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Sob o signo da imagem espetáculo

CAPÍTULO IV – IMANÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO HIPER-REAL

ENQUADRAMENTO A: A NATUREZA SÍGNICA DA REPRESENTAÇÃO

3. Sob o signo da imagem espetáculo

A realidade que se vive e se imagina é concebida previamente, de modo técnico, a fim de que possamos reproduzi-la e conformá-la ao próprio cotidiano. O "real" converteu-se em um espelho da mentalidade e dos

interesses que os centros produtores de imagens masssivas e hiper-reais nos

oferecem a todo momento, sedutoramente ( cinema, televisão; video, informática, publicidade ).

Como vimos contextualizando, ao longo de nossa pesquisa, a imagem-simulacro abrange o universo de toda a representação de nossa atualidade. Isto porque a imagem (imago) já não se constitui, a posteriori,

como uma referência a um mundo tangível, lógico e cronologicamente anterior. Ao contrário, ela inverte hoje esta sucessão causal. Ademais, a imagem antecipa-se à realidade: imprimindo a ficcionalização do real.

A vida "nua e crua" deve agora assumir uma conformidade com a imagem virtual - um processo mágico de reflexão, de absorção, de distração e de irônica fascinação em frente ao espelho das telas. Este processo contaminou de tal forma o antigo real, que este passou a ser a representação invertida da imagem técnica: um fenômeno de massa sem profundidade ou diferença, sem falsidade ou verdade, indistinto no bem e no mal, amoral, submetido à lógica de uma implosão e explosão de significados.

"A vida - diz Baudrillard - é hoje um travelling, um percurso cinético, cinemático, cinematográfico". E o maior desejo de qualquer mortal é tornar-se uma imagem, a única realidade concreta (desejável), o único destino sagrado, um denominador comum da política, do social, do econômico, do artístico ou do esportivo. Todo fenômeno que não se tornou imagem técnica nos meios de comunicação não existiu, não foi, não é.

Para Guy Debord ( A sociedade do espetáculo [2008] ) e Eduardo Subirats ( A cultura como espetáculo [1988] ), a civilização técnica e industrial reproduziria, nos objetos imagéticos, os mesmos valores abstratos de qualquer outro bem econômico, ou seja, um valor de troca apenas mercantil, que independe da própria densidade criadora e subjetiva. O nexo entre a criação e o valor que uma obra artística simulada adquire seria pura magia, idolatria, festa, entretenimento e espetáculo. Submeter-se-ia à mesma lógica do uso prático e imediato ( o que no terreno da cultura se chama filistinismo ): a de ser algo efêmero, rapidamente consumível, volátil ou descartável, a fim de que o mecanismo encadeado de produção, de consumo e lucro, este sim, prevaleça. Esta é a condição do espetáculo, que precisa dar ao mais distante espectador a sensação de estar inserido no show, porquanto a grande maioria somente tem acesso ao espetáculo através da sua extensão midiática e publicitária, na forma de imagens.

Para Lipovetsky, as pessoas, o púbico as massas têm acesso a inúmeras coisas, informações, tecnologias, tudo de uma forma extremamente rápida; e sintetiza de maneira bastante consistente esta questão (Cf.:Tempos hipermodernos): tudo está sendo levado ao extremo, desde a moda, tecnologia, estética, até a economia, por isso, o conceito de Hiper. “A sociedade estar vivendo hoje, um momento de hipermodernidade”. À sociedade apenas lhe é oferecida uma infinidade de opções de consumo e identidades, dada a abundância de produções culturais distintas.

Segundo Debord, o espetáculo chega a ser visto como a própria sociedade, como uma parte dela e também ele se constitui no modelo da atual vida dominante na sociedade. Demonstrou, por outro lado, que o espetáculo tem uma finalidade própria: a produção de signos, esses signos modernos vão desde as marcas publicitárias, os produtos, e até os ídolos dos

espetáculos. “A linguagem do espetáculo é constituída por signos da

produção reinante, que são ao mesmo tempo a finalidade última desta produção” (2000:11).

Assim o espetáculo se estende através de um mundo hiper-real – em suas imagens técnicas - e, retorna a ele na forma de novos espetáculos. Daí dizermos que a realidade se afasta na ilusão da representação da hiper- realidade. Surge então o universo de uma estética do simulacro que foi abordagem proeminente do pensamento de Baudrillard.

A lógica desta estética consiste em: abolindo a realidade e substituindo-a pela ilusão, no jogo das aparências, fazer brotar o hiper-real representando a saturação icônica de nossa cultura pós-histórica. Instala-se, por esta via, a estetização da experiência onde a realidade retrocede frente a suas imagens, que se reproduzem ao infinito no êxtase da comunicação e da hipertrofia da informação.

Hoje esta escalada incorpora indiferencialmente todas as formas de arte e todos os estilos, que entram em campo trans-estético da simulação.

Baudrillard localiza precisamente no excesso expressivo o núcleo essencial da sobredose de realidade:

“O que hoje se presencia além do materialismo mercantil é uma semiorgia de todas as coisas através da publicidade, as mídias e as imagens. Inclusive o banal se estetiza se culturaliza, se museifica. Tudo se diz, se expõe, se expressa, tudo adquire força de extroversão e se torna signo. O sistema funciona menos devido a mais-valia da mercadoria que à mais-valia estética do signo.” [‘Transparencia del mal’. p. 22].

“Liberados do real podemos fazer algo mais real que o real: o hiper- real”. Baudrillard aponta que houve uma orgia do real e de seu crescimento. Foram percorridos todos os caminhos da produção e da superprodução de objetos, de signos, de mensagens, de ideologias e prazeres. Hoje tudo está liberado e as coisas querem manifestar-se. Os objetos técnicos, industriais, mediáticos, todos os artefatos querem significar, ser vistos, ser lidos, ser registrados, ser fotografados de maneira ‘obscena’. Em imagem-espetáculo.

O espetáculo está relacionado com esta obscenidade da representação. “Quando as coisas se mostram demasiado reais, quando aparecem imediatamente dadas, quando nos achamos nesse colapso que faz que tais coisas se aproximem cada vez mais, nos achamos na obscenidade... Este mundo demasiado real é obsceno.”. [idem].

A vivência no espetáculo das representações midiáticas de simulacro gera um estado de permanente especularidade (inerente ao obsceno). Este é um dos estágios propícios à vigência da hiper-realidade, onde tudo que se germina é signo, dentro da linha de pensamento que estamos perfilando neste enquadramento sobre a natureza sígnica da representação.

Se a representação consiste em simulacros [Baudrillard], sua

visibilidade e visualidade resolvem-se pela imagem. Esta assumindo a

hipermoderna [Lipovetsky]. Temos aqui a equação sígnica da representação do espetáculo imagético hiper-real contemporâneo.

Noutro aspecto, Lipovetsky indica em ‘Tempos hipermodernos’ que o termo hiper é utilizado em referência a uma exarcebação dos valores criados na modernidade, atualmente elevados de forma exponencial, que resultará na era da Hipermodernidade, caracterizada por uma cultura do excesso, do muito mais. Na qual todas as coisa se tornam intensas e urgentes.

Na confluência destes argumentos, vislumbra-se a natureza estética como imanente das representações hiper-reais, confluindo para: espetacularização [impacto]; estetização [do cotidiano]; ficcionalização [do real]; os efeitos de realidade e montagem obscena de representação. E no urdimento das destas instâncias hiper-reais, ao invés de se considerar a hiper-realidade no sentido de uma realidade virtual apenas, decorrente das novas tecnologias, consideramos também no sentido metafórico de outra realidade que não a tradicional. Neste âmbito, inserem-se as categorias escolhidas para compor o cenário das representações hiper-reais, sob o ponto de vista de uma emergência estética em constante devir.

ENQUADRAMENTO B: A NATUREZA ESTÉTICA DO HIPER-REAL