• Nenhum resultado encontrado

O papel e o futuro das agências de viagens no Brasil

A partir da revisão teórica e da entrevista com a consultora e com Alexandre Arruda (empresa de tecnologia para o setor de turismo), demonstrou-se o crescente impacto da internet sobre o setor de turismo e destacou-se a mudança das agências de um papel meramente transacional (varejo) para um papel mais consultivo, de curadoria de dados e produtos com base nas necessidades e desejos do mercado. Este aspecto parece já ter sido assimilado e incorporado por diversas agências, como indicam as transcrições a seguir.

As pessoas, hoje, quando você entra e abre a internet, você vai abrindo abas, então esse hotel te leva para esse lugar, esse lugar te leva para essa experiência de vinícolas, experiência de..., se você fizer uma leitura, tudo é maravilhoso. Esse é o melhor hotel, essa é a melhor vinícola, essa é a melhor experiência. Para mim, hoje, o agente de viagem, o consultor, é aquele que faz com que você feche as abas e escute alguém que possa te direcionar, porque é difícil escolher, entre todos, os melhores. Então a experiência, e essa é uma vantagem para a Queensberry, por ela ser uma empresa grande, ela tem um número variado de clientes fazendo muitas coisas, então a experiência de um muitas vezes é um atrativo para a próxima experiência do outro, ou não, não é: “Olha, essa vinícola aqui, até que é bom, mas eu já tive uma referência de que não é tão grande. Esse vinho agora já não é mais o premiado”, enfim, o próprio cliente traz... (E. Piaskowy, comunicação pessoal, Fevereiro 6, 2018).

Agora nós somos curadores de informação, porque a internet tem muito lixo”. Uma das coisas que mais cresce hoje na internet são os blogs de viagem, não é... (Consultora, comunicação pessoal, Fevereiro 8, 2018).

O cara fala assim: “Eu quero Espanha, eu quero Portugal, eu quero Inglaterra e quero Itália, tenho 10 dias”, então você fala: “Então espera, vamos fazer o seguinte, vamos focar na Península, vamos fazer Portugal e Espanha legal, e tal?”, aí a gente vai direcionando, não é. Eu acho que é mais um direcionamento mesmo, a gente não faz pacote pronto. A gente não cria, vamos supor, eu não sou operadora, não é? Eu sou agência, isso é de operar (S. Pilão, comunicação pessoal, Novembro 30, 2017). E a gente está vivendo isso com o turismo [muito conteúdo na internet e redes sociais]. Hoje, os clientes buscam, o agente de viagem, lógico, cada um vai ter o seu perfil, vai ter aquele que não ficar na tenda, que vai querer ficar dentro daquele hotel: “Mas o que é que você agrega nessa viagem para ser uma experiência para a minha vida”, não é? Não é mais tirar fotos de ícones, que a gente sempre brinca, assim, hoje não dá mais para você fazer um citytour: “Aqui tem a igreja, a catedral, o monastério”, ou seja lá o que for, porque as pessoas têm isso no Wikipedia [...], se você vai levar uma pessoa dentro de uma catedral, o guia tem que estar preparado para não falar só da arquitetura, mas o que aquela catedral significa para a cultura local, quem frequenta, tem pessoas que querem assistir uma missa, uma cerimônia, uma festividade da data, do local (E. Piaskowy, comunicação pessoal, Fevereiro 6, 2018).

[A agência é uma consultora]. Sem dúvida, o conceito é esse, não é. Tem gente que ficou tirador de pedido, só que hoje cada vez menos espaço você tem. [...] Então o que vale é a consultoria. Você tem explicação de conhecimento, tudo para avançar. Tem muita gente que tinha agência, por questões econômicas, fechou e trabalha hoje como um consultor independente para outras agências (F. Levy, comunicação pessoal, Janeiro 4, 2018).

Além disso, deve-se destacar que o consumidor de produtos turísticos tem buscado experiências mais significativas. A busca por produtos mais tradicionais tem diminuído, de acordo com o conteúdo das entrevistas. Isso reforça o papel consultivo e informativo das agências.

a gente fez um especial Halloween muito bacana trazendo informações de conteúdo, do que é o Halloween, quais são as cidades, porque existe, quem é da onde, então a gente tem formatado bastante informação, conteúdo de peso [...] E a gente ser de fato um jornalista de turismo, com prestação de serviço, sabia que você comprando na CVC, olha só que louco, se você comprar o pacote da CVC para o Museu do Louvre você não pega fila? (A. Gavioli, comunicação pessoal, Dezembro 27, 2017).

Contudo, a especialização, o foco em nichos de mercado e a personalização de produtos não é tão simples. É necessário que se avalie a sustentabilidade do negócio.

Eu acho que largo prazo não [é possível manter a customização], até porque os modelos de negócio não param em pé. Eles precisam de escala; eles precisam de uma negociação que é super massificada, inclusive para garantir preço e tudo mais. [...] Embora eu acho que essas práticas adquiridas, essas empresas especializadas, elas acabam sendo incorporadas pela companhia de uma forma, enfim, quase que natural, pela aquisição, então, puxa, você não vai ser mais o super especializado em determinado segmento, mas você vai ter um departamento especializado dentro dessa empresa (D. Milagres, comunicação pessoal, Dezembro 19, 2017).

Isso leva à necessidade de se avaliar a escalabilidade do negócio, mas sem perder de vista a mudança de comportamento do consumidor que, de modo geral, quer receber algum nível de serviço, de atendimento, além do produto turístico per se. Uma possibilidade, é a criação de estruturas de distribuição que atue como parceira da operadora.

Eu acho que a gente tem que reinventar o modelo de franquias. Na verdade, o que a gente vem discutindo bastante aqui é que a gente ainda imagina – a gente, o mercado, tá, não só a Latam Travel – a gente ainda imagina o franqueado como um parceiro de um ponto de venda físico. E esse cara, pelo know-how, pela carteira de cliente e por tudo mais, ele pode ser um parceiro on-line também. O que eu acho que a gente precisa é evoluir nesse modelo, a gente tem discutido coisas do tipo: como é que um franqueado deixa de ser dono de um ponto de venda para ser um gestor de um território, e um território multicanal, que não necessariamente pode ser uma loja? (D. Milagres, comunicação pessoal, Dezembro 19, 2017)

Voltando à internet, se, por um lado, ela disponibiliza uma infinidade de informações, produtos e promoções para o mercado, por outro, a quantidade de material ruim, mentiroso ou tendencioso é igualmente grande. Por este motivo, o adequado conhecimento sobre o mercado e a curadoria das informações ganha relevância. Este aspecto também está relacionado a problemas de precificação e à necessidade de constante capacitação e treinamento de agentes e da força de vendas. Estes dois aspectos serão discutidos mais adiante. Cabe, assim,

às agências a entrega tanto de produtos alinhados aos desejos, às expectativas e às restrições de seus clientes, bem como do devido suporte durante e após o consumo dos produtos turísticos.

É o que eu digo, as pessoas acham que turismo é fácil, é como eu digo, eu costumo dizer, médico, todo mundo quer dar uma de médico: “Ah, você está doente? Toma uma aspirina. Não, toma isso, toma aquilo”. Publicitário... a mesma coisa. Eu sou publicitária. Eu sei, as pessoas começam a criar anúncio e não percebem que tudo tem a razão de ser: aquela cor foi colocada por um motivo, aquele slogan foi colocado por outro, então tem um estudo. Não, todo mundo acha que pode opinar num folheto, numa foto. Então não entendem que tem um estudo por trás disso. E o turismo é a mesma coisa, não é? Então as pessoas acham que é comprar um aéreo, comprar um terrestre e se jogar num país. E não é assim. Quer dizer, o índice de aproveitamento que você pode ter num lugar, não é, é 100%, ou 50%, ou 40%. Você pode até jurar que você foi para a França, mas você não teve 100% de aproveitamento do que você podia fazer na viagem. Então o barato sai caro, porque você foi até lá, você gastou o seu tempo que não volta. O seu dinheiro volta, mas o tempo não volta. Eu sempre digo, no turismo nós temos um agravante. Se eu comprar um negócio que hoje eu não gostei, eu vou na loja, troco, tenho o meu crédito, compro outra coisa. Isso não me atrapalhou. Agora, o que a gente não pode falhar no turismo é essa percepção do perfil do passageiro. Porque a hora que você manda o cara para o outro lado do mundo, aquilo você pode até reembolsar 100%, mas você não paga o tempo dele. O tempo dele não volta para trás. Aquele período que ele gastou na vida dele é único, não volta. Pode ter outros períodos, mas aquilo não volta (E. Piaskowy, comunicação pessoal, Fevereiro 6, 2018).

O nosso cliente ainda pede muito para montar um roteiro. Ele ainda utiliza muito essa história de ser uma loja, uma franquia, ter a presença, o contato físico para montar esse roteiro, geralmente o que ele sabe é: "Puxa, eu quero ir para tal destino, eu tenho tantos dias, eu não quero passar tal budget e eu vi no YouTube que tem que ficar perto de tal atração”. [...] por um outro lado, esse é um perfil que ainda é maioria, mas vem caindo. Vem caindo bastante e a gente tem percebido entrar nas nossas lojas cada vez mais um público que já pesquisou na OTA. Ele tem um drive cada vez mais racional nessa viagem, cada vez menos emotivo. Então é uma pessoa que já fala com você, por exemplo, de categoria de hotel de uma forma mais tranquila, é um cara que: "Olha, eu sei de custo benefício”. [... Por isso,] se você me perguntasse qual é o maior desafio de Latam Travel para os próximos anos, é justamente fazer essa transição: de um cliente que ainda requer muito o nosso suporte, ainda valoriza isso muito, para um cliente que vem cada vez mais preparado (D. Milagres, comunicação pessoal, Dezembro 19, 2017).

Porque assim, ao mesmo tempo que é uma empresa de tecnologia, é uma empresa atrelada às aéreas, a sistemas de logística. Então vamos supor, teve o storm, a nevasca aí. Então você tem milhares de pessoas chegando, milhares de pessoas saindo, então o cara que chega, não chega o cara que tem que sair, não sai. [...] Ou ato de terrorismo, então você tem esses problemas, que às vezes têm greve e tudo mais. Então toda vez que isso acontece, vem um alerta, a gente tem uma área de crise operacional e vem um alerta. A empresa inteira se dedica [a resolver a questão] (F. Botelho, comunicação pessoal, Janeiro 9, 2018).

Além da internet, outras tecnologias têm sido incorporadas ao dia a dia do setor de turismo, especialmente no exterior. O papel da informática e das novas tecnologias será discutido mais adiante, mas é pertinente sinalizar que foram coletadas diversas evidências sobre o tema.

aéreas que têm agências de turismo; fui visitar a Virgin. Foi bem legal e conversei com alguns executivos. Eu achava que, por ser um mercado mais maduro e principalmente de penetração de internet, que as lojas físicas estavam morrendo. Assim, o que eu percebi: lojas cheias, esses players abrindo novas lojas, então não sei se você conhece a flagship da Virgin, que é maravilhosa e tal, e os executivos falando: “A gente quer ter cada vez mais lojas como essa”. E eu te confesso que eu fui para a viagem pensando assim: "Esses caras vão falar com a gente como é que a gente vai acabar com a loja física e migrar para o digital” e eu voltei, e pelo contrário, como é que a gente vai evoluir na loja física porque ainda tem muito espaço para isso. Tem o cliente que busca experiência, tem o cliente que busca inspiração, principalmente, então eu vejo a agência de viagens, um espaço cada vez menos burocrático, não sei se você ouviu alguma notícia, teve oportunidade de ver a loja que a gente inaugurou em Santiago, o Costanera Center. É uma loja...ainda não é o modelo full experience, mas é uma loja que o cliente vai ter óculos de realidade aumentada, é um ambiente mais descontraído, então o que eu vejo, Roberto, são esses pontos de venda migrando de um perfil transacional, ou seja, um balcão onde eu compro um ticket, para lugares de inspiração de viagem. E aí, se esse cliente vai finalizar lá ou vai finalizar no on-line, é um desafio para a gente. Eu espero que ele finalize com a gente, seja qual for o canal. [...] As coisas que eu vi em Londres são as agências começando com bares. Você entra, a primeira coisa que você vê é um balcão de bar, mesmo, e serve drink e você fica ali batendo papo com o consultor antes de ir para uma mesa. Eu acho que o futuro da agência física passa por aí. [...] Se a gente vai ter uma redução a largo prazo no número de pontos de venda e tudo mais é muito possível que sim, mas as que ficarem vão ficar muito mais focadas em experiência (D. Milagres, comunicação pessoal, Dezembro 19, 2017).

Por último, é pertinente apontar que, embora muitas agências tenham percebido o novo contexto e a nova dinâmica competitiva, buscando adaptar-se a eles, há empresários que não enxergam o futuro com bons olhos.

Então, mas o futuro é realmente... eu acho que o futuro da agência é muito, muito, muito... é o que eu estou te falando. Nós somos mais velhas e nós já estamos também num end, não é? Quer dizer, tirando as operadoras que a CVC faz pacotinho, que todo mundo faz pacote, etc., isso vai manter. Agora, agência como a nossa eu acho que tem uma grande tendência [de desaparecer ...]. Agora, outro dia eu li um artigo também muito interessante que, até dos Estados Unidos, falando dessa volta ao querer o atendimento, que eu acho que isso pode ser revertido. Tem um monte de coisa que volta, por exemplo, se você falar: “Pô para o que eu vou ficar me matando e olhando nessa porcaria se é tão fácil, a Silvana faz tudo, caraca...”, você entendeu? (S. Pilão, comunicação pessoal, Novembro 30, 2017).

se você tem muito tempo disponível, lógico, eu diria que talvez uma agência, você pode até exagerar e falar, ela é quase supérflua (D. Graser, comunicação pessoal, Novembro 29, 2017).