• Nenhum resultado encontrado

A visualidade: escrita e imagem

CAPÍTULO I: PERCURSO ICONOLÓGICO

ENQUADRAMENTO A: ICONOLOGIAS

4. A visualidade: escrita e imagem

Com o alfabeto, o elemento visivo se destaca do gesto e do som, ingredientes menos necessários para atualizarem a nova forma de informação, agora registrada no papel. Com isso, o homem é convidado a se engajar, hermeneuticamente, na ordem visual da escritura para compreender, por inteiro, as mensagens circuladas no âmbito sócio- cultural.

A invenção da grafia e a popularização da escrita nivelaram, num primeiro momento, o visual ao literário. Não o inverso, como indicavam as tendências estilísticas na época das iluminuras. Desta feita, a imagem, quando aparecia, era um apêndice, um ornamento supérfluo do texto escrito, por exemplo, com a função auxiliar de complementá-lo redundantemente. A mudança, que estaria por ocorrer, foi a troca da linguagem padrão, sob a dominância do signo linguístico, indutor de estruturação sintática das mensagens escritas, pela linguagem icônica, na qual a imagem, pouco a pouco, torna-se equiparável à escritura.

Na análise de McLUHAN(1971: 184), o maior mérito do jornal foi

forma todos os demais fatos sensoriais da palavra falada”. Com o alinhamento do texto, a materialidade escrita da comunicação oral acentua o raciocínio lógico e sequencial, condicionando no leitor, recém- alfabetízado, uma disposição dos olhos para o movimento de varredura linear. A imprensa, ao desencerrar os analfabetos, suscita uma medida urgente: aprender a ler para participar, de modo consciente, da sociedade em mudança. Contudo, enquanto instrumento de comunicação, a imprensa somente ganha contornos massivos 300 anos depois da sua criação, a partir da invenção da rotativa, capaz de imprimir centenas de folhas por hora, e do linotipo, que substitui a composição manual tipo a tipo. As transformações que se seguiram marcaram, virtualmente, muitos dos aspectos da vida do cidadão; a sua resistência àquelas transformações assemelha-se, em certo grau, à resistência às mudanças que os meios de

comunicação social provocam ainda hoje (CARPENTERe McLUHAN,1980:235).

A exemplo do que ocorreu com a iconização dos capitulares dos

manuscritos medievais, a imprensa, de modo gradativo, busca incorporar imagens em seu corpo textual. O signo icônico, inicialmente um ornamento literário, surge a seguir como um componente referencial do fato noticioso que representa. Isso pode ser notado no estilo das manchetes de jornais que tendem a transferir para as letras a forma icônica, mais próxima da ressonância pictórica. Assim, observa W. BENJAMIN (1980: 6), aguçadamente, em meados do século XX: "doravante pode o desenho ilustrar a atualidade cotidiana. E nisso ele tornou-se íntimo colaborador da imprensa".

Para cumprir seu objetivo de reportar a atualidade de maneira noticiosa, a imprensa não se limitou à tipografia gutenberguiana e tratou de pesquisar novas técnicas de gravação e de ilustração. Técnicas que proporcionassem uma forma de impressão gestáltica, de fácil apreensão, com menos texto e mais imagem, em que o ler se equivalesse simplesmente ao ver. Tal tendência, que já pressagiava o papel

dominante que a imagem viria a exercer no mundo da cultura, acentua- se gradativamente com a descoberta de novas tecnologias, que permitiram a impressão de imagens sob a forma de caricaturas, fotos reticuladas, charges, gravuras, historietas em quadrinhos, infográficos, etc.

Até mesmo a parte tipográfica, influenciada desde a invenção da escrita alfabética e reforçada com a invenção da imprensa pelo padrão literário do texto cursivo, alterou-se e moldou-se segundo o novo padrão da imagem. Iniciava-se um processo de condicionamento, ou melhor, de descondicíonamento da varredura linear marcada pelo texto

escrito, de modo a libertar os olhos do leitor frente à página impressa,

que cada vez mais vai se tornando icônica.

Qualquer que seja a importância atribuída à imprensa pela disseminação técnica da imagem, a sua invenção representa um fator,

talvez o inaugural, do fenômeno mais generalizado de iconização, que se

observa com o progresso dos equipamentos de gravação, fixação, projeção e transmissão da imagem, a partir da segunda metade do século XX.

Com a invenção da fotografia, por exemplo, abriram-se horizontes para o desenvolvimento de tecnologias específicas de captação e impressão da imagem. Logo a seguir vieram o cinema e a televisão, instrumentos mais aperfeiçoados e auxiliares na representação do real, com imagens sonoras, coloridas e em movimento.

Referindo-se ao cinema como meio propiciador de uma nova

" graças a ele o homem conseguiu empregar o signo icônico para estruturar linguagens visuais de tipo global. Antes de sua descoberta, as possibilidades de um discurso visual eram fictícias e reduzidas a simples cognatos. Como belos elementos soltos, sem argamassa que conseguisse convertê-los objetivamente em estruturas com desenvolvimento temporal, as imagens elanguesciam, por faltar, precisamente, o instrumento sintático que mobilizasse o signo icônico tornando-o suscetível de construir frases e discursos inteiros. Somente o cinema, que era à primeira vista um simples meio mecânico para entalhar, fixar e transportar signos visuais, atualizou as virtualidades discursivas de toda imagem".

Mais recentemente, a indústria da informática, popularizando o uso do computador, tem permitido a criação de realidades virtuais e interativas, engajando o sujeito em um universo de novas e estranhas relações cognitivas. O saber informatizado, diferentemente do conhecimento objetivo derivado da escrita e do saber instaurado na época da oralidade primária, encontra no elemento imagem um suporte sintático e instrumental para seu desenvolvimento dentro do modelo digital. Esse saber não é lido ou interpretado como eram lidas e interpretadas as informações codificadas nos paradigmas de inteligência anteriores, respectivamente, o da escrita e o da oraíidade. O saber informatizado existe para ser explorado de forma interativa, como um banco de dados, um hipertexto. Interatividade que, segundo Jean -

Louis Weissberg (apud PARENTE, 1993:117), associa-se à ideia de

simulação tanto quanto a imitação ou a farsa. As imagens, padronizando

uma forma de linguagem de fácil codificação e penetração, uma interface amigável, semiotizam os dados da rede do hipertexto, permitindo um conhecimento por simulação que, para Pierre LÉVY (1993: 121), é, sem

dúvida, "um dos gêneros de saber que a ecologia cognitiva