• Nenhum resultado encontrado

GETÚLIO E O RÁDIO

II. 9 CONSTRUÇÃO DO MITO VARGAS

Como demonstramos anteriormente, apesar de ter se intensificado no período do Estado Novo, a preocupação de Vargas com a utilização do rádio para promover sua imagem e os feitos de seu governo veio assim que sentou-se na cadeira da Presidência da República.

Logo após a consolidação da vitória dos revolucionários de outubro de 1930 que depuseram o presidente Washington Luís e entregaram a chefia do governo provisório a Getúlio Vargas, começaram a ser dados os primeiros passos com vistas à organização da propaganda política no plano nacional. (TOTA, 1990, p. 87)

75 Para fins de pesquisa, o assunto foi aprofundado em contato telefônico posterior à entrevista do

Antes de o governo encampar a Rádio Nacional, em 1940, era comum o presidente usar a então líder em audiência, Rádio Mayrink Veiga, como palanque para seus discursos. “Através dos microfones da Rádio Mayrink Veiga, e posteriormente, da Rádio Nacional, principalmente a partir de 1940, é que os pronunciamentos políticos do governo Vargas ganhavam alcance nacional, institucionalizando a ditadura.” (NASCIMENTO, 2002, p. 89)

Opinião contrária têm alguns dos entrevistados, que discordam da tese de que houvesse um uso excessivo dos microfones para os discursos políticos. Segundo eles, eram participações contidas e restritas a determinados horários. No entanto, eles concordam que o rádio foi usado como uma conexão direta para que o presidente falasse com toda a Nação de uma só vez, como pode ser observado no depoimento de Luiz Mendes (2005): “Não me lembro de Vargas usar sistematicamente a Mayrink, porém é claro que ele dava preferência a ela já que era a líder de audiência. A situação mudou quando encampou a Nacional e ela passou a ser a líder”.

Ao contrário do período Provisório, em que a máquina de propaganda tinha como principal preocupação legitimar o governo e suas ações, quando se chegou ao período do Estado Novo, o foco passou a ser a exaltação da figura pública e pessoa l de Getúlio Vargas através de um processo de mitificação.

Um dos maiores exemplos foi a adoção do aniversário de Vargas, 19 de abril, como uma data cívica. A partir de 1940, o evento se transformou em uma comemoração nacional, tal como os dias de Tiradentes e de Duque de Caxias, elevando Getúlio ao pedestal de herói nacional. A comemoração pública seguia o estilo da celebração, na Itália, do nascimento de Mussolini.

O rádio foi importante no processo de construção dessa data como “cívica”, pois passou a conclamar, com antecedência, a população a comemorar o fato, além de

0 acompanhar os eventos em torno dele. “Em 1942, as homenagens se ampliam passando a ser feitas pelas estações de rádio, colégios, jornais, clubes...” (CARONE, 1976, p.168)

Ainda em 1942, a inauguração do novo auditório da Rádio Nacional aconteceu na véspera da data de nascimento de Getúlio Vargas, para que fosse aberto ao público no dia do aniversário do Presidente. A cerimônia foi marcada pelo discurso de Lourival Fontes, conforme registrado na primeira edição de O Brasil em Sintonia, de Luiz Carlos Saroldi e Sônia Virgínia Moreira (1984, p.36): “O rádio, cada manhã, pela rapidez da palavra, será sempre agente eficaz dos propósitos que nos animam e das cautelas que as contingências nos impõem”.

As “qualidades” do presidente passaram a ser ressaltadas ou inventadas. Centenas de livros foram editados acentuando a biografia e os valores pessoais de Vargas, assim como matérias foram publicadas em todos jornais e revistas do país. Intelectuais e integrantes do governo colaboraram com a mitificação, sendo os “dons” de Vargas ressaltados em praticamente todos os discursos oficiais e extra-oficiais promovidos pela máquina de propaganda, muitos transmitidos ao vivo pelo rádio ou com trechos retransmitidos na Hora

do Brasil e depois publicados pelos jornais controlados pelo governo.

Um exemplo foi o pronunciamento do Ministro das Relações Exteriores, Oswaldo Aranha, transmitido pelo rádio e depois publicado, em 19 de abril de 1940, pelo Jornal O

Estado de São Paulo (que tinha sido encampado pelo governo). Se referindo a Vargas, ele

dizia: “(...) homem sem ódio, sem vaidade, dominado pela preocupação de fazer o bem; servido por espírito de tolerância exemplar, sistematicamente devotado ao serviço da Pátria...”.

Numa escala menor, o processo de mitificação também foi adotado em torno de outras peças-chave da máquina pública: “O mesmo processo é aplicado à propaganda feita em favor

1 de Darcy Vargas, mulher de Getúlio Vargas, e as de Ademar de Barros, Góes Monteiro, Oswaldo Aranha, Souza Costa, Lourival Fontes e outros” (CARONE, 1976, p. 169).

Além do desfile de 07 de setembro, foi exaltado o do Dia da Bandeira e a instituição do Dia da Juventude Brasileira, também chamado de Dia da Raça, em 05 de setembro. Os colégios desfilavam nas grandes cidades, dois dias antes das Forças Armadas. Luiz Mendes (2005) conta que muitos radialistas eram convocados pelo governo para irradiar os desfiles.

Eu era sempre chamado para narrar os desfiles de 05 e 07 de setembro. Era o DIP quem convocava. Quem comandava a transmissão era o DIP. Eles é que escolhiam [os locutores]. Escolhiam pela capacidade de improvisação. Abria as transmissões tendo que descrever meia hora antes o que estava acontecendo. Eles não mandavam muitas determinações. Mandavam apenas a ordem do desfile e os nomes das pessoas que comandavam, que apareciam.

Dayse Lúcidi (2005) relata o clima de fascinação que os desfiles despertavam.

As crianças tinham fascinação por Getúlio... Eu tinha. Eu adorava ir para o estádio do Vasco, na Parada da Raça, a de sete de setembro, o Dia do Trabalho. Aquilo era uma beleza.Eu me lembro que eu estava entrando no Pedro II e todo mundo adorava o Getúlio.

Além dos desfiles de militares e estudantes, também havia grande espaço para os trabalhadores.

As iniciativas de Vargas na área trabalhista eram divulgadas de preferência no dia primeiro de maio, acompanhadas de comemorações públicas, programas de rádio e outros eventos organizados pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). A idéia era estabelecer, sem qualquer outra mediação política, uma relação direta entre a classe trabalhadora e o próprio Vargas. (NOGUEIRA, 2004)

2 No dia 1o de maio76, uma série de comemorações era realizada, tendo o rádio como principal captador, divulgador e transmissor dos eventos. A primeira grande comemoração dessa data aconteceu em 1939, reunindo milhares de pessoas no estádio do Vasco da Gama, na Zona Norte do Rio. O radialista Luiz Mendes presenciou:

Havia a reunião dos trabalhadores. Havia sempre um jogo [de futebol], quase sempre entre o campeão do Rio e o de São Paulo, com portões abertos para que os operários assistissem. No último, foi a minha estréia como narrador aqui no Rio, em 01 de maio de 1945, o jogo entre São Paulo e Flamengo. O Flamengo ganhou de 2 X 1. O clima nesse dia era festivo. Getúlio começava o discurso sempre com “Trabalhadores do Brasil”. Dizia bem gaúcho na forma de falar. (MENDES, 2005)

A partir de 1944, o evento passou a ser realizado também no estádio do Pacaembu, em São Paulo. Marco Antônio Cabral dos Santos ressalta que os desfiles promovidos pelo governo Vargas se assemelhavam aos eventos realizados pelo regime fascista:

Desta forma, seguindo o exemplo dos governos totalitários europeus, sobretudo o fascismo de Mussolini, Getúlio Vargas promove uma apropriação da data, conferindo-lhe um caráter oficial e deturpando-lhe o sentido original. (SANTOS, Marco Antônio C., 2004)

76 Originalmente, o dia 1o de maio passou a ser comemorado como data emblemática pela conquista,

em 1886, após uma greve geral nos Estados Unidos pelo fim do trabalho infantil, de aumento de salários e da redução da jornada. O movimento conseguiu a adesão de 350 mil trabalhadores em Chicago. Durante a manifestação, 80 operários foram mortos em confronto e, um ano mais tarde, cinco foram enforcados na prisão, entre eles quatro dirigentes sindicais e um operário.

3

Capítulo III