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REDE AÉREA

III. 2 – UMA RÁDIO PARA CADA POLÍTICA

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O crescimento do rádio e a sua importância estratégica foram ressaltados em artigo do colunista Décio Pacheco Silveira na Revista governamental Cultura Política, em março de 1941: “A história do rádio no Brasil confunde-se com a história do espantoso crescimento e imenso progresso que se vem notando em todos os setores da vida administrativa”.

Em pouco tempo, o rádio reagiu aos investimentos feitos nele. O alcance, que era pequeno no início da década de 20, se amplificou, superando as expectativas de crescimento, conforme pode ser observado em carta enviada pelo crítico e especialista no veículo Genoíno Amado ao presidente Getúlio Vargas em 02 de setembro de 1942: “Concentrando em sessenta e poucas estações, o rádio conquistou um público talvez maior do que o da imprensa, espalhada em mais de dois mil periódicos”77 .

Durante o Estado Novo, o rádio passou a assumir um papel ainda mais importante como elo entre Vargas e a população para difusão do processo de mudanças e reformas que estavam sendo implantadas no país. O governo criou e reorganizou um leque de emissoras. Cada uma com o braço voltado para uma das áreas prioritárias do processo de legitimação do Estado Novo, como trabalhismo, industrialização, fixação do homem no campo, formação de uma identidade cultural nacionalista e melhoria da qualidade de ensino. Todas essas políticas contavam com estações cujas programações ajudavam a complementar ou reforçar essas medidas.

Embora tenha incentivado a industrialização, isso não significa que o Estado Novo tenha abandonado a política agrícola. A população rural continuava dominada pelos

7 “coronéis”, que se beneficiavam com a mão de obra barata. Portanto, era interessante para o governo a penetração nessas áreas, controladas por latifundiários e distantes geograficamente da capital federal. E isso poderia ser feito através do rádio.

Outra questão era a forte migração do homem do campo para os grandes centros, provocando o esvaziamento das áreas rurais e o inchaço das cidades. Com isso, o Estado lançou a campanha “marcha para o Oeste”, que visava povoar o interior. O rádio teve grande participação nesse propósito, como explica Luiz Mendes (2005): “o rádio ajudou o governo na marcha e nas campanhas de fixação do homem no campo”.

O ensino foi um dos meios usados pelo governo para implantar no país um conceito de nacionalismo e de definição da cultura nacional. Havia a preocupação em uniformizar esses aspectos em toda o território nacional. A educação visava não somente difundir conhecimentos, mas preparar o cidadão de que o governo necessitava. Como relata Simon Schwartzman (2000, p. 199), “formar o homem completo, útil à vida social, pelo preparo e aperfeiçoamento de sua faculdades morais e intelectuais e atividades físicas... Fazia ainda parte dos princípios gerais a definição do que deveria entender por ‘espírito brasileiro’”.

A criação e obrigatoriedade da disciplina Educação Moral e Cívica resumia o modelo que o regime queria imprimir como sendo o do cidadão brasileiro:

A educação moral e cívica era objeto de regulamentação minuciosa. Ela deveria ser ministrada obrigatoriamente em todos os ramos de ensino... Ela deveria ter uma parte teórica, que trataria dos fins, da vontade, dos atos dos homens, das leis naturais e civis, das regras supremas e próximas da moralidade... desde o estudo da vida de “grandes homens de virtudes heróicas”até o trabalho de assistência social, que ensinasse aos alunos, “a prática do bem”. (SCHWARTZMAN. 2000, p. 199.)

8 O rádio foi utilizado para auxiliar na política educacional do Estado Novo, veiculando através de sua programação conceitos que o governo queria implantar, como esses que formam a base da disciplina Educação Moral e Cívica. O veículo também foi empregado pelo Estado Novo como uma ferramenta para implantar e sustentar a política trabalhista, que foi uma das bases desse período da Era Vargas, como conta Luiz Mendes (2005):

O trabalhismo sem dúvida foi um dos pontos de sustentação, se não foi o mais importante do regime. Foi um momento muito importante, já que as leis que regem até hoje, boa parte surgiram aí. Foram muitas medidas. Uma revolução no processo de trabalho no país. Para que essas medidas fossem adotadas e assimila das pela população, era preciso uma divulgação intensa. E foi feito. O DIP dedicava uma atenção especial à divulgação dessas notícias.

Uma das preocupações do Estado Novo era (re)formar o conceito de Nação e buscar a criação de um modelo de cidadão brasileiro, que foi calcado em bases nacionalistas que passaram a redefinir conceitos de cultura, economia, política e sociedade, imprimindo o carimbo do nacionalismo. A preocupação com o desenvolvimento de um conceito de unidade nacional se refletia no rádio, segundo Luiz Mendes (2005):

O rádio foi um forte aliado do regime na questão do nacionalismo. Isto porque foi baixada uma lei em que todos os programas deveriam ser em português. Eram poucos, mas existiam, principalmente em regiões colonizadas, programas falados em outros idiomas. Além disso, defendia e ajudou ao governo a definir o conceito de nacionalismo e também o modelo para o cidadão brasileiro, assim como a chamada cultura nacional, que era divulgada e incentivada pelo rádio.

Porém, para a estruturação da espinha dorsal do cidadão, era necessário que seus conceitos estivessem presentes no dia-a-dia das pessoas. E os meios de comunicação eram fundamentais para este processo. Essa visão de Vargas já podia ser observada desde o discurso proferido em 1934, em solenidade promovida por produtores cinematográficos:

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Associado ao cinema, o rádio e o culto racional dos desportos, completará o Govêrno um sistema articulado de educação mental, moral e higiênica, dotando o Brasil dos instrumentos imprescindíveis à preparação de uma raça empreendedora, resistente e varonil. (VARGAS, 1938, v. III, pp. 188-189)

Principalmente a partir da década de 40, com o seu crescimento, o rádio foi um dos responsáveis pela implantação da política de busca de uma cultura nacional, como reforça a radialista Dayse Lúcidi (2005): “como o rádio detinha o contrato da maioria dos artistas da época, cantores, músicos, atores, escritores, conclui-se que o rádio foi fundamental para o desenvolvimento da cultura nacional”.

Complementando a informação, o radialista Luiz de Carvalho atribui ao rádio o sucesso da política cultural da época.

Getúlio Vargas deu um grande incentivo à cultura em todas as áreas, o que foi aumentando no Estado Novo, quando o regime começou a se preocupar em definir, entre os ramos culturais, alguns que seriam incentivados de forma a ter uma política cultural nacional. Isso só foi possível através do rádio, já que grande parte da população era analfabeta e ficava em pontos distantes do país. Através do rádio, esses ramos da cultura foram assimilados pela população, que também contribuía interagindo com os artistas. (CARVALHO, 2005)78

0 Além de difundir essas políticas por todas as emissoras de rádio através do controle que tinha via sua máquina de propaganda, o governo destinou entre as emissoras públicas funções específicas para atender a essas políticas. Para auxiliar na área de educação, as rádios MEC e Distrito Federal. Para atender suas necessidades de comunicação com o campo, implantou uma rede de produção de programas rurais. Para atender aos propósitos culturais, à formação do conceito de cidadania e ao contato com a grande massa, a Rádio Nacional. Já incentivar a industrialização e a política do trabalhismo eram atribuição da Rádio Mauá.