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CAPÍTULO IV – IMANÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO HIPER-REAL

Figura 29 Insônia 1994 Perfomance/instalação Jeff Wall

3.3 Efeito de Impacto

Como ficou aduzido, o efeito de realidade adota, quase sempre, um dispositivo de impacto. A partir disso, é possível pensar a

contemporaneidade como uma combinação com este fator ‘impacto’,

caracterizando a hipermodernidade e constituindo um novo perfil de

representação imagética para um espectador, que supõe contemplar

aprazivelmente o próprio impacto.

É o que promove as criações das peças publicitárias da Benetton que, em grande amplitude escalar, se nos expõem temas impactantes ou tabus, trazendo-os surpreendentemente à visão do público – em cada campanha de um produto que lança no mercado. A abordagem se realiza com tratamento de espontaneidade fotográfica, seguindo o espírito de veracidade documental. (Fig.33/49/50).

Figura 33 - Out-door da Beneton - 1980 - Morte de um paciente de AIDS e sua família

Na urdidura da hiper-realidade, já nos referimos antes, há uma apoteose da visão sobre as demais faculdades sensíveis. Daí porque os formatos hiper-reais adquirem proeminência na iconosfera contemporânea. Os exemplos que apontamos constituem metonimicamente a expressão de uma realidade total – onde a imagem triunfa e se exibe em hiperespetáculo.

Presenciar uma tragédia ao vivo, estampada como na imagem- evento do ataque de dois aviões ao maior palco – onde transcorriam as encenações de poder e do domínio como trama (invisível), no subterfúgio imperialista - provoca e promove novos princípios de visibilidade e visualidade. Trata-se da instituição exorbitante do hiperespetáculo: o impacto e a vitória, afinal, da imagem [conquistadora] ao alcance de todos.

Figura 34

Instante fixado do início da destruição impactante das Torres gêmeas de New York, nos EUA – manhã de 11/09/2001. Foto de divulgação: World Trade Center em chamas.

A imagem do segundo avião avançando para chocar-se contra a torre será certamente uma das imagens antropológicas mais exatas para indicar o exato momento do êxtase estético da visão hipermoderna.

O triunfo do olhar estarrecido, embevecido, embriagado pela catástrofe, além do próprio espetáculo, representada em voos de impacto de grandiosa

e impensável amplitude: o avião que avança, o corpo que escapa, em perfeita instantânea atualidade hiper-real. [Figura 35].

Fig.35

Imagem da queda de uma pessoa, pulando da torre norte do World Trade Center Ora, o impacto tem também seu melhor recurso na imposição da

‘obscenidade’ [Fig.37 a 40]. Esta assume outras variantes que ultrapassam às

relacionadas, comumente, apenas com atitudes e práticas sexuais, segundo as asserções de Jean Baudrillard quando abordou esta questão de maneira recorrente, nos últimos anos. Isto é o que pondera em “As Estratégias fatais” [p. 67-68]:

“Para que uma coisa tenha um sentido, é necessária uma cena, e para que exista uma cena, faz falta uma ilusão, um mínimo de ilusão (de sedução), de movimento imaginário (de movimento imaginante), de desafio do real, que nos arraste, que nos seduza, que nos rebele. Sem esta dimensão propriamente estética, mítica, lúdica (dimensão da ficção), nem sequer existe cena do político, em que algo possa

constituir um evento. E esta ilusão mínima desapareceu para nós: não há nenhuma necessidade nem nenhuma verossimilitude para nós nos acontecimentos[...] do terrorismo ou da inflação, ou da guerra fria. Temos uma super-representação deles nas mídias, mas nenhuma imaginação verdadeira. Tudo isso para nós é

simplesmente obsceno, posto que através das mídias está feito

para ser visto sem ser contemplado, alucinado entre linhas, absorvido como o sexo absorve ao voyeur: à distância. Nem espectadores, nem atores: somos uns ‘miradores’, sem ilusão”.

Figura 36 - Imagem da desolação em um hospital de Baghdad, flagrada por Max Becherer, para The York Times.

Debray (1993) é taxativo em dizer que “a prova pela imagem anula os discursos e até os poderes”. Em abril – 2004 – a mídia mundial emudeceu com a divulgação de tortura a prisioneiros da guerra do Iraque. Bush disse que: «existe uma diferença abismal entre a crueldade de Sadam e os incidentes isolados de tortura das tropas ocupantes».

Para Bush, sodomizar prisioneiros, dar-lhes tarefas mortais, obrigá- los a masturbar-se para os machucar, envolver-lhes as cabeças com plásticos

ou derramar sobre eles azeite a ferver, «são incidentes isolados muito

As suas palavras, despóticas, buscavam justificar seu terror com a tirania de Sadam. Um exato ditirambo hiper-real de louvor à obscenidade.

Figura 37 – Foto:divulgação.Cena de Militar Americana, subjugando Prisioneiro Iraquiano. A obscenidade tem implicações múltiplas que dependem das circunstâncias de sua aplicação ou melhor de sua aparição. Porque obsceno [de origem latina] é tudo aquilo que por estar fora de cena, vem às claras. Se apresenta para ser observado; ser apropriado pela vista, por aquele que se compraz com o pleno olhar a cena. Extrapola então o comum; passa à ordem do extraordinário, do espetacular. Opera, às vezes, veladamente; mas o exagero é a maneira com que se apresenta para a satisfação do espectador.

As fotos da perversidade dos militares americanos, vindo ao conhecimento do público, são obscenas em razão de suas propriedades invulgares, pelo insólito das situações, estranheza e degeneração ética. Cenas escabrosas.

Figura 38 – Foto: divulgação – sobre orgias forçadas com prisioneiros do Iraque.

A resolução 3059 da ONU definiu a tortura como todo o tratamento cruel, desumano ou degradante de prisioneiros, e que em democracia o primeiro dever de um estadista é combater a tortura. Sua prática e incentivo e mais ainda sua configuração imagética sensacional, afeita à mídia, é um correlato obsceno, extremado.

A publicação das fotos 37/38/39/40/41 – se enquadra neste conceito.

Figura 39 - Soldado torturando prisioneiro civil iraquiano. Foto: divulgação

Figura 40 – Intimidação à prisioneiro – Guerra do Irak. Foto: divulgação 3.4 Montagem Obscena.

A obscenidade é o império absolutista da percepção. Não há mais que o visível-visual-perceptível. A obscenidade é uma espécie de imposição da realidade inimaginável. Isto é, da realidade que, por dar-se à percepção absoluta, impede a possibilidade de ser imaginada.

Surpreendente, instantânea, programada, calculada, perversa, extravagante, patológica, envolvente ao mesmo tempo; se instala – por montagens opulentas - no cotidiano de cada um. Simula a ilusão de o espectador poder ver tudo e dissimula a redução da realidade crucial ao

espelhamento de sua presença imediata. [Fig.41].

Figura 41

Em 6 de maio de 2004 – As fotos mostram soldados dos Estados Unidos, humilhando prisioneiros iraquianos na prisão de Abu Ghraib em Bagdá, no Iraque. [Fig.40/41].

No hiperespetáculo imagético de que tivemos uma pequena amostragem icônica, a imagem das Torres gêmeas e da sequência da atuação dos soldados do E.U.A resultam apenas, hoje, em fotografias da barbárie no apogeu da civilização, obtidas com uma câmera furtiva de celular para serem vendidas às grandes redes de televisão e disseminadas exaustivamente na Internet como um vírus do mal absoluto. Não mais que imagens sensacionais, conseguidas, efetivamente, para uma boa retrospectiva de final de ano. Uma imagem para o YouTube. Uma imagem para concorrer com o ‘hit parade’ das imagens mais extraordinárias do ano.

Deliberadamente obscenas: o que restará desses processos midiáticos pretensamente exemplares? Nada mais do que imagens. Se o 11 de setembro rompeu a “greve dos acontecimentos” na linguagem de Jean Baudrillard ele já não passa agora de uma imagem de retrospectiva, um cartão postal da estupidez humana a integrar o álbum das imagens do século.

Ainda mais que para cada imagem se promove, hoje, uma espécie de assepsia, tornando-a límpida sem a mancha da realidade verdadeira por ter sido emoldurada em um real próprio para consumo espetacular.

Na imposição da realidade inimaginável tudo é dado à vista de todos. O sortilégio do obsceno consiste em fazermos crer na proximidade infinita da realidade: em fazermos crer na ilusão da supressão de todas as distâncias e todos os obstáculos e opacidades. A indústria do real se serve do obsceno para criar a ilusão e a complacência de que a realidade está à mão, ao alcance inexorável do olho, sob o controle de quem está vendo (i.é. o espectador).

Fig. 42 - Alcyr Collaço, dono da “Tribuna do Brasil’, guarda na cueca dinheiro de

proprina do mensalão brasiliense. A gravação, feita por ex- secretário do governador, mostra o empresário recebendo R$ 30 mil e copiando o gestual ‘petralha’ de enfiar o dinheiro junto às partes pudendas. O fato serve para

ilustrar o alastramento da corrupção que se revela disseminada. A cena da imagem, Figura 42, simples que seja, se transforma em pura

‘cena estética’. Infograficamente procede-se uma assepsia: dota a imagem de textura suavizada; as manchas conotativas lhe são retiradas ou abstraída;