se muito satisfeitos, a maioria (52,8%) considera-se satisfeita, 25% se considera parcialmente satisfeito e uma minoria (2,8%) se diz insatisfeita profissionalmente. Tais percentis evidenciam que a maioria do corpo docente está, em tese, satisfeita no trabalho ou com sua atual situação profissional, ainda que existam graus distintos de contentamento. Mas, não se pode desconsiderar que, apesar do percentil de 19,4% de professores muito satisfeitos, o conjunto de parcialmente satisfeitos e de insatisfeitos juntos foi de 27,8%. Estes indicadores sugerem, e perscrutaremos a partir da narrativa dos professores, que por detrás da dita satisfação têm-se múltiplas relações contraditórias entre o prazer e o “desprazer/sofrimento”, abrangendo basicamente o cotidiano de trabalho docente, a dinâmica do reconhecimento entre os atores universitários, o jogo político-institucional da/na UNESP, as atividades profissionais e a sobrecarga de trabalho – aspectos que serão melhor analisados.

Adentrando na trilha da identificação do prazer no trabalho do professor da pós- graduação da UNESP, os dados analisados até o momento revelam que a pesquisa-produção acadêmica, o ensino na graduação e pós-graduação, a orientação e a extensão são fazeres potencialmente prazerosos. Enquanto que as atividades administrativas e burocráticas são potencialmente desprazerosas. Esta conclusão assemelha-se à encontrada em pesquisa anterior realizada com o corpo docente da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), pois, embora o objetivo do estudo era o de examinar os elementos constitutivos do processo de construção das identidades profissionais, chegou-se à conclusão de que as atividades do magistério superior relacionadas à construção e à transmissão do conhecimento científico tenderiam a gerar maior satisfação profissional, favorecendo a construção das identidades profissionais do professor, ao passo que as atividades administrativas, embora consideradas relevantes pelo coletivo, não tinham esta potencialidade identitária (RUZA; SILVA; PÁDUA, 2013).

Na UNESP, o prazer com o ensino, a pesquisa-produção acadêmica, a orientação e a extensão estão assim descritos:

35Os termos “satisfação” e “insatisfação” profissional foram adotados no questionário devido a sua natureza mais genérica, possibilitando ser mais facilmente compreendidos pelo senso comum. O grau de satisfação no trabalho, embora distinto das noções prazer-sofrimento, estabelece certa correlação entre os termos, pois algo gerador de (in)satisfação possui uma potencial fonte de prazer ou de sofrimento, embora ela não permita compreender o real movimento dialético e, por vezes, contraditório existente neste par.

[Elemento de satisfação profissional36] - Vocação para o ensino, a orientação e a pesquisa. Na

verdade, não se trata de uma profissão, mas de um modo de vida, pois a maior parte de minhas atividades diz respeito ao conhecimento, à sua produção e transmissão. Tudo feito com prazer

(PROFESSOR37 nº 8, 2013).

[Elemento de satisfação profissional] - Gosto pela docência e bom relacionamento com alunos. Satisfação por ter formado bons profissionais que hoje replicam a formação construída, formando bem as novas gerações de docentes e pesquisadores. Reconhecimento dos colegas com os quais mantenho, em geral, excelente relacionamento (PROFESSOR nº 10, 2013).

[Elemento de satisfação profissional] - O trabalho de orientação, tanto no nível de Graduação, como de Pós-Graduação é que me permite acompanhar de fato o crescimento acadêmico e pessoal dos alunos. As aulas tanto prepará-las quanto ministrá-las. A pesquisa (sua elaboração, descobrir algo novo, encontrar soluções, discutir) (PROFESSOR nº 12, 2013).

[Elemento de satisfação profissional] - Apesar do estresse, ser docente, desenvolver pesquisa e ter acesso a leituras são, para mim, uma satisfação enorme (PROFESSOR n.25, 2013).

Estes fazeres relatados pelos professores, grosso modo, são potencialmente geradores de prazer em face da natureza intelectual e criativa destes ofícios, da relevância social e por propiciarem, em tese, a aquisição de um reconhecimento profissional atribuído pelos pares, alunos e a comunidade acadêmica. Tais dimensões enfatizadas serão melhor analisadas em outro momento - quando apontaremos seus limites e potencialidades. Mesmo quando o foco da pergunta é a satisfação no trabalho, ela aparece acompanhada de adversidades, como o estresse.

Mas, seguindo a trilha dos ofícios potencialmente geradores ou não de prazer, as atividades administrativas e burocráticas, até o momento, foram consideradas desprazerosas, conforme os dizeres dão mostras:

[Elemento de insatisfação profissional] - Quando desejei trabalhar na Universidade Pública, desconhecia o trabalho burocrático/administrativo como tarefa docente. Isso muito me surpreendeu e até hoje sinto descontentamento sempre que tenho que trocar horas de leitura proveitosa por preenchimento maçante, repetitivo e muitas vezes improdutivo de formulários

(PROFESSOR nº 25, 2013).

[Trabalho intensificado] - Cada vez há uma demanda maior para participar de discussões, atividades, criando uma fragmentação do trabalho e um ritmo intensificado (PROFESSOR n.12, 2013).

[Trabalho intensificado] - Como faço parte de um departamento com número reduzido de docentes, as inúmeras atividades ligadas à gestão acabam sendo pouco divididas, resultando em acréscimo de muitas tarefas, a docência, orientação e pesquisa (PROFESSOR n.10, 2013).

36 Tema da pergunta presente no questionário.

As atividades administrativas e burocráticas, grosso modo, são criticadas pelos professores pelo fato de serem trabalhosas, desinteressantes e dificultarem a dedicação às atividades relacionadas à construção e à transmissão do conhecimento que, como dito, tenderiam a propiciar maior prazer e sentido ao docente.

A menção a satisfação no trabalho do professor da pós-graduação da UNESP foi referendada a partir de uma visão ambivalente. Como foi dito, nosso interesse ao fazê-lo foi o de apontar para a existência de determinados elementos potencialmente geradores de maior desprazer/sofrimento e outros de maior prazer. Porém, como aponta a Psicodinâmica do Trabalho, o nuance do sofrimento-prazer é mais complexo, pois toda atividade laboral invariavelmente é permeada por vivências de sofrimento, face ao conflito estrutural que existe entre a organização de trabalho (dotada de normas e prescrições) e o funcionamento do aparelho psíquico, pautado pela dimensão do desejo. Igualmente ocorre com as vivências de prazer no trabalho, pois toda atividade laboral indistintamente pode fornecer saídas dessexualizadas para as pulsões do trabalhador (sublimação). Em tese, esta possibilidade eleva-se, especialmente, em trabalhos autônomos e de caráter intelectual (DEJOURS, 2011a). A natureza intelectual e criativa do ofício do professor universitário propiciaria o desenvolvimento de um trabalho sublimatório. No entanto, orientados pelo aporte da Psicopatologia do Trabalho (GAULEJAC, 2007), formulamos a hipótese de que essa possibilidade sublimatória, ainda que seja irredutível do trabalho docente, tem sido limitada pela difusão e naturalização da cultura da excelência acadêmica que se traduz numa doença da medida ou quantofrenia, forjando uma situação em que todo trabalho precisa ser matematicamente traduzido. Isto, na universidade, implica em formas de controle heterônomas e marcadamente produtivistas, bem como na manipulação da subjetividade docente.

A relação sofrimento-prazer, nesse sentido, é mais complexa do que a mera referência ambivalente à questão da satisfação e insatisfação feita no questionário, visto que prazer e sofrimento participa um do outro de forma dialética e, por vezes, contraditória. Este movimento, a partir de agora, será apreendido ao analisar os processos de construção de sentido e o par prazer-sofrimento existente nas atividades do magistério superior. Nesta trilha, será importante, ainda, atentar-se para as convergências e especificidades em cada trajetória dos professores.

6.3 O ofício do professor da pós-graduação da UNESP: as relações dialéticas e

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