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CAPÍTULO II : PREMISSAS DA VISIBILIDADE FOTOGRÁFICA

3. Visões de épocas

Como diz Barthes se se quiser promover uma reflexão sobre a fotografia teremos que partir da situação embaraçosa, na qual esta sempre se tem encontrado. A fotografia encontra-se presa entre dois escolhos. Por um lado é

como uma espécie de "substituto" da pintura e fala-se automaticamente em fotografia de arte.

Ora que acontece é que a fotografia não pode ser uma mera transcrição do objeto, quanto mais não seja, porque é plana e não tem três dimensões e por outro lado, também não pode assumir-se como arte, porque copia mediante um dispositivo mecânico. É esta a dupla infelicidade da fotografia, no dizer de Roland Barthes. Assim toda e qualquer teorização a ser feita da fotografia terá de incidir sobre a conjuntura dupla na qual ela está enleada e ainda ter em conta o percurso histórico social, bem como as suas demarcações em relação à atmosfera reinante das outras artes.

Convém salientar pelo menos três momentos, neste percurso da imagem

fotográfica – escolhido no direcionamento do contexto deste trabalho. Um

primeiro relaciona-se com os ideais estético-literários e militantes da época post-romântica; é deste momento que datam as exigências morais da profissão de jornalista independente [função determinante na implementação da imagem fotográfica]. Pensava-se que incumbia ao fotógrafo a tarefa desmascarar a hipocrisia e combater a ignorância ao lado do repórter e do romancista da época. Divulgou-se aos quatro ventos que a fotografia exprimia a verdade em estado bruto e que ao fotógrafo, em virtude do seu "medium", competia mais do que ao pintor, revelar e proclamar a exigência da verdade.

Em um segundo momento, começa a constatar-se que a fotografia já não se limita a esta função servil de registro mecânico do real. A máquina fotográfica, entretanto, também muda e começa a introduzir pequenas doses de aparência ligadas, quer à capacidade perspicaz do fotógrafo, quer ao aperfeiçoamento de uma máquina que se deleita em captar aspectos do real que o olho até então era incapaz de ver. Não somente a máquina amplia as nossas possibilidades de visão graças à microfotografia e à teleobjetiva, mas ainda modifica a nossa maneira de ver, apresentando a visão como fim em si.

Para um terceiro momento, parece-nos ser útil pôr em evidência a reviravolta operada pela " VISÃO FOTOGRÁFICA" e o contributo que ela prestou nomeadamente à pintura. Assiste-se a uma mútua influência e a uma troca de técnicas e intuições entre a pintura e a fotografia.

É notável a importância deste pormenor histórico: é no estúdio de Nadar (*), em Paris, que no mês de abril de 1874 foi realizada a primeira exposição que reunia impressionistas, com destaque para: Manet, Renoir e Cézane.

Figura 2 - Estúdio de Nadar / Paris

Por sua vez, Fox Talbot experimentava e isolava formas obtidas com a sua máquina. O fotógrafo inspira-se, posteriormente, nas teorias da Bauhaus e liga-se às normas ideais da beleza formal, procurando através delas transgredir as normas que regem a visão ordinária dos cânones estabelecidos.

(*) Felix, NADAR – 1820-1910 – Fotógrafo, caricaturista, Jornalista Francês. Inovou no Fotojornalismo. Revolucionou a arte fotográfica do retrato. Biofotografou os maiores expoentes da ciência, arte e cultura da França no final do séc. XIX.

Apesar mesmo do caráter vanguardista de algumas das experiências fotográficas realizadas no período entre as duas guerras, por Paul STRAND(*) [Fig.3/4], Minor WHITE(**) [Fig.5/6] e Edward WESTON(***) [Fig.7/8/9] - acontece que muitas delas só chegam a ser reconhecidas depois da investigação e da descoberta dos pintores e escultores modernistas.

Mas será com o advento do hiper-realismo, na contemporaneidade, que toda esta produção seminal servirá de esteio formal para elaboração de novas visualidades estéticas: o real ficcionalizado, a partir de P. Strand; a natureza estetizada, com M. White e a inserção do corpo como narrativa escultórica, antecipada por E. Weston: todos reverberados no movimento hiper-realista de que trata o núcleo central deste trabalho.

Strand: no seu verismo, compõe pequenas narrativas com personagens

Figura 3 - A família Luzzara – Itália, 1953- P. Strand Figura 4 - Wall Street -N.YorK, 1915-P. Strand

fotografados, iludindo a ‘pose estática’ e realista, bem como estruturando o espaços ficcionais como na figura 4.

(*) Paul STRAND – 1890-1976 - New York.Fotógrafo e cineasta. Incorporou o modernismo à pintura no séc. 20. Fundador da Liga dos Fotógrafos para causas sociais. Exerceu influência em Edward Hopper, o precursor do Hiper-realismo nos E.U.A.

M. White transforma a natureza em ambientes ilusórios; uma estética com forte propensão onírica. A foto passa a ser suporte para intervenção plástica.

Figura 5 - Estrada e Álamo – 1955. Minor White Figura 6 - Celeiro e Nuvens - 1955 - Minor White

Figura 7 – “Vale” 7.1“Pimenta” 7.2 “Concha” - Ed. Weston- E. Weston enfatiza texturas; em suas fotos o elemento escultural, resultante de uma

inclinação projetiva para aproximar e criar novas formas, evolui para uma retórica da imagem por analogias: seus nus já preexistem polidos nos seres da natureza. Antecipa-se à concepção do hiper-real: ele não retrata, ele molda o modelo[Fig.8/9].

(**)- Minor WHITE – 1908-1976 – Minnesota/E.U.A – Fotógrafo que cultivou a fotografia como ‘expressão’. Foi curador da Eastman House e Professor no Institute of Technology/ Rochester - 1956/64. Participou de grupo renovador da profissão com Steiglitz, E. Weston e Anselm Adams. (***)- Edward WESTON – 1886- 1958 – Illinois. Cultuou as formas sensuais tanto da natureza como do corpo. Primeiro a adotar o GP na fotografia como estilo. Considerado um dos inovadores do séc.XX. Produziu e publicou campanhas para Kodachrome. E foi o criador do Dep. de Fotografia do Museu de

Figura 8 - Nu – 1925 - Edward Weston

Talvez que a reflexão a se realizar sobre a fotografia tenha que incidir alguma vez mais, ao contrário do que habitualmente se diz e se escreve, não tanto em analisar a " fotografia-documento " e a " fotografia-pintura”, mas em seguir atentamente o emaranhado do "estilos paralelos" que intercalaram estes dois tipos de produção: os exemplos dos três fotógrafos acima citados o comprovam.

A produção teórica que se tem feito, incluindo mesmo a de R. Barthes, tem sido refém daquela versão dualista e não tem ousado avançar proposições ligadas ao "estilo fotográfico", preferindo encostar-se por comodidade “aos conceitos da filosofia ocidental que justamente exprimem uma visão pictural (escultural) e literária das coisas" (VANLIER, H. 1983:11).

Daí, a oportunidade de, em próximos itens, ter que se abordar a questão estilística, entendendo desde já por estilo “um fenômeno de ordem germinativa” (BARTHES, R. 1977:19), que funciona à maneira de uma necessidade e que se elabora desentranhando-se de uma ‘infralinguagem’.

O estilo será compreendido como um segredo bio-inventivo. Talvez seja através desta “vertente silenciosa” que seja possível perceber a natureza volúvel do “devir-artístico-da-fotografia”, redescoberto na hipermodernidade.

Se a fotografia nos tem legado uma história de influências nas linguagens contemporâneas - talvez seja por ela estar prenhe de estilo - talvez seja por aí que ela venha a contaminar e a esclarecer o laço enigmático que une

a curiosidade, ou a sua modalidade ausente a “recordação”, à atividade

predadora - ativadora do ato fotográfico da qual falamos – e consusbstanciada no estilo hiper-real.

ENQUADRAMENTO B: IMANÊNCIA FOTOGRÁFICA