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2.2. A teoria da agência e a remuneração dos gestores

2.2.2. A remuneração dos gestores

2.2.2.2. A utilização de medidas de desempenho nos planos de remuneração

Como anteriormente referido, o sistema de remuneração dos gestores compreende normalmente uma componente base e uma componente de incentivos. Os planos de remuneração que incorporam componentes baseados em medidas de desempenho são geralmente concebidos de forma a alinhar os interesses dos gestores e dos accionistas. As medidas de desempenho podem ser financeiras (por exemplo, o resultado contabilístico) ou não financeiras (por exemplo, uma medida de desempenho individual).

Numa perspectiva de criação de valor para os accionistas, as medidas de desempenho podem ser baseadas em valores de mercado (normalmente o preço de mercado das acções) ou contabilísticos (geralmente o resultado contabilístico). Os factores determinantes destas medidas de desempenho assumem um papel importante sob o ponto de vista de utilização das mesmas nos sistemas de remuneração. De facto, os determinantes da cotação das acções e os critérios utilizados na preparação da informação contabilística proporcionarão um grau de informação diferente sobre a actuação dos gestores. Neste sentido, a parte atribuída a cada uma das diversas medidas de desempenho da empresa no plano de remuneração deve depender da qualidade da informação que as mesmas proporcionam acerca das acções dos gestores (Lambert e Larcker, 1987).

O desempenho das acções no mercado é uma variável que proporciona informação sobre a actuação dos gestores (uma vez que incorpora informação sobre as alterações na situação económica da empresa que estão associadas com acontecimentos passados e actuais), mas também incorpora factores que não dependem da actuação dos gestores. Por sua vez a informação financeira é considerada como uma medida histórica que fornece informação sobre a actuação passada dos gestores, pois permite, entre outros, determinar "the value-added contributed by the manager" (Paul, 1992, p. 496).

Ambas as medidas de desempenho (de mercado ou contabilístico) representam uma variação no valor da empresa. Todavia, as variações na riqueza dos accionistas que ambas as medidas de desempenho representam são determinadas, respectivamente, pelas expectativas do mercado ou pela variação da situação patrimonial da empresa face aos princípios contabilísticos utilizados na preparação da informação financeira. A

normalização contabilística e os incentivos aos gestores condicionarão os resultados, bem como a valorização dos diversos elementos que integram o balanço. Já a cotação das acções dependerá das expectativas do mercado relativamente ao valor actualizado de todos os resultados futuros da empresa.

Adicionalmente e atendendo ao processo de obtenção dos valores de mercado ou contabilísticos, o risco que ambas as medidas incorporam nos sistemas de remuneração é consideravelmente distinto e é também afectado em diferente grau por factores alheios à evolução da empresa.

A utilização das medidas de desempenho como variáveis representativas da actuação dos gestores estará portanto condicionada pelo seu processo de elaboração, bem como pelas características da empresa (Lambert e Larcker, 1987). Sendo o objectivo dos accionistas a maximização do valor da empresa, então a utilização de medidas de desempenho baseadas em valores de mercado deverá, em princípio, ser superior à utilização de medidas de desempenho baseadas em valores contabilísticos nos sistemas de remuneração dos gestores. No entanto, a realidade mostra que as empresas utilizam ambas as medidas de desempenho nos contratos de remuneração (Bushman e Smith, 2001; Joskow e Rose, 1994). Além disso, a inclusão de ambas as medidas pode ter um efeito minimizador no risco suportado pelos gestores (Sloan, 1993), dado que a utilização de medidas de desempenho baseadas em valores de mercado, pode expor os gestores a um risco adicional.

Lambert e Larcker (1987) estudam empiricamente se a utilização relativa de medidas de mercado e de desempenho contabilístico na remuneração dos executivos está relacionada com a quantia de ruído (noise) em ambas (mercado e contabilística) e a sensibilidade (sensitivity) das referidas medidas às acções dos gestores. Os resultados indicam que as empresas utilizam uma proporção maior da remuneração baseada no desempenho de mercado e uma menor baseada no desempenho contabilístico quando:

• a variância da medida de desempenho contabilístico é alta em relação à de mercado;

• a empresa apresenta uma elevada taxa de crescimento nos activos e nas vendas; • quando o valor das acções detidas pelo gestor é baixo.

Um dos principais argumentos a favor da utilização nos sistemas de incentivos de medidas de desempenho baseadas na informação contabilística prende-se com o facto de o preço de mercado das acções ser afectado por factores que os gestores não controlam. De facto "share price is subject to various demand and supply noise" (Kim e Suh, 1993, p. 26). Consequentemente, os dados contabilísticos podem ser mais informativos acerca das actuações dos gestores. Além disso, as medidas de desempenho baseadas na informação contabilística evitam a exposição do gestor a flutuações nas cotações das acções originadas por factores não específicos da empresa. Dado que a rendibilidade calculada com base na informação contabilística se trata de uma medida com menor variância, a sua utilização como indicador do desempenho da empresa permite uma maior repartição do risco entre as partes (Sloan, 1993).

A informação contabilística pode todavia não ser uma adequada medida de desempenho, dada as suas limitações intrínsecas e a discricionariedade do gestor na preparação de tal informação. Apesar da tendência que se tem vindo a assistir na emissão de normas de contabilidade mais rigorosas, os gestores continuam ainda a ter algum grau de discricionariedade no apuramento do resultado do período e na decisão do que pretendem mostrar no balanço (White et al., 1998). Neste sentido, Balsam (1998), Gaver et al. (1995), Guidry et al. (1999), Healy (1985), Holthausen et al. (1995a) e Shuto (2007) apresentam evidência de que os gestores manipulam os resultados de forma a maximizar as suas remunerações. A utilização do resultado como medida de desempenho pode também levar os gestores a abdicar de investimentos que só serão rentáveis em períodos futuros.

Bushman et al. (1996) consideram que as regras contabilísticas impedem que as medidas de desempenho baseadas em dados contabilísticos reflictam toda a informação, ao contrário do que acontece com o preço de mercado das acções, que incorpora toda a informação disponível. Sendo assim, enquanto os resultados contabilísticos podem representar razoavelmente a gestão actual dos activos da empresa, não reflectem no entanto, por exemplo, os benefícios da planificação estratégica, das oportunidades de investimento identificadas, das iniciativas de negócio ou de investimentos em despesas de investigação e desenvolvimento de novos produtos ou tecnologias das quais se obterão resultados no futuro. Em suma, "current earnings will poorly reflect future period

consequences of current managerial actions" (Bushman e Smith, 2001, p. 266). Segundo

Baber et al. (1996) a rendibilidade das acções reflecte melhor as consequências económicas das actuações dos gestores, uma vez que a mesma antecipa os fluxos de caixa futuros e não está em princípio sujeita a distorções contabilísticas. De facto, "stock prices

incorporate the expected future effects of current decisions" (Horngren et al., 2006, p.

799).

Em suma, uma forma de minimizar os problemas de agência consiste em alterar os determinantes (parâmetros) da função utilidade dos gestores. Deste modo, a remuneração pode ser estruturada de forma a que a função utilidade dos gestores se aproxime da dos accionistas. Esta proximidade pode obter-se através da ligação da remuneração ao desempenho da empresa. Neste sentido, a utilização de opções de acções é frequentemente considerada como uma das formas mais eficientes para alinhar os interesses entre os accionistas e os gestores (Brandes et al., 2003; Hall e Liebman, 1998; Jensen e Murphy, 1990; Rosenberg, 2004), dado que as mesmas podem incentivar os gestores a seleccionar e implementar acções que maximizem o valor dos accionistas, maximizando ao mesmo tempo a sua própria função utilidade.

Como referem Ittner et al. (2003) e Mehran (1995) sendo a forma e não o nível da remuneração que motiva o gestor a tomar decisões que aumentem o valor da empresa, o desenho dos planos de remuneração constituirá um fulcral aspecto no governo da empresa. Assim, a utilização de opções de acções como forma de remunerar os gestores motivará estes a actuar com o objectivo de maximizar o valor da empresa (Haugen e Senbet, 1981; Jensen e Meckling, 1976; Jensen e Murphy, 1990; Rosenberg, 2004) e, consequentemente, contribuirá para alinhar os interesses entre aqueles e os accionistas.

A atribuição de opções de acções permite basear a remuneração dos gestores no valor da empresa. O valor das acções da empresa em cada momento reflecte as expectativas do mercado relativamente ao valor actualizado de todos os seus resultados futuros. Deste modo, um sistema de remuneração baseado no valor de mercado das acções da empresa contribuirá simultaneamente para que os gestores optem por decisões que visem obter resultados no longo prazo em detrimento dos de curto prazo, como acontece no caso dos sistemas de incentivos exclusivamente baseados nos resultados (Horngren et al., 2006). Nesta linha de pensamento, Dechow e Sloan (1991) estudam se os gestores

remunerados com base no resultado e que estão próximos do fim da ocupação do seu cargo gerem as despesas de investigação e desenvolvimento com o objectivo de aumentar o resultado no curto prazo. Os resultados do estudo evidenciam que os gestores tendem a reduzir o montante das despesas de investigação e desenvolvimento com o objectivo de maximizar a sua remuneração. No entanto, Dechow e Sloan (1991) documentam que a probabilidade de reduzir o montante das despesas de investigação e desenvolvimento é menor quando os gestores possuem acções e opções de acções. Dechow e Sloan (1991) concluem que a redução discricionária das despesas de investigação e desenvolvimento pode ser minimizada através de remunerações baseadas em acções e opções de acções. Consistente com este resultado, Cheng (2004), ao investigar se a comissão de remunerações procura minimizar a redução oportunista das despesas de investigação e desenvolvimento, documenta uma relação positiva entre o valor das opções de acções atribuídas e o montante das despesas de investigação e desenvolvimento. Esta conclusão sugere desta forma que as empresas utilizam as opções de acções para mitigar a potencial redução discricionária das despesas de investigação e desenvolvimento. Em suma, quando recompensados com base no resultado, os gestores podem abdicar de levar a cabo investimentos que só serão rentáveis em períodos distantes. A utilização de opções de acções consiste numa forma de contrariar este efeito. De facto, "the major motivational

benefit of stock option plans is that they direct managers’ energies toward the long-term, as well as the short-term, performance of the company" (Anthony e Govindarajan, 2007, p.

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