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3. A RECONFIGURAÇÃO PRODUTIVA NA UNIVERSIDADE

3.1 Aproximação entre a universidade e o capital financeiro-industrial

O capitalismo, atualmente, configura-se mediante o predomínio da esfera financeira perante as formas de acumulação industrial e comercial. As modalidades de capitais, neste

11 Definimos racionalidade instrumental de acordo com Gaulejac (2007, p. 72): "a racionalidade instrumental consiste em pôr em ação uma panóplia impressionante de métodos e de técnicas para medir a atividade humana, transformá-la em indicadores, calibrá-la em função de parâmetros precisos, canalizá-las para responder às exigências de produtividade.

cenário, tornam-se imbricadas, porém subjugadas aos interesses do capital financeiro. Os Estados Nacionais ao seguirem as diretrizes neoliberais buscam subtrair as barreiras jurídicas, institucionais e econômicas que obstaculizariam o livre trânsito de capitais. Garantindo-o, os investimentos financeiros passaram a migrar entre os países em busca de vantagens que permitem à si maior rentabilidade como, isenção fiscal, flexibilização das leis ambientais e trabalhistas, mercado consumidor em expansão (HARVEY, 1992; CHESNAIS, 1996) e, destacamos por fim, a adoção de incremento de suporte tecnológico e científico para o setor industrial com base no fundo público. Esta última dimensão que tem contribuído para relativa mudança no papel da instituição universitária será o foco de análise desta subseção.

A nova fase de desenvolvimento do capitalismo, como referido em seção anterior, sob o impulso da mundialização do capital desenvolve novo tipo de acumulação apoiado na flexibilidade dos padrões de consumo, processos produtivos, modalidades de trabalho e de contratação. A informatização se torna importante aliada, pois como sinaliza Alves (2011) ela facilita a administração à distância do trabalho, encurtando o tempo de tomada de decisões organizacionais e reduzindo os custos de produção ao adaptá-los à demanda. Grande interdependência é estabelecida entre a flexibilização dos processos produtivos e o avanço tecnológico. A universidade, em meio a isso, assume papel de destaque, pois se torna importante lócus de produção de ciência e tecnologia (C&T) cooperando não apenas para a informatização do processo produtivo, mas para produzir produtos de elevada tecnologia que, por vezes, são “apropriados” pelo setor empresarial (SGUISSARDI; SILVA JÚNIOR, 2009; SACRAMENTO, 2011), como também, ao instituir uma formação técnica e atitudinal que busca adequar-se a cartilha da flexibilização (CATANI; OLIVEIRA; DOURADO, 2001; RAMOS, 2006).

A aproximação universidade e setor produtivo, atualmente, ganha contornos mais enfáticos, todavia, ela se fez presente em outros momentos históricos. Na ditadura militar brasileira (1964-1985), por exemplo, a expansão da graduação e pós-graduação brasileira não se dissociou do objetivo em garantir mão de obra especializada e suporte tecnológico e científico para o desenvolvimento do setor produtivo. Tecendo breve série histórica, Motta (201412

) levanta dados que nos mostram que objetivamente a pós-graduação brasileira foi criada no período militar, pois em 1961 (três anos antes do golpe militar) havia apenas 6 cursos de pós-graduação, já em 1984 haviam 792 cursos de mestrado e 333 de doutorado.

12 O autor possuiu o objetivo de investigar as relações entre a universidade e a modernização autoritária posta em prática no regime militar, Foi, a partir daí, que ele levantou as ações expansionistas na pós-graduação brasileira.

Neste bojo, a pós-graduação no Brasil foi oficializada a partir do Parecer nº 977, de 3 de dezembro de 1965 (BRASIL, 1965). Outras ações, a partir daí, foram importantes para sua consolidação como aumento no número de bolsas de pós-graduação, a criação da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) e a formulação de dois Planos Nacionais de Pós- Graduação (PNPG), dentre outras ações. Os dois primeiros Planos Nacionais da Pós- Graduação: I PNPG em 1975 (BRASIL, 1975) e o II PNPG em 1982 (BRASIL, 1982), os quais correspondem ao período militar, tinham o propósito de investir na melhoria da formação acadêmico-profissional dos professores universitários e incentivar a construção de centros de excelência em pesquisa a fim de contribuírem para o desenvolvimento científico e tecnológico nacional. A busca por maior vinculação entre a universidade e o setor produtivo, ainda que esta ocorresse de forma ainda incipiente, já estava posta (SANTOS; AZEVEDO, 2009; SILVA JÚNIOR; SILVA; SACRAMENTO, 2010).

A concepção de educação tecnicista, oriunda de acordos internacionais MEC/USAID, a qual fornecia um modelo de educação instrumental voltada à formação do capital humano para o mercado de trabalho e a concepção de ciência guiada por interesses do setor produtivo foram realmente os germes das transformações que a universidade viria a sofrer ao atender o receituário neoliberal, especialmente com a utilização de formas de gestão empresarial e a aproximação orgânica aos interesses do mercado:

Nesse contexto, no plano educacional o governo militar-autoritário procurou aumentar a produtividade das escolas públicas com base na adoção de princípios da administração empresarial, além de, desde o início, apontar para a privatização educacional. Procurava-se edificar um sistema federal de educação superior que contribuísse para a consolidação da segunda revolução industrial a realizar-se no país. Isso se dava via decretos-lei, com o patrocínio de diversos acordos firmados entre o MEC e a United States Agency for International Development (USAID). Foi sob tais auspícios que se impôs a denominada reforma universitária (lei nº 5.540/68), instituidora do princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, dentre outras razões, para fortalecer o formato institucional da universidade e subsidiar o capital industrial nacional, bem como a reforma do ensino de 1º e 2º graus (lei nº 5.692/71), que, num ímpeto legisferante, procurou tornar o ensino médio obrigatoriamente profissionalizante, com os objetivos de preparar mão-de- obra para o sistema de ciência e tecnologia que se formava e sustentar o capital industrial nacional, além de conter o acesso à educação superior (SILVA JÚNIOR; SGUISSARDI, 2005, p, 11).

Já no período militar a instituição universitária passou a aproximar-se de uma concepção de instituição mercantilizada, empresarial e competitiva, situação que depois da adesão ao receituário neoliberal intensificou-se com o objetivo claro de atender ao regime da predominância financeira.

Hoje a universidade ao atender aos interesses do setor produtivo preconiza um modelo de formação instrumental que resumidamente pauta-se na ideia da polivalência e da flexibilidade dos trabalhadores, incluindo uma formação de caráter técnico-instrumental em detrimento de conhecimentos teóricos que fundamentam as bases do conhecimento científico, assim como fomenta a formação de atitudes comportamentais atreladas aos interesses organizacionais (CATANI; OLIVEIRA; DOURADO, 2001; RAMOS, 2006). No outro polo, atende os interesses do setor produtivo ao induzir um modelo de ciência atrelada aos interesses empresariais em voga (SGUISSARDI; SILVA JÚNIOR, 2009).

Com a liberdade no deslocamento dos fluxos de investimento no globo, vários países, a qual o Brasil se inclui, passaram a atender com maior afinco aos interesses dos grupos de investimentos, sobrepondo-os, por vezes, aos interesses da população. Como o suporte tecnológico e científico torna-se importante fator de atração de investimentos, a universidade brasileira tem-se aproximado dos interesses privados, tendo o fundo público como importante agente indutor e financiador de pesquisas. A Tabela 1 permite estimar a atuação do Estado no financiamento de pesquisa e desenvolvimento (P&D) no Brasil e o papel da universidade, marcadamente da pós-graduação no progresso científico e tecnológico.

Tabela 1 - Distribuição de investimentos em P&D por setor institucional, período de 2000- 2011

2000 2006 2011

Dispêndios públicos 54,07 49,87 52,79

Dispêndios federais 33,37 35,52 35,59

Orçamento executado (geral) 20,69 21,62 21,32

Pós-graduação* 12,68 13,90 14,27

Dispêndios estaduais

Orçamento executado (geral) 20,70 7,84 14,35 5,97 17,21 5,54

Pós-graduação* 12,86 8,38 11,67

Dispêndios empresariais 45,93 50,13 47,21

Empresas privadas e estatais 44,23 47,38 44,63

Outras empresas estatais federais 0,51 0,79 0,71

Pós-graduação privada 1,20 1,96 1,87

Total de dispêndios 100,00 100,00 100,00

* Estimativa dos investimentos das instituições com cursos de pós-graduação stricto sensu reconhecidos pela Capes/MEC, aproximando os investimentos em pesquisa.

Fonte: O autor com base em dados fornecidos pela Coordenação-Geral de Indicadores - ASCAV/SEXEC - Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) (BRASIL, 2013).

Os dados da tabela revelam que a P&D no Brasil não é desenvolvida unicamente na universidade, mas tem a pós-graduação pública como aliada, isto porque em 2011 um quarto (25,94%) dos dispêndios públicos foi destinado à pós-graduação. Ademais, os números

mostram discreta expansão nos recursos remetidos à pós-graduação, marcadamente por ligeiro aumento da participação da esfera federal, pois enquanto em 2000 os recursos totalizaram 25,54% do orçamento, distribuídos entre 12,68% federal e 12,86% estadual, em 2011 o total de dispêndios correspondeu a 25,94% do orçamento, distribuídos em 14,27% federal e 11,67% estadual. Cabe o destaque que o estado de São Paulo é paradigmático no investimento de P&D fruto do importante papel desenvolvido por sua agência de fomento à pesquisa (FAPESP), a qual possui capital anual de 1% do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) do estado de São Paulo (SÃO PAULO, 1989).

Se a pós-graduação é importante lócus na produção de P&D, por sua vez, a participação dos centros públicos de pesquisa e, em menor grau, de empresas privadas atuam como os desenvolvedores de pesquisa básica e aplicada no Brasil. A tabela evidencia, ainda, que a distribuição de investimentos em P&D entre o setor público e empresarial é próximo, estando-os distribuídos, em 2011, na ordem de 52,79% no setor público e 47,21% no empresarial. No entanto, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) ao aglutinar na categoria dispêndios empresariais os investimentos desenvolvidos por empresas privadas e estatais impossibilita que se conheça a real atuação do setor privado no fomento científico. Acreditamos que esta aglutinação pode ter certo fundo ideológico, pois vem a “camuflar” uma possível timidez do setor privado no investimento em P&D, realidade que atribuímos pela pós-graduação privada ser responsável por apenas 1,87% do orçamento gasto em P&D no ano de 2011. Frente a aparente “timidez” da iniciativa privada investir em P&D a responsabilidade recai para o poder público, pois 52,79% do orçamento de 2011 foi compreendido por dispêndios públicos, sendo os demais 47,21% do orçamento corresponderam a dispêndios empresariais, recendo aí a participação de empresas estatais, privadas e de capital misto.

A ampla participação do fundo público no financiamento da P&D no Brasil advém, segundo Sacramento (2011), pelo "Estado ser alçado ao posto de principal agente financiador e indutor de promoção de práticas inovadoras, uma vez que o setor industrial do país está concentrado majoritariamente em multinacionais" (SACRAMENTO, 2011, p.18). A concentração da indústria brasileira em multinacionais reflete bem o movimento da mundialização do capital, posto que a descentralização dos processos produtivos – fruto da própria desregulamentação dos fluxos de capitais favorecida pela ação do Estado - vem favorecer a flexibilidade necessária para o capital desenvolver-se, porém, não sem ocasionar, como já dito, prejuízos aos trabalhadores. O Estado, com objetivo de atrair os fluxos de

capital financeiro, atua como principal agente indutor de P&D, majoritariamente mediante políticas de financiamento exclusivamente estatais ou por meio de "parcerias" com empresas privadas. Esta coparticipação do polo privado visa apropriar das descobertas realizadas nas universidades e nos centros de pesquisas a fim de agregar maior valor aos bens e produtos que comercializa. Esta apropriação privada do saber-fazer produzido na esfera pública consistiu-se no que Chesnais (1996) atribui como uma "sucção de tecnologias". Sacramento (2011) assim o define na educação superior brasileira:

A “sucção de tecnologias” orientar-se-ia para a racionalização dos custos do capital produtivo, que deslocaria tais custos para o Estado na medida em que os professores-pesquisadores realizassem pesquisas orientadas no âmbito da universidade estatal. O capital constante e parte do capital variável seriam assumidos pelo Estado, cabendo aos complexos industriais-financeiros a apropriação do conhecimento produzido (General Intellect), ao mesmo tempo em que se forjaria uma subjetividade empresarial na universidade (SACRAMENTO, 2011, p. 28).

O custo de produção das novas tecnologias, produtos e do saber-fazer (know how) das universidades fica, senão exclusivamente, pelo menos parcialmente, a cargo do Estado, estando o capital financeiro-industrial na condição de apropriador e transformador deste conhecimento (General Intellect) em valor a ser incorporado nos bens e produtos a serem produzidos por tais empresas.

A "sucção de tecnologias" pelo capital industrial-financeiro é propiciada por alguns dispositivos jurídicos. Na era PT, por exemplo, foram aprovados a Lei nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004 - Lei de Inovação Tecnológica – (BRASIL, 2004a) que incentiva e regula as relações entre empresas e universidades e a Lei nº 11.196, de 21 de novembro de 2005 - Lei do Bem – (BRASIL, 2005c) que concede incentivos fiscais a empresas que investem em pesquisa e desenvolvimento. Sacramento (2011; 2015) aponta que estes dois dispositivos são um marco jurídico na mediação entre a esfera privada e a pública, pois propiciam a criação dos Núcleos de Inovação Tecnológica cujo objetivo está no de regular as patentes e as transferências de tecnologias produzidas nas universidades, no de instituir o regime especial de tributação para serviços ligados à tecnologia, no de desenvolver uma política de financiamento para construção de empresas incubadoras e de infraestrutura em pesquisa e no de conceder subvenção econômica para empresas privadas que desenvolvem P&D, dentre outras ações.

As universidades públicas por meio dos núcleos e/ou fundações de apoio à pesquisa e inovação tecnológica estabelecem parcerias com o setor produtivo, mercantilizando-se com o objetivo de obter junto à esfera privada recursos suplementares para o desenvolvimento de

pesquisas e para complementar a remuneração salarial do corpo docente, a qual se encontra defasada em face da precariedade das condições de trabalho na universidade pública:

O corpo docente passou a conviver paulatinamente com achatamento salarial e deterioração das condições de trabalho, o que tem levado o trabalho docente a aproximar-se cada vez mais dos interesses do mercado e dos próprios agentes individuais, que buscam complementar seus vencimentos por intermédio da prestação de serviços, consultorias e realização de atividades que extrapolam a construção coletiva de um projeto de desenvolvimento institucional comprometido com a resolução dos graves problemas que afetam a população brasileira (DOURADO; OLIVEIRA; CATANI, 2003, p. 20).

A aproximação da universidade ao setor produtivo contribuiu para a transformação do projeto de universidade, pois ela progressivamente tende a se distanciar de um projeto social comprometido com o bem público para se tornar uma instituição instrumental que, por vezes, aproxima seus focos de pesquisa aos interesses do capital financeiro-industrial. Concomitante, a mercantilização altera significativamente a natureza do trabalho do professor, pois implica, entre as atuais áreas do conhecimento, uma função potencialmente produtiva, uma vez que parcela de seu trabalho é colocada a serviço do capital industrial-financeiro (SACRAMENTO, 2011; 2015).

Dispositivos são criados institucionalmente para regular e fortalecer as “cooperações” entre a universidade e as empresas. Na UNESP, inclusive estas metas fazem parte de seu Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI):

- Incentivar e apoiar convênios com Instituições e Organizações não governamentais.

- Fomentar a criação de redes incubadoras em ciência e tecnologia e fortalecer as já existentes na Universidade.

- Fortalecer as atividades do Núcleo de Inovação Tecnológica.

- Criar mecanismos de apoio técnico e logístico para o registro de patentes em nível nacional e internacional (UNESP, 2009, p.30).

A UNESP ao ter como metas o aporte a criação de convênios com instituições não governamentais, a criação de redes de empresas incubadoras, o fortalecimento do Núcleo de Inovação Tecnológica e o apoio no registro de patentes mostra certa predisposição no estreitamento de tais parcerias. Em contraste com esta meta institucional, Sabia (2007), em sua investigação sobre a UNESP, detectou que para além da sobreposição de interesses, não existe, em curso, uma política clara de regulamentação das parcerias universidade-empresa na universidade. A ausência de ações que definem efetivamente a relação universidade-empresa, acrescida ao fato das fundações de apoio vinculadas à UNESP pecarem na correta prestação

de contas, tem ocasionado relativa situação de permissividade que, na prática, vem atender aos interesses de alguns empresários e de docentes que recebem remuneração extra com tais cooperações. Além disso, a autora aponta, ainda, que o montante orçamentário privado decorrente desta política de cooperação ainda é modesto se comparado ao orçamento da UNESP. Esta situação se explica, em certo sentido, pelo pouco interesse da iniciativa privada em estabelecer tais parcerias, isto porque, o setor industrial brasileiro, por ser marcadamente transnacional, pouco tem investido em P&D no Brasil, permanecendo muito dependente dos controles e tecnologias estrangeiras, salvo o que ocorre em casos pontuais que se apresentam demasiadamente atrativos aos interesses das grandes corporações, levando ao que Chesnais (1996) conceituou por sucção de tecnologias. Mas como não foram encontrados estudos mais recentes que investigam as parcerias universidade-empresa na UNESP, não é possível precisar a fundo, quais foram as recentes alterações na organização de tais parcerias e a sua real efetividade, à medida que nos últimos dez anos ocorreu um aguçamento nas parcerias empresa e universidade.

Ainda que o lócus de nossa investigação seja a área de humanidades, estes professores também sofrem com os reflexos desta mercantilização. Um destes está na preferência pelo poder público em financiar pesquisas de áreas aplicáveis do conhecimento. Neste bojo, as agências de financiamento a pesquisa tem desenvolvido papel ímpar nesta hierarquização, como Kato (2013) nos mostra ao analisar as políticas de financiamento do CNPq pela via de editais públicos de indução de áreas e temas de pesquisa, a qual prioriza as pesquisas com potencial de aplicação. Criticas são feitas pelos professores a este desprestígio e, aqui antecipamos como caráter mais ilustrativo dois destes relatos:

As instituições de ensino e pesquisa (bem como as agências de fomento) tendem hoje a valorizar menos as ciências humanas do que as biológicas e exatas. Os investimentos são proporcionais a essa valorização e a avaliação da produção acadêmica também é feita, inadequadamente, com critérios pertinentes às ciências biológicas e exatas (QUESTIONÁRIO n.5, 2013).

Eu acho que é assim: a gente tem ganhos, mas é uma luta política que é pautada por ideologia, por exemplo, a gente conseguiu uma qualificação de livros, mas não conseguiu uma qualificação de Anais de Eventos - eles não entraram na última avaliação do triênio. Então, é uma questão que, ainda, é uma luta política: a gente conseguir que olhem para a gente com a nossa cara. Nós estamos longe, né, não estamos nem no programa Ciências Sem Fronteiras. A pesquisa dos nossos meninos não é considerada Ciência [silêncio] (CLAUDIA13, 2014).

Outros relatos poderiam ser elencados para analisar a questão do desprestígio das humanidades, passível de ser relacionado à aproximação orgânica entre a universidade e o setor produtivo. O descontentamento refere-se à política de financiamentos à pesquisa priorizar as áreas de conhecimento aplicadas, realidade que resvala, também, pelos critérios de avaliação acadêmica seguirem a orientação destas áreas em detrimento das especificidades das humanidades. A mensuração dos desempenhos segundo critérios que lhes são heterônomos (advindos das áreas aplicadas) reforça o argumento de suposta fragilização das humanidades, realidade que contribui para se preterir as demais áreas na política de financiamento à pesquisa. O desprestígio se apresenta, ainda, na diferenciação de tratamento e de possibilidades de internacionalização entre as áreas, por exemplo, a humanidades não é contemplada no programa “Ciências sem Fronteiras” do governo federal, o qual propicia bolsas de intercambio para estudantes. Tais diferenciações geram grande descontentamento no professor e consideramos que o silêncio de Claudia em seu dizer é elucidativo: “não estamos nem no programa Ciências Sem Fronteiras. A pesquisa dos nossos meninos não é considerada Ciência”.

Reflexos da transformação produtiva no papel da universidade são, ainda, presenciadas na política de arrocho salarial (a pouco referida como instrumento de “cooptação” docente a desenvolver parcerias com o setor produtivo). Além disso, as parcerias universidade-empresa se estreitam, e com elas a racionalidade inerente ao mundo organizacional - traduzido na concepção gerencialista de administração – se faz gradativamente presente na universidade. Criam-se, neste sentido, condições propícias para mercantilizar o conhecimento científico, priorizando, como dito, o financiamento de áreas aplicáveis do conhecimento (DOURADO; OLIVEIRA; CATANI, 2003). Ademais, a compressão na duração dos cursos de pós-graduação e a política de incitar aumento nas produções acadêmico-científicas nocivas ao bem-estar docente e ao progresso científico (BIANCHETTI; MACHADO, 2007; BOSI, 2007; CASTIEL; SANZ-VALERO, 2007) traduzem as pressões do mundo empresarial para reduzir o tempo de produção do conhecimento científico. Reflexo, neste sentido, da mercantilização do conhecimento científico.

A aproximação orgânica entre a universidade e o setor produtivo atende às “exigências” de lucratividade do capital financeiro-industrial, basicamente por ele apropriar- se do saber-fazer produzido na universidade como forma de agregar maior lucratividade. O Brasil, aos moldes do que ocorre nos demais países, atende esta e outras “exigências” do

capital com o objetivo de atrair os fluxos de investimentos às suas fronteiras. O docente torna- se cooptado a atender às pressões do setor produtivo visando maior remuneração salarial e condições de pesquisa, fruto da propositada política de precariedade institucional na universidade, por vezes, justificada pela “otimização de recursos”. A parceria universidade e empresa, seguindo este modelo, surte alterações no papel social da instituição e nas práticas universitárias. Basicamente, elas correspondem ao desprestígio das humanidades, à compressão do tempo de produção do conhecimento, ao aumento da pressão por produtividade - realidade nociva ao bem-estar docente e ao progresso científico, assim como a apropriação do trabalho e do saber dos docentes de áreas aplicadas.

Nesta relação entre universidade e empresa, Sacramento (2015) ao investigar o caso da USP, campus Ribeirão Preto, pondera que a inovação na empresa privada está mais

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