• Nenhum resultado encontrado

GETÚLIO E O RÁDIO

II. 5 – HUMOR: VÁLVULA DE ESCAPE

Mesmo durante um regime autoritário e com a pressão da censura, o humor foi tolerado pelo governo como válvula de escape. A pesquisadora Lia Calabre (2002a, p.46) destaca o formato crítico social dos programas, apesar da presença intimidadora da censura:

“A maioria dos programas humorísticos era escrita como uma espécie de crônica, retratando e criticando o cotidiano”.

Esse gênero foi ganhando a preferência popular e, como conseqüência, aumentando seu espaço nas grades de programação das emissoras. A censura, muitas vezes, era mais branda quando se tratava de humor e o próprio presidente Getúlio Vargas constantemente prestigiava pessoalmente esses espetáculos ou convidava seus imitadores para apresentações no Palácio do Catete.

A radialista Dayse Lúcidi trabalhou em um dos mais famosos programas de humor da época, Tancredo e Tancrado, em que também atuava o comediante Brandão Filho (que, mais tarde, ficou famoso como Primo Pobre). Ela não se lembra da pressão da censura para que se evitassem sátiras ou referências ao presidente:

Diziam até que ele [presidente Getúlio Vargas] pedia para fazer [imitações]. Isso sempre chegava a nós. Tinha um cara chamado Pedro Dias que era especialista em imitar Getúlio. E dizem que ele [Vargas] incentivava, que pedia para botar um quadro com ele. Eu acho que isso era uma forma de popularizá-lo cada vez mais. Contavam que ele pedia para botar. (LÚCIDI, 2005)

As sátiras a Getúlio muitas vezes vinham através de paródias musicais. O radialista Luiz de Carvalho (2005) lembra que Getúlio Vargas não costumava fazer restrições a este tipo de abordagem: “Embora fosse um ditador, gravavam-se músicas sobre ele... Falava-se que ele ria, achava engraçado”.

O programa Tancredo e Tancrado era redigido por Giuseppe Ghiaroni, um dos maiores redatores do rádio. Dayse Lúcidi (2005) conta que houve modificações no programa para ressaltar o humor:

Eu comecei a fazer o Tancredo e Tancrado com Apolo Corrêa, Brandão Filho e Luiz Gonzaga, que era o compadre Lua, e que estava no início da maravilhosa carreira que ele teve... Mas como a parte humorística do programa revelou-se a mais importante, a parte musical foi abandonada e Luiz Gonzaga seguiu a carreira esplêndida dele e também o programa que ficou 20 anos no ar.

O humorismo começou no rádio na esteira da Revolução de 30. Foi no mesmo ano em que foi dada a primeira gargalhada com a estréia do primeiro programa do gênero, conforme lembra Nascimento (2002, p.104): “O humorismo começou timidamente com um programa da Rádio Sociedade, Manezinho e Quintanilha”.

As duplas caipiras como Alvaregna e Ranchinho também garantiam destaque nos espaços dedicados ao humor.

A grande escola para o humor radiofônico foi a Rádio Mayrink Veiga, onde se formaram os maiores profissionais do ramo, alguns am atividade até hoje. Por esta estação foram transmitidos programas como “Levertimentos, Vai da Valsa e A Cidade se diverte, que disputavam os primeiros lugares de audiência com os programas da Rádio Nacional” (CALABRE, 2002a, p. 47).

O radialista Renato Murce, em depoimento ao documentário Rádio no Brasil, chama a atenção para os programas produzidos pela Rádio Mayrink Veiga:

Os melhores programas eram da Rádio Mayrink Veiga... atuavam dois gêneros do humorismo: Sérgio Porto com o pseudônimo Stanislaw ponte Preta e Antônio Maria. Um dos grandes programas do gênero foi o PRK30, que começou na Rádio Clube, ainda como PRK 20 (prefixo da estação), mas tendo o seu apogeu na Mayrink, permaneceu no ar por 18 anos. O programa passou ainda pela Rádio Nacional, tendo à frente a equipe de Lauro Borges e Castro Barbosa.

Porém, ao também sair da Nacional acabou fazendo surgir outro grande clássico do humor, o Balança mais não cai, criado de última hora como tapa buraco para a equipe do

PRK 30, que tinha sido assediada por outra estação, conforme lembra o criador, o redator Max Nunes, em depoimento ao documentário Rádio no Brasil:

Era muito difícil se achar casa para se alugar aqui no Rio de Janeiro. Então me veio a idéia fazer um edifício onde muita gente morava, seria assim um conglomerado. Esse programa não tinha sido apresentado ainda ao Victor Costa, porque Lauro Costa e Castro Barbosa estavam discutindo contrato com a Rádio Nacional e não chegavam a um acordo com relação a PRK30. Até que o Victor Costa chegou pra mim no corredor e disse: “Max você tem algum programa? Porque o Lauro Costa e o Castro Barbosa não estão querendo assinar contrato, tão dificultando muito e eu tenho que botar um programa o ar na sexta feira”.

Para o humorista Brandão Filho, o Balança imprimiu um novo estilo de humorismo, que é o que dita as regras até hoje. Tanto que o programa migrou do rádio para estações de televisão. Em depoimento ao documentário Rádio no Brasil, ele relata: “O Max bolou o

Balança mais não cai que, naquela época, era uma novidade, um estilo novo de programa,

um humorismo diferente, que eram os quadrinhos, os personagens fixos, semanalmente aqueles tipos voltavam”.

Foi no Balança que surgiu uma das duplas mais famosas do humor brasileiro, o Primo Rico e o primo Pobre, conforme relembra Brandão Filho.

A história do Primo Pobre e do Primo Rico é que o Gracindo me contou uma história do tio dele que era um sovina danado...Uma coisa muito engraçada era que o Floriano Faiçal, que era o diretor do programa e que distribuía os artistas, distribuiu da seguinte maneira: ‘Primo Rico: Brandão Filho’, ‘Primo Pobre: Paulo Gracindo’. Então tivemos que convencê-lo do contrário... o Brandão Filho [falando de si próprio na terceira pessoa] ele não tem cara de rico, tem cara de pobre, de primo miserável e o Gracindo tem cara de rico56.

O outro lado da dupla, o “rico” Paulo Gracindo, ressalta, também no documentário

Rádio no Brasil, a longevidade do quadro no ar: “O [quadro] Primo Rico e o Primo Pobre

foi um grande sucesso. Ficou 17 anos no ar”.