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A validade e a confiabilidade em pesquisas qualitativas

3.1 A pesquisa qualitativa

3.1.1 A validade e a confiabilidade em pesquisas qualitativas

Como uma das principais formas de construção do conhecimento científico, as pesquisas devem respaldar-se em técnicas e procedimentos que garantam sua validade e confiabilidade (Selltiz et al., 1975; Hair Jr., Celsi, Ortinau, & Bush, 2014), independentemente da área do conhecimento a que dizem respeito.

De forma diversa a outras formas de obtenção do conhecimento (teológico, filosófico e senso comum), o conhecimento científico tem como fundamento o planejamento e a prova. O planejamento diz respeito à determinação prévia dos passos que serão seguidos na coleta e na análise dos dados. Em geral, caracteriza-se pela elaboração de um protocolo de pesquisa. A prova, por outro lado, é mais complexa de ser atingida. Ela está relacionada ao rigor da construção da pesquisa, do método utilizado. O rigor científico proporciona confiabilidade e validade na coleta e análise dos dados, o que aumenta a aceitação dos resultados obtidos pelo meio acadêmico. Com passos adequados, bem definidos e claramente descritos, viabiliza-se a replicação da pesquisa, a verificação dos resultados obtidos, provando-se o que foi achado. Ainda que a investigação seja exploratória, sem o intuito de oferecer achados conclusivos, toda a pesquisa científica deve levar em conta estes dois fundamentos.

Em pesquisas quantitativas há parâmetros mais claros que podem ser calculados para se verificar a validade e a confiabilidade dos dados e dos resultados. Já em pesquisas qualitativas tal demonstração é mais difícil. Mas também nelas espera-se que o cientista

percorra um conjunto de etapas previamente definidas em função do problema investigado. Em outras palavras, cabe ao pesquisador construir seu método empírico de forma coerente e adequada ao escopo da pesquisa e ao objeto de estudo.

Antes de avançar, é pertinente reforçar que, apesar de métodos qualitativos terem ganhado força nos últimos anos, ainda é muito comum o preconceito contra esta abordagem de pesquisa. Consequentemente, pesquisas qualitativas precisam respaldar-se de algumas táticas para aumentar sua qualidade e a aceitação. Uma crítica recorrente à abordagem qualitativa é sua subjetividade.

Para responder a este julgamento, transcreve-se a opinião de Demo (2012, p. 24- 25), para quem “os próprios instrumentos de captação da realidade já estão eivados de compromissos teóricos implícitos, de tal sorte que se impõem ao objeto com efeitos deturpantes notórios”. Em outras palavras, é ilusão acreditar que o método quantitativo não apresenta subjetividade. A própria escolha do recorte a ser investigado e do arcabouço teórico já são demonstrações da influência subjetiva do pesquisador.

Ainda com relação ao rigor metodológico, o pesquisador deve manter em mente que a rigidez científica não deve se sobrepor à relevância da pesquisa. Faria (2007) propõe uma reflexão sobre essa questão, afirmando que parte da publicação atual perdeu sua relevância, com excessivo fogo na questão metodológica. Uma análise da produção acadêmica em marketing na última década evidencia um foco talvez excessivo no rigor e na validade interna do método em detrimento a sua relevância (Vieira, 2013; Parker, 2016).

Dada a maior complexidade do mundo, cresce a dificuldade de compreensão e explicação da realidade e assim, maior também a responsabilidade do pesquisador ao apresentar achados e conclusões a respeito de um certo problema. Ou seja, maior deve ser seu cuidado com a adequação e a validade do método de pesquisa empregado.

A validação do método de pesquisa passa a ser tão relevante quanto a validação dos próprios achados. Para tanto, além do olhar crítico durante todo o processo de investigação e da reflexão prévia, o pesquisador pode lançar mão de algumas ferramentas durante o planejamento de seu trabalho. Além disso, ganha relevância a abordagem interpretativista, segundo a qual o pesquisador integra a pesquisa. Nela, o pesquisador envolve-se ativamente com o objeto; o investigador se imerge no fenômeno de interesse (Santos Filho, 2000). Segundo Myers (2008), pesquisadores interpretativistas assumem que o acesso à realidade (construída

socialmente) ocorre somente por meio de construções de linguagem, consciência, sentidos compartilhados e instrumentos. Contudo, é importante destacar que mais do que “qualquer coisa diferente do positivismo”, o interpretativismo (ou interpretacionismo) é uma forma de criação da realidade, de obtenção de conhecimento com base nas percepções do indivíduo (Remenyi & Williams, 1998).

Com relação à abordagem interpretativista da realidade (fenomenológica), é interessante o comentário de Demo (2012, p. 10), para quem a informação interpretativa – caso das pesquisas qualitativas – é um tipo de dado que “é sobretudo ‘construído’, não apenas ‘colhido’”. Diehl (2001, p. 41) sustenta ainda, afirmando que “A interpretação constitui o primeiro passo para se elevar os dados passados à condição de fatos históricos”, condição muito importante para este estudo. O autor ressalta, contudo, que “Ao intérprete cumpre a função de superar a ingenuidade com que é tentado a tratar seu objeto” (Diehl, 2001, p. 83), reforçando- se a importância do rigor metodológico. Já Hatch (2002, p. 179), avançando mais, comenta que

Os pesquisadores qualitativos são rápidos em reconhecer que à medida que eles desenham seus estudos, consideram bases teóricas, coletam dados, fazem análises e descrevem seus achados, eles estão constantemente fazendo julgamentos interpretativos (por exemplo, Atkinson, 1992, Geertz, 1973; Schwartz & Schwartz, 1955). Como Denzin (1994) resume tão bem, ‘Nas ciências sociais há apenas interpretação’ (p. 500). De fato, alguns pesquisadores (incluindo Denzin) gostariam de substituir o termo pesquisa qualitativa, argumentando que pesquisa interpretativa melhor representa o que se passa neste tipo de trabalho (por exemplo, Denzin, 1989b; Erickson, 1986 Graue & Walsh, 1998).

Nesse sentido, como comenta Schutz (1987), qualquer interpretação é baseada em uma reserva de experiências anteriores, que são nossas próprias experiências e aquelas transmitidas por nossos pais e professores. Eles funcionam como um quadro referencial, sob a forma de um ‘conhecimento disponível’. Por isso, além de questões mais tradicionais relacionadas a este tema, autores como o próprio Schutz (1987), Minayo (2000) e Myers (2008) propõem outros critérios para na avaliação de pesquisas qualitativas como:

- Credibilidade: Os critérios de credibilidade envolvem o estabelecimento de que os resultados da pesquisa qualitativa são críveis a partir da perspectiva do participante da pesquisa. Nessa perspectiva, o objetivo da pesquisa qualitativa é descrever ou entender os fenômenos de interesse a partir dos olhos do participante; os participantes são os únicos que podem legitimamente julgar a credibilidade dos resultados. Ainda com relação à credibilidade, é interessante destacar a opinião de Schafer (1974). O autor destaca que algumas declarações são inerentemente plausíveis, ou seja, é mais

fácil que se acredite nelas do que não acreditar. Isto é particularmente verdade com relação às declarações que são consistentes com outras informações que o indivíduo tem a respeito de uma situação – as ideias e comportamentos conhecidos das partes, do que aconteceu antes e depois em uma série de eventos. No entanto, o critério de plausibilidade não substitui o de probabilidade. A afirmação plausível não deve, de maneira alguma, ser simplesmente aceita como verdade. O mentiroso inteligente tenta fazer com que suas mentiras pareçam tão plausíveis quanto possível. Dessa forma, o fato de uma declaração se mostrar plausível, somente aumenta a probabilidade de sua verdade, mas não é condição suficiente para tal.

- Confiabilidade (dependability): A visão quantitativa tradicional de confiabilidade (reliability) é baseada na suposição de replicabilidade ou repetibilidade. Essencialmente, está preocupada com o fato de que os mesmos resultados seriam obtidos se fosse possível observar a mesma coisa duas vezes. Mas não é possível realmente medir a mesma coisa duas vezes – por definição, se algo está sendo medido duas vezes, duas coisas diferentes estão sendo medidas. Para estimar a confiabilidade, os pesquisadores quantitativos constroem várias noções hipotéticas (por exemplo, true score theory) para tentar obter em torno deste fato. A ideia de confiabilidade (dependability) em pesquisa qualitativa, por outro lado, acentua a necessidade de o investigador explicar o contexto em constante mudança dentro da qual ocorre a investigação. A pesquisa é responsável por descrever as mudanças que ocorrem no ambiente e como essas mudanças afetaram a forma como a pesquisa abordou o estudo.

- Confirmabilidade: A pesquisa qualitativa tende a assumir que cada investigador traz uma perspectiva única para o estudo. Confirmabilidade refere-se ao grau em que os resultados podem ser confirmados ou corroborados por outros. Há um número de estratégias para aumentar a confirmabilidade. O pesquisador pode documentar os procedimentos de verificação e reverificação dos dados ao longo do estudo. Outro pesquisador pode assumir um papel de "advogado do diabo" em relação aos resultados, e este processo pode ser documentado. O pesquisador pode procurar ativamente e descrever instâncias negativas que contradizem observações anteriores. E, depois de estudar, pode-se realizar uma auditoria da coleta de dados e procedimentos de análise e fazer julgamentos sobre o potencial de viés ou distorção. Nesse sentido, o livro de Gunnar Myrdal – Objectivity in Social Research – discute

com profundidade a importância de se explicitar os procedimentos e pressupostos adotados na pesquisa qualitativa.

Avançando, é relevante destacar que, em geral, a discussão sobre confiabilidade em pesquisas qualitativas resume-se a duas questões. A primeira diz respeito à origem dos dados. De acordo com Flick (2009), o relatório deve evidenciar o que é transcrição dos dados coletados e o que é interpretação do pesquisador. Stake (1978) e Yin (2001) também comentam esta questão, sugerindo a utilização de múltiplas fontes de evidência. A segunda questão é a necessidade de se explicitar os procedimentos desenvolvidos em campo ou em entrevistas para que se viabilize a comparação entre diferentes pesquisadores. Em suma, a confiabilidade de todo o processo será tanto melhor quanto mais documentado for o processo de pesquisa como um todo (Flick, 2009).

Já quanto à validade, o autor comenta que tudo se resume ao questionamento por parte do pesquisador se ele efetivamente vê o que ele acha que vê. Com raiz no latim, a palavra tem sua origem em validus, que significa robusto, e valere, que significa ser forte. Aí reside a justificativa para a afirmação de Aldridge e Aldridge (1996), segundo a qual validade em pesquisas qualitativas está relacionada a argumentos fortes e robustos. Ikeda (2009, p. 59, tradução nossa) comenta ainda que “validade é a verdade, interpretada de forma equivalente à capacidade de o relatório representar com precisão o fenômeno social em estudo”. Além disso, a autora afirma que a confiabilidade é o primeiro passo em direção à validade.

Por último, validade é um conceito tradicionalmente associado a métodos quantitativos (Campbell, 1957). No entanto, como apresentado anteriormente, trata-se de um aspecto que não pode ser negligenciado por pesquisadores qualitativistas (Onwuegbuzie & Johnson, 2006), principalmente por causa de sua natureza pouco clara e ambígua na pesquisa qualitativa (Dellinger & Leech, 2007). Pesquisadores qualitativistas proeminentes têm defendido uma renomeação de termos como validade (validity), generalização e confiabilidade (Denzin & Lincoln, 2005). Termos alternativos como credibilidade (trustworthiness) (Lincoln & Guba, 1986), qualidade de inferência (Tashakkori & Teddlie, 2003) e legitimação (Onwuegbuzie & Johnson, 2006) têm sido propostos para se aplicar rigor à pesquisa qualitativa.