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GETÚLIO E O RÁDIO

II. 3 – VARGAS DEFINE O SEU GOEBBELS

Assim como outros governos autoritários, Vargas buscou centralizar a responsabilidade pela propaganda e a comunicação governamental. O presidente brasileiro pode ter buscado inspiração no modelo alemão para aperfeiçoamento de sua máquina de propaganda e comunicação, tendo como base experiências obtidas pelo ministro da Propaganda alemã, Joseph Goebbels, que passaram a ser observadas por Vargas, como pode ser verificado na carta a seguir, enviada pelo oficial de Gabinete da Presidência da República, Luiz Simões Lopes, em 22/09/34, destinada ao próprio presidente:

Tencionando passar de dois a três dias, mas tomando informações sobre o Ministério da Propaganda, tão interessante me pareceu a sua organização que fiquei coligindo notas e, principalmente, cópia da moderna legislação alemã sobre trabalho, propaganda etc. Após o advento do governo nacional socialista, senhor absoluto da Alemanha em todos os ramos da actividade do país... o que mais me impressionou em Berlim foi a propaganda sistemática, methodizado do governo e do sistema de governo nacional socialista. Não há em toda a Alemanha uma só pessoa que não sinta diariamente o contato do ‘nazismo’ ou de Hittler, seja pela fotografia, pelo rádio, pelo cinema, através de toda a imprensa alemã... são usados amplamente todos os meios conhecidos, como rádio, cinema, imprensa, que são totalmente controlados pelo governo. Este possui órgãos especializados, chamados câmaras (do cinema, do rádio etc)... A organização do Ministério da Propaganda fascina tanto que eu me permito sugerir a criação dele no Brasil. (LOPES in Arquivo Gustavo Capanema – CPDOC/FGV)

Vargas acabou centralizando a sua máquina de propaganda nas mãos de Lourival Fontes. Ele, que já era diretor do Departamento Oficial de Propaganda, o DOP, desde o Governo Provisório, foi içado ao posto de figura mais importante da máquina de propaganda já existente no país, a qual ajudou a implantar.

A preparação de Fontes para a função começou antes de assumir o cargo efetivo da máquina de propaganda brasileira. Ele teria agido como observador do regime fascista e tido encontros com autoridades italianas. Para que pudesse agir sem chamar a atenção, Fontes foi enviado àquele país como Chefe da Delegação Brasileira na Copa do Mundo de 1934 realizada na Itália, vencida pelo país anfitrião38. Segundo José Aldo Palmeira, Lourival teria sido recebido pelo Presidente Mussolini e atuado como observador.

Jornalista e escritor, Lourival Fontes tornou-se uma das figuras mais polêmicas com a implantação do Estado Novo, quando teve seus poderes multiplicados. Sua queda, em 1945, por pressão popular, antecipava o que iria acontecer, meses depois, com Vargas e o Estado Novo. Serviu de forte articulador para o retorno de Getúlio Vargas ao governo em 1951.

Lourival personificou a figura da “voz do regime”. Teve importância fundamental na construção do mito Vargas. Muitos historiadores atribuem a ele a responsabilidade ou a contribuição para a adoção de medidas de inspiração fascistas pelo governo brasileiro.39 As semelhanças eram gritantes na área de propaganda, sendo a presença de Fontes comparada à de Joseph Goebbels, ministro da Propaganda alemão, como ressalta o jornalista Alberto Dines (2004):

Em 1933, quando Hitler conquistou o poder na Alemanha, nomeou seu amigo e parceiro, Joseph Goebbels, ministro da Propaganda. Sua primeira providência foi considerar o rádio como prioridade absoluta... Este poder de penetração doméstica confere-lhe a capacidade única de mobilizar as audiências para mensagens simplistas e emocionais... O êmulo brasileiro de Goebbels, Lourival Fontes, percebeu o potencial hertziano antes mesmo do apogeu do rádio nazista quando o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) do Estado Novo lançou a Hora do Brasil, que persiste até hoje.

Foi criado, em 10 de julho de 1934, pelo decreto no 24.651, o Departamento de Propaganda e Difusão Cultural. Seu controle coube ao Ministério da Justiça. Como consta

38 Cf. www.museudosesportes.com.br/noticias.

no Dicionário Histórico Bibliográfico Brasileiro, “o novo órgão continuou subordinado ao Ministério da Justiça e sua direção geral foi entregue a Lourival Fontes, jornalista e escritor sergipano e manifesto admirador do fascismo italiano”40.

A decisão tinha como objetivo captar os meios de comunicação de massa a serviço direto do Poder Executivo, iniciativa que tinha inspiração do recém-criado Ministério da Propaganda alemão. “A decisão tinha como objetivo os meios de comunicação de massa a serviço direto do Poder Executivo, iniciativa que tinha inspiração direta do recém-criado Ministério da Propaganda alemão.” (PALDOLFI, 1999, p. 72)

Com a implantação do Estado Novo, o órgão de propaganda ocupou o Palácio Tiradentes, no Rio de Janeiro, sede do Congresso Nacional, que tinha acabado de ser fechado pelo governo.

Com o golpe do Estado Novo em 10 de novembro de 1937 e o fechamento do Congresso Nacional, o DPDC passou a ocupar as instalações do palácio Tiradentes, antiga sede da Câmara dos Deputados, no Rio de Janeiro. Por outro lado, a nova Carta constitucional, então outorgada, atribuiu à imprensa a qualidade de serviço de utilidade pública e traçou os limites para a sua atuação através de uma série de restrições. Uma série de atividades não previstas por lei começou então a ser incorporada ao DPDC, que, no início de 1938, foi transformado, por decreto presidencial, no Departamento Nacional de Propaganda, passando a atuar em todos os campos relacionados com o que se denominava "educação nacional" e a exercer a censura e o controle de todos os meios de comunicação41.

O DPDC, que o Estado Novo recebeu como herança do Governo Constitucional, teve vida curta nesta nova fase do governo Vargas. Mais uma vez, a propaganda varguista foi reformulada. Através de decreto presidencial, nasceu o Departamento Nacional de Propaganda (DNP) no início de 1938. A nova estrutura aumentou ainda mais os poderes de Lourival Fontes, que foi mantido como o homem de propaganda de Vargas, mas ainda veiculado ao Ministério da Justiça.

40 DICIONÁRIO HISTÓRICO BIOGRÁFICO BRASILEIRO ON -LINE, verbete DIP. 41 IBIDEM.

A maior máquina de propaganda da história do Brasil foi registrada no Estado Novo. Mais precisamente, ela vinha sendo desenvolvida desde o início do Governo Provisório. No entanto, o Golpe de 37 precisava de uma engrenagem muito mais eficaz para poder sustentar o Estado Novo. Investimentos e esforços não faltaram para esse setor. Várias alterações foram realizadas, desde antes da deflagração do Golpe.

O grande problema era a falta de unidade nas forças que controlavam a propaganda. Havia dualidade entre as de Filinto Müller e as de Lourival Fontes. A polícia política de Filinto mantinha o Serviço de Divulgação (SD), o que tornava inevitável o confronto com o DNPC de Lourival Fontes, que realizava atividades semelhantes.

Havia uma confusão entre autoridades governamentais, população e até mesmo profissionais do rádio nas atuações e limites das funções entre Lourival Fontes e o chefe de polícia, Filinto Müller, com relação a quem arbitrava no setor, já que muitas vezes faziam parte do controle do rádio ações da polícia, como proibições, punições e perseguições a radialistas que contrariavam o governo, lembra Luiz de Carvalho (2005):

Houve muita perseguição... Muita gente foi tirada do ar. Muita gente sumiu. Segundo, na época, o que se comentava entre nós, que trabalhávamos em rádio, o grande responsável por esses sumiços era o coronel Filinto Müller, que comandava a Polícia especial criada por Getúlio. Mas quem ia às rádios era o Lourival Fontes.

O DNP nasceu da necessidade de Vargas de adaptar a sua máquina de propaganda à nova realidade política do país. Era preciso ampliar o controle. Com isso, o órgão ganhou novas atribuições com objetivo de aperfeiçoar o modelo para legitimar o Estado Novo. As novas funções estavam mais voltadas para o controle do que somente para a divulgação, tanto que a censura ficou ainda mais rigorosa, saindo das mãos de Müller e indo para as de Fontes. “Assim

lançou mão de todos os recursos das novas técnicas de persuasão que estavam sendo usadas em diversos países, especialmente a Alemanha de Goebbels.” (PANDOLFI, 1999, p.172)

Foi no DNP que começaram as primeiras experiências de implantação do programa em cadeia nacional Hora do Brasil.

No setor de radiodifusão, o DNP foi o responsável pela inauguração da "Hora do Brasil", programa transmitido diariamente por todas as estações de rádio, com duração de uma hora, visando a divulgação dos principais acontecimentos da vida nacional42.

Entre as mudanças na estrutura do novo DNP, uma delas foi aumentar ainda mais os privilégios do rádio como elo de comunicação entre o regime e a população. “O veículo que o DNP ocupava de modo especial era o rádio: editava a ‘Hora do Brasil’ e procurava neutralizar a campanha chamada ‘desmoralizante’, que incitava o desligamento do aparelho no momento da emissão oficial.” (GOULART, 1990, p. 57)

A propaganda governamental incorporou à sua rotina atividades como: criação de grandes eventos em torno de datas cívicas implantadas pelo governo, distribuição de publicações e folhetos, além do “Boletim de Informações” editado em quatro idiomas, que era distribuído a jornais e órgãos estrangeiros visando divulgar o Brasil no exterior. Além disso, o DNP passou a produzir e fiscalizar se a Hora do Brasil estava sendo retransmitida por todas as emissoras do país.

Coube ao DNP ainda reproduzir e fiscalizar o cumprimento da decisão presidencial de proibir a transmissão de programas em território nacional que não fossem em português.

“No dia 7 de fevereiro de 1938, o DNP proibiu todas as transmissões radiofônicas em língua estrangeira em território brasileiro”43.