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4 – A VOZ DA AMÉRICA INVADE AS ONDAS NACIONAIS

RÁDIO EM MOVIMENTOS

IV. 4 – A VOZ DA AMÉRICA INVADE AS ONDAS NACIONAIS

Para evitar a aproximação de países da América Latina de linhas contrárias ao regime americano e promover uma integração no continente, os Estados Unidos implantaram como parte da política da boa vizinhança ações culturais buscando uma identidade americana, já que os países sul-americanos sofriam uma intensa influência de algumas nações européias.

4 No caso do Brasil, o programa foi implantado em plena era “varguista”, que sofria influência e inspiração, em alguns setores, do fascismo e do nazismo.

Como forma de fomentar essa política, o presidente norte-americano Franklin Roosevelt criou Office of the Coordinator of Interamerican Affairs, que teve o nome pomposo simplificado, ficando conhecido como Bureau Interamericano. À frente dessa missão, estava um dos maiores capitalistas norte-americanos, Nelson Rockfeller. No Brasil, a ação norte-americana tinha o rádio como um dos pontos de atuação, devido à importância que o veículo tinha conquistado, assim como a imprensa e o cinema.

Da mesma forma que o nazismo e o fascismo tinham escolhido o rádio como uma importante arma de guerra, o capitalismo americano também despertou para a importância do acompanhamento desse veículo na América Latina como parte da política de inte gração interamericana. Desta forma, dentro do leque de atuação do Bureau, o rádio foi escolhido como um dos principais meios para conquistar os brasileiros.

O diretor de Rádio do DIP, Júlio Barata, foi, em 1940, para os Estados Unidos como parte do programa de intercâmbio entre os dois, como destacou o crítico de rádio Martins Castelo (1941d), em artigo na revista estatal Cultura política: “Em maio de 1940, foi a vez de Júlio Barata ir aos EUA... O Presidente da National Broadcasting Company, encarregado das relações internacionais da modelar cadeia de Rádio, John Royal, veio em seguida ao Brasil.”

Ao mesmo tempo em que aportava no país, o Bureau também oferecia oportunidades a brasileiros de várias áreas irem estagiar nos Estados Unidos, como forma de aprender o modo americano de ser. Para coordenar o trabalho dos brasileiros, foi designado o então diretor de Rádio do DIP, Júlio Barata, como relata ele próprio em carta de demissão da antiga função enviada a Vargas. Na correspondência, Barata comunicava a indicação de seu nome pelo chefe da máquina de propaganda governamental, Lourival

5 Fontes, para desempenhar a função de coordenador do grupo de brasileiros que iria trabalhar nos Estados Unidos e justificando seu pedido de demissão da Divisão de Rádio do DIP: “(...) [fui] indicado por Lourival Fontes para a chefia do grupo de brasileiros que vai trabalhar no escritório de Nelson Rockefeller – Coordenador das Relações Interamericanas... .121

O grupo de brasileiros coordenado por Júlio Barata reunia representantes de diversos setores. Devido à importância que o veículo tinha nas duas Nações, vários radialistas, cantores e jornalistas também fizeram parte desse grupo. A grande maioria deles era da estatal Rádio Nacional. Barata demonstrava estar ciente de sua responsabilidade à frente da missão:

Tenho mesmo a impressão de que minhas responsabilidades vêm crescendo ainda mais com as novas perspectivas, que rasgam a minha ação de brasileiro, interessado em ver o nosso país conhecido, amado e respeitado na maior parte do mundo. 122

Em janeiro de 1941, foi enviado ao Rio de Janeiro o presidente da Cadeia de Rádio norte-americana Columbia Broadcasting, Willliam Paley, com o objetivo de colocar o veículo a serviço da política da “boa vizinhança”, conforme destaca Martins Castelo (1941d):

[Ocorreram] Encontros com Lourival Fontes e o diretor da Rádio Nacional, Gilberto de Andrade. As emissoras do país passavam a transmitir em inglês programas de ondas curtas para os EUA, da mesma forma que os EUA já ofereciam serviços em português para os brasileiros.

121 Carta de Júlio Barata a Vargas. In: Arquivo Getúlio Vargas, CPDOC-FGV. GV 42-02-11 XXXVIII-

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6 No mesmo ano, veio também ao Brasil o coordenador das Relações Culturais entre as Américas, Dan Francisco, que demonstrou o interesse americano em eleger o rádio como importante peça no quebra-cabeças da criação de uma identidade para o continente, conforme revelado por Martins Castelo na edição de dezembro de 1941 da revista estatal Cultura Política:

(...) [Dan Francisco] salientou o valor do rádio na aproximação entre os povos do hemisfério... Desconhecendo as distâncias, o broadcasting apresentava-se, realmente, nos dias que correm, como um dos instrumentos mais poderosos da sábia política inaugurada pelos Presidentes Getúlio Vargas e Franklin Roosevelt. (MARTINS CASTELO, 1941d)

O Bureau Interamericano produzia programas especialmente para o rádio latino- americano, chegando a transmitir através de 200 emissoras no continente, além das 12 estações transmissoras de ondas curtas para a América Latina123. Como o objetivo era claramente fazer propaganda da ideologia americana, esses programas eram dirigidos por publicitários e não por radialistas. O Brasil, por ter um idioma diferente do restante da América Latina e por sua dimensão e sua importância estratégica, ganhou produtos feitos exclusivamente para ele.

O Birô contratou jornalistas brasileiros que adaptassem as notícias às necessidades e peculiaridades do país. Deste modo, a seção de rádio do Birô no Rio de Janeiro podia orgulhar-se em 1943 de distribuir programas de notícias para 92 estações de rádio brasileiras. Um sem número de programas ouvidos pelos brasileiros provinha do Birô... O programa “A marcha de guerra” entremeava comentários informais às principais notícias do dia, além de entrevistar altas autoridades sobre a “perspectiva brasileira” a propósito da marcha da guerra. (MOURA, 1984, p. 45)

Em 1943, se intensificou a agressiva campanha em prol dos aliados e contra os países que formavam o campo oposto da II Guerra Mundial, com a produção de programas específicos com esse objetivo, entre eles “O ‘Barão Eixo’ (que procurava responder à

7 propaganda de rádio de Berlim, transmitida para o Brasil) e ‘O Brasil na Guerra’ (acentuando a contribuição brasileira aos Aliados)” (MOURA, 1984, p. 46).

Além de contribuir com conteúdo, o Bureau também ajudou a desenvolver economicamente o rádio brasileiro. Como os Estados Unidos fincavam aqui as estacas das multinacionais americanas, como Coca-Cola, General Eletric, Standard Oil e RCA Victor, era preciso fazer com que esses produtos fossem assimilados ao cotidiano do brasileiro. Nesse sentido, o rádio foi fundamental para sua divulgação.

O veículo foi eleito como principal pólo divulgador desses novos produtos. Para isso, foram trazidas também agências de publicidade norte-americanas, como a J.W. Thompson e a MacCann-Erickson, que priorizaram o rádio como veículo anunciante, o que ajudou a fortalecer ainda mais essa mídia.

A “padaria da esquina” foi substituída por produtos como a Coca-Cola nos reclames. Outro impacto provocado pela vinda de agências americanas para o Brasil foi a incorporação do modelo americano de agregar ao título dos programas a marca do patrocinador, que passava a custear toda a produção em troca da exclusividade.

Essas empresas, como a General Eletric, Starndard Oil, RCA Victor lançam os seus produtos no mercado brasileiro e, com elas, chegam também as grandes agências de publicidade: J.W. Thompson e McCann-Erickson, entre outras... Os patrocinadores passam a ter suas marcas e produtos associados aos títulos dos programas: Teatro Good-Year, Recital Johnson, Programa Bayer e Calendário Kolynos. (MOREIRA, 1991, p.24)

A invasão de norte-americanos nas freqüências radiofônicas fez com que os Departamentos Comerciais das emissoras fossem desenvolvidos. Com a maior procura por espaços comerciais para divulgar os novos produtos que entravam no Brasil, aumentou o volume e o valor cobrado pelos “reclames”. Impulsionadas por este maior faturamento, as

8 estações deram um salto no processo de profissionalização de sua programação, com maior valorização e qualificação da mão-de-obra e aquisição de equipamentos mais modernos e transmissores mais potentes.

Podendo pagar um salário maior, as emissoras começaram a disputar os melhores profissionais do mercado e a criar seus quadros exclusivos de cantores, atores, músicos, locutores, radialistas e técnicos. Isso fez com que se acirrasse a concorrência. A estação que tivesse mais ouvintes teria, conseqüentemente, maior quantidade de anúncios, além de poder cobrar mais caro por eles.