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GETÚLIO E O RÁDIO

II. 7 HORA DO BRASIL: O PROGRAMA NACIONAL

Embora já estivesse prevista na legislação de 1932 a irradiação de um programa em rede nacional obrigatória63, as primeiras experiências de um programa nacional só foram realizadas em abril de 1934 pelo diretor da Imprensa Nacional, Sales Filho. A transmissão era feita diretamente dos estúdios da Rádio Clube do Rio de Janeiro. A irradiação acontecia entre 21h e 22h, servindo de balão de ensaio para a implantação da Hora do Brasil64, atração que perdeu a “hora” ganhando a “voz” no título, mas que se mantém obrigatória até os dias de hoje.

O programa saiu das mãos de Sales Filho e foi entregue às de Lourival Fontes antes mesmo da criação do DPDC, em 1934, com a criação da Hora do Brasil com a proposta oficial de ser informativo, cultural e cívico. Assim, ao som da ópera O Guarani de Carlos Gomes, foi aberto o primeiro Hora do Brasil, transmitido da Rádio Guanabara. Com um formato bem diferente do atual, foi inicialmente retransmitido por apenas oito emissoras65. De acordo com Lia Calabre (2002a, p.20), “foi somente em 1939, com a criação do DIP, que o programa nacional do governo passou a ser irradiado para todo o país”.

O primeiro apresentador foi Luis Jatobá66, que ficou no comando do programa até 1939, quando foi substituído por Dilo Guardia67, que permaneceu no posto até 1946. “O locutor inicial da Hora do Brasil naquele tempo foi Luiz Jatobá. Era agradável ouvi-lo. Uma maneira bonita que ele tinha de falar”, lembra o radialista Luís Mendes (2005).

63 Cf. CALABRE, 2002a, p.20. 64 Cf. GURGUEIRA, 1995. 65 Cf. HOUSSEN, 2001 p.41. 66 Cf. SAROLDI, 1984, p.41. 67 Cf. PEDROSA, 1995, p.34.

Veiculado na hora em que a maioria do país jantava, era como se o governo passasse a ter uma cadeira cativa na mesa das famílias e participasse daquele momento propício para difundir suas intenções.

Diante da rejeição inicial por parte da população, o Estado procurou tornar o programa cada vez mais atrativo, para que conquistasse audiência e assim, pudesse efetivamente ser um canal de comunicação governamental com o povo. Com o aperfeiçoamento da máquina da propaganda durante o Estado Novo, o programa começou a receber um tratamento especial para alcançar este fim, conta Luiz Mendes (2005):

O programa foi sendo aperfeiçoado. Cada vez mais o DIP se aperfeiçoava e não poupava esforços para que o programa atingisse cada vez mais público e vencesse a rejeição inicial. Os radialistas contratados para produzir o programa estavam entre os melhores profissionais do rádio. Não era feito por amadores ou políticos e burocratas de repartição. Tinham os grandes redatores, produtores, operadores e locutores.

Em rede nacional, além da parte informativa de interesse do governo, também deveriam ser difundidas música, literatura, cultura e uma crônica com temas de interesse coletivo. Através do programa eram irradiados discursos do presidente de formas direta e indireta, assim como de seus auxiliares.

Como o governo estava empenhado em construir a identidade da cultura nacional, eram abertos espaços para comentários e divulgação de obras literárias que se encaixavam na política cultural do governo e de músicas que passavam pela peneira do DIP. Mais de 70% das melodias executadas eram nacionais, conforme relembra Luiz de Carvalho (2005):

A Hora do Brasil não era somente um programa de notícias. Também tocava músicas de interesse do governo, principalmente depois que passou a promover concursos de canções de exaltação. Essas ganhavam espaço garantido para divulgação através da Hora do Brasil. Isso já era um grande pontapé para o sucesso. Imagina, ao mesmo tempo tocava em todas as emissoras do país juntas!

Com relação à função cívica, eram dados espaços para a divulgação de notícias turísticas. O imenso Brasil ainda era pouco conhecido. No programa, eram destacadas partes do país, mostradas suas características, seus potenciais e seus atrativos. Como parte da construção do conceito de nacionalidade, era interessante ao governo que o país se conhecesse.

Outra atividade cívica era o quadro “Recordações do Passado”, em que se exaltava m os feitos da nacionalidade. Como o radioteatro já despertava o interesse do público, foram convidados grandes dramaturgos da época, entre eles Joraci Camargo, que adaptou fatos históricos, como a retirada de Laguna, a abolição da escravidão e a proclamação da República68. O governo buscava, com este recurso, difundir entre a população conceitos sobre fatos, mitos e heróis, como destacou o comentarista de rádio da Revista Cultura Política, Martins Castelo (1941a), sobre as experiências de Joraci: “Possuem qualidades suficientes para mostrar o quanto o ‘broadcasting’ poder servir à educação moral e cívica do povo”.

Outro exemplo de exploração da dramatização de temas que despertavam interesse no governo durante a Hora do Brasil era o quadro Rádio-Teatro Policial, que mostrava um

detetive sempre disposto a colaborar com as autoridades. Assim, transmitia à população o sentido de justiça e de confiança na força policial.69

Havia ainda a crônica “Talvez nem todos saibam”, que encerrava o programa sempre abordando um tema de interesse do governo. O processo de popularização da Hora

do Brasil contou ainda com os serviços dos jornais governamentais. Além disso, o A Manhã, que foi incorporado ao patrimônio da União em 1940, realizava enquetes de

opinião com a população atreladas ao programa radiofônico visando elevar a audiência. As respostas da pesquisa eram divulgadas na Hora do Brasil. “Buscando monopolizar a audiência popular, o governo instituiu concursos musicais em que a opinião pública elegia seus astros favoritos. A apuração era feita no DIP, e o resultado era transmitido durante o programa ‘Hora do Brasil’”70.

Esse fato mostra como o governo procurava interligar as ferramentas que utilizava para atingir o maior número de cidadãos. Esses concursos eram realizados nos programas de auditório da estatal Rádio Nacional, líder em popularidade. Assim garantiam a audiência popular para a Hora do Brasil e, ao mesmo tempo, impunham a publicidade indireta da Rádio Nacional a todas as concorrentes já que eram obrigadas a tra nsmitir o programa estatal.