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De acordo com o levantamento da teoria, em serviços, as pessoas exercem considerável influência sobre a percepção de valor e de qualidade dos consumidores. Seja a atuação e o atendimento dos prestadores de serviço, seja o comportamento de outros consumidores que estejam presentes no local em que o serviço é prestado, as pessoas podem causar impactos significativos. Por este motivo, a experiência do vendedor, do agente (do consultor de produtos turísticos) é importante. A vivência na área, o conhecimento técnico e o know how sobre produtos (visitas in loco) devem ser valorizados e reconhecidos pelas empresas. De modo geral, as agências entrevistadas demonstraram ter consciência disso, conforme as transcrições a seguir.

Por isso que na realidade o turismo, ele é muito complicado. Eu costumo dizer que o turismo é assim, trabalhar no turismo, quanto mais velho você é, mais valor você tem, porque você tem mais experiência, você tem mais vivência, você tem mais essas malícias de entender. Você bota um cara novo para trabalhar no turismo, imagina, até ele entender o que é esse nosso mundo são anos de experiência, que você não tem livro nenhum para ler, que você não consegue absorver, de uma pessoa sentar com você e explicar isso um mês, dois, você tem que vivenciar isso, você tem que botar o pé na estrada, você tem que ver, você tem que comparar, não é (E. Piaskowy, comunicação pessoal, Fevereiro 6, 2018).

Além disso, a capacitação e o treinamento das equipes ganham relevância. Não apenas em termos de qualidade de atendimento, ética, gestão de expectativas e vendas alinhadas às necessidades e condições do consumidor, mas também com relação aos produtos existentes, sejam eles comercializados ou não pela agência. Como sinalizado por diversos entrevistados, esse é um dos maiores desafios atualmente. Contratar e reter pessoas com nível cultural, vivência e educação adequados ao padrão de serviços que se deseja oferecer.

[O consumidor] é retido muito pelo atendimento na loja. A gente percebe como que isso é importante. Assim, como que as pessoas muitas vezes buscam, ah, não é que: “Que vou fechar uma viagem... eu vou conversar com o Roberto da Latam Travel Morumbi” [...]. [Se o Roberto sair da agência do Morumbi, o cliente] ainda vai descobrir onde o Roberto está. E aí o nosso desafio como franqueadora e como marca é reter o Roberto, o nosso desafio de retenção é do colaborador, porque a gente sabe da fortaleza que é esse cliente (D. Milagres, comunicação pessoal, Dezembro 19, 2017).

na linha de frente, na linha de atendimento e na linha de operações você precisa de gente muito capacitada, então é gente que já viajou, que tem experiência de viagem, que tem línguas, que tem, querendo ou não tem que ter um nível social próximo de com quem a gente está lidando [... Por isso, torna-se essencial a oferta de treinamento constante. O] serviço é muito delicado, então se eu estou vendendo um negócio de padrão máximo, qualidade máxima, que eu estou te falando, eu parto do princípio que eu não posso ter nenhum erro ou problema (A. Coltro, comunicação pessoal,

Dezembro 13, 2017).

Então é o que eu acho que é o principal desafio, não é, sem dúvida nenhuma é humano, não é, porque é ruim, mas é porque todo mundo precisa estar na mesma página e tudo mais. E saber do que se trata daquilo fazer sentido para ela (B, comunicação pessoal, Dezembro 6, 2017).

Ainda com relação às pessoas, é interessante destacar seu crescente papel estratégico nas empresas. Embora haja um crescimento considerável dos modelos de negócio baseados na internet e com uso intensivo de tecnologia, o fator humano não pode ser ignorado. A interação entre as pessoas, a sensibilidade para avaliar cada caso e a humanização do atendimento ainda são variáveis importantes na prestação dos serviços, como foi destacado na revisão teórica. Neste sentido, alguns entrevistados ressaltaram que muitos consumidores, mesmo os mais jovens, valorizam o atendimento humano em algumas situações.

tem até jovens que já estão querendo voltar a ter um atendimento humano... (A. Coltro, comunicação pessoal, Dezembro 13, 2017).

Porque essa moçada que hoje faz isso [faz tudo sozinha pela internet], quando ela estiver com 40 anos, principalmente o bem sucedido que tem o seu emprego e está estressado, não vai ter tempo de ficar na internet fazendo isso. Então nessa faixa dos 40, 50, que ainda tem filho pequeno, ela vai continuar precisando o agente de viagem, até os filhos dela crescerem, quando os filhos estiverem com 15 anos aí não precisa mais da gente. [...] Enquanto você é jovem, você está procurando mais barato. Você não quer gastar. Qualquer 10 reais é diferença no preço [...]. Mas quem está trabalhando e ralando, não é, do jeito que o mercado está competitivo, não tem tempo para nada. Quando ele sair de férias, ele quer chegar... já, sabe: “Ah, faz para mim, faz para mim, não quero parar para pensar”. O máximo que ele faz é olhar se está legal, se está onde ele quer, se está gostoso. [...] Até os 30, 35, 40, não quer. Mas depois dos 38, 40, já está de saco cheio. Ele volta a te pedir. É o que está acontecendo, é o que eu vejo, a moçadinha que não pedia nada, agora já começa a pedir (S. Sá, comunicação pessoal, Dezembro 12, 2017).

Assim, a retenção das equipes passa a ser estratégica para o sucesso das agências de viagens. Programas de capacitação, treinamento e desenvolvimento humano passam a ocupar um espaço mais relevante, assim como programas de cargos e salários. Estes aspectos podem ser observados nos comentários de Vera Gattaz.

a gente tem muito pouco turnover, eu acho que justamente por ela ser uma empresa pequena, e tem vantagens e tem desvantagens [...] eu procuro oferecer coisas que não sejam só focadas em vendas ou no turismo eu procuro oferecer coisas que são focadas na vida. Então se por um lado elas não têm como aumentar o cargo ou dar um upgrade no cargo elas têm como dar upgrade na vida e algumas pessoas apreciam isso e acabam ficando. [...] ele está vendendo 500 reais e um do lado está vendendo 500 mil dólares por um mega iate, então eu nunca quis que os meus colaboradores fossem comissionados, somente, porque é o que acontece com muitas agências, eles dão um salário básico... um fixo e o resto é comissão. Então eu criei um sistema onde todos recebem um super salário de acordo com a categoria e eles tem, sim, uma bonificação, mas eles têm a bonificação quando eles batem uma meta (V. Gattaz, comunicação pessoal, Janeiro 6, 2018).

Contudo, deve-se destacar que, como o objetivo das agências é formar equipes compostas por profissionais diferenciados (educados, que dominam outros idiomas, viajados etc.), a retenção desse perfil de profissional é mais complexa e isso gera desafios para as agências de modo geral.

um operário, é muito mais fácil você manter ele estimulado e uma pessoa de 30 anos que viaja o mundo, tem conhecimento de cultura, arte, história, línguas é super interessante e engajada na vida, é muito difícil manter essa pessoa super estimulada (A. Coltro, comunicação pessoal, Dezembro 13, 2017).

Além disso, como a confiança é uma dimensão muito importante no setor de turismo, a retenção das equipes é importante para o consumidor. Como discutido, o setor trabalha basicamente com promessas e sonhos, de modo que o consumidor precisa se sentir seguro para adquirir produtos turísticos, especialmente aqueles de preço mais alto (produtos de luxo). Até por este motivo, a desintermediação provocada pelos canais digitais não causa impacto devastador em todo e qualquer modelo de negócios dentro do setor turístico. O fator humano ainda é relevante.

Mas vamos tentar pensar só nas pessoas [...] Lógico, eu acho que você precisa saber diferenciar até onde você pode influenciar a pessoa no serviço e onde não, tá. Mas assim, sabe, eu acho que se você consegue criar uma relação bacana de confiança, que nem, o garçom talvez esqueceu de trazer aquele café que você pediu? Não é por causa disso que você vai falar: “Nunca mais”, não é, eu acho que existe um, não é, tem que ter uma certa tranquilidade (D. Graser, comunicação pessoal, Novembro 29, 2017). Para o que eu vou perder duas, três, quatro horas de pesquisa se de repente eu jogo isso na mão de um agente de viagem que é da minha confiança e ele pode me dar a melhor sugestão”... (A. Coltro, comunicação pessoal, Dezembro 13, 2017).

Uma forma de se conseguir reter pessoas e de se formar uma equipe alinhada aos objetivos da empresa é trabalhar na formação de cada colaborador e de se desenvolver projetos de reconhecimento. Nesse sentido, algumas agências comentaram ter programas estruturados de formação e desenvolvimento de pessoas.

Então todo mundo que está aqui é de fora, tem pessoas de longa data, acho que tem esse interesse também de estar trazendo profissionais, estar atraindo profissionais de diferentes áreas, eu sou um deles, por exemplo [...], a gente tem o backoffice que a gente faz como se fosse uma universidade, então a pessoa passa por todas áreas, então vai ajudando em tudo para treinar um pouco (B, comunicação pessoal, Dezembro 6, 2017).

[...] turismo é encantador, mas infelizmente a gente não consegue fazer com que 100% das pessoas que trabalham com a gente conheçam todos os destinos. A gente participa de fam tours, eu acho que o mercado como um todo também tem diminuído um pouco isso. Quando a gente vê e aí por questões de economia, hoje em dia a gente tem participado cada vez menos, mas a gente acredita, por exemplo, fam tours é um momento de a gente valorizar um perfil de vendedor e de executivo que não vai lá na ponta. Nas nossas plataformas de reconhecimento e de motivação a gente tenta sempre

levar os executivos que não conheceram determinados destinos, então para também a gente começar a ter cada vez mais gente conhecendo (D. Milagres, comunicação pessoal, Dezembro 19, 2017).

Embora a importância da capacitação e do treinamento das pessoas tenha sido uma constante no discurso dos entrevistados, o que está em consonância com teoria apresentada, a operacionalização dessa atividade mostrou-se bastante heterogênea. A forma como os treinamentos podem e devem ocorrer não representam um consenso no setor, conforme as transcrições a seguir. Algumas agências, em função de seu tamanho e quantidade de pontos de vendas (destacando-se as agências que trabalham com franquias), não têm como oferecer encontros presenciais nem fornecer viagens a todos os seus colaboradores/franqueados. Por isso, criaram estruturas de treinamento remotas, com destaque para plataformas online. Por meio de fotos, vídeos e descrições de destinos e produtos, tais empresas acreditam que seus canais de distribuição (que as pessoas) sejam adequadamente capacitadas e treinadas. Já outras, entendem que esse modelo não é satisfatório. Este outro perfil de agência entende que apenas o encontro presencial e o contato in loco com o destino, com o hotel, com a atração viabilizam uma venda de qualidade, com conhecimento efetivo, honesto e transparente sobre o produto turístico.

Como que a gente mantém a qualidade e o treinamento, a gente sempre tem treinamentos recorrentes, a gente tem diversas ferramentas on-line, a gente tem ferramenta... tem treinamento presencial, tem os nossos touchpoints regionais que ficam fazendo entrevistas ocultas, entrevistas presenciais, e a gente tem os master- franqueados, que são CPFs que possuem algumas lojas, então esses caras, eles são grandes instrumentos de disseminação de novas culturas, de novos aprendizados, então ele tem uma parte importante com relação à disseminação de treinamento e qualidade do ponto de vista... do ponto de atendimento, PDV. [...] tem fam tour, tem, só que isso é muito regional, então tem uma especialidade regional e existe um grande encontro anual (A. Gavioli, comunicação pessoal, Dezembro 27, 2017).

A gente tem um ferramenta on-line de vídeos onde a gente disponibiliza os vídeos de capacitação para todos os franqueados. A gente tem uma plataforma que se chama Mundo Latam Travel onde você tem, desde os lançamentos de produto até as fichas técnicas, até as parcerias que a gente tem feito, enfim, então tem um ambiente on-line muito forte. Tem alguns momentos presenciais, então a gente tem trimestralmente uma reunião de franqueados onde a gente reúne todos os franqueados do Brasil em algum lugar e uma anual. [...] é tudo a franqueadora que banca e aí a gente tem alguns momentos de capacitação geralmente em parceria ou com destino, [...] mas eu te diria que hoje, 90% do nosso volume de capacitação é on-line, está nessa ferramenta. [...] isso hoje é um pouco mais fácil e por um outro lado é um desafio, porque a gente também tem um cliente mais preparado, então a gente também tem um cliente que muitas vezes está numa situação de talvez saber mais ou achar que sabe mais do que o vendedor. É um desafio para o segmento. É, o que a gente sempre prega é que partindo do princípio que 100% dos executivos não vai conhecer 100% dos destinos, mas que pelo menos que ele seja capacitado muito bem nos serviços e de forma muito verdadeira. Então assim, puxa, ele não vai te falar: “Ah, Roberto, conheça a Piazza Navona, porque é interessante”, porque ele não foi, mas ele vai falar: “Olha, dentro do nosso portfólio de hotéis no destino, a gente sabe que esse aqui é um 5 Estrelas e que tem isso, isso e isso”, então a gente busca pelas características técnicas do serviço

essa diferenciação, porque de fato não vai conhecer tudo (D. Milagres, comunicação pessoal, Dezembro 19, 2017).

Não! Não! Não [ver vídeos online não treina um agende adequadamente]! [...] Mas a gente viu umas aberrações no mercado de turismo de operadora que colocava no anúncio: “Olha, Moçambique é uma ilha, numa ilha”, etc., botavam assim, “um complexo de ilhas”. Uma historinha que eles pegaram na internet, sei lá, uma historicozinho que eles viram na internet, os caras, a gente sabia que nunca tinham pisado os pés em Moçambique e estavam lá divulgando o pacotinho porque pegaram uma operadora lá, falaram: “Me dá um pacote aí de uma semana em Moçambique, eu vou anunciar para eu entrar na concorrência”. Mas sem conhecimento de causa, sem conhecer o destino. Então uma coisa que a gente nunca faz isso. A hora que você ver o nosso nome publicado você pode ter certeza que aquilo teve, um ano antes, no mínimo, uma pesquisa em profundidade (E. Piaskowy, comunicação pessoal, Fevereiro 6, 2018).

Bom, basicamente viajando, não é, viajando... Antes do viajando, a gente tem, recebe muito treinamento aqui. Então muitos fornecedores vêm, passam filme, fazem apresentação, explicam, detalham tudo. Então tem vendedor que é expert num produto, num destino. [...] na prática, mesmo, é a vivência, não tem... hoje, se você pegar o Google, tudo isso ajuda muito, não é? Dá para enganar muito bem. É, é, os reviews eu acho até muito arriscado porque pouca gente elogia, muita gente critica. Então, às vezes, vai achar que o negócio é ruim. Não é tão ruim. E, às vezes, o review bom é de alguém conhecido para ajudar (F. Levy, comunicação pessoal, Janeiro 4, 2018).