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RÁDIO EM MOVIMENTOS

IV. 7 – FIM DA GUERRA: FIM DO ESTADO NOVO

O fim da guerra foi noticiado e saudado por todas as emissoras de rádio. Através dele, a população tomou conhecimento do encerramento do conflito. As músicas tocadas passaram a ser mais festivas e as estações radiofônicas saudavam o fim deste período bélico

135 Depoimento de Décio Luiz ao documentário Rádio no Brasil.

3 em seus programas jornalísticos e de auditório ou promoviam shows para festejar. O mesmo público que acompanhou passo a passo a guerra soube pelo rádio e comemorou através dele o seu fim, como lembra a radialista Nena Martinez (2005): “As rádios passaram por momentos de euforia. Foi uma festa quando anunciaram o fim da guerra. Todas as emissoras eram explosões de alegria”. Já Luiz Mendes (2005) comparou o clima na época ao de uma final de campeonato mundial: “A alegria contagiante das emissoras foi a semelhante à de uma vitória da Copa do Mundo”.

O que pode indicar que o fim da guerra já sinalizava um baque no regime brasileiro é o fato de que, ao contrário do que normalmente acontecia, não foi a estatal Rádio Nacional que saltou na frente para marcar o fim da Guerra. As emissoras Tamoio e Tupi, pertencentes a Assis Chateaubriand – na ocasião, um feroz opositor a Vargas –, comandaram a festividade no então Distrito Federal.

Quando acabou a Segunda Guerra Mundial, em 1945, Jorge Goulart (cantor) relembra que houve um grande concerto pela paz, dirigido pelo locutor Carlos Frias. Num palco armado em frente ao edifício das rádios, em plena Praça Mauá (onde também está localizada a Rádio Nacional), os elencos da Tupi e da Tamoio estavam presentes em peso para homenagear a “paz mundial”. (FAOUR, 2002, p.17)

Como o fim da guerra, veio junto o processo de queda do Estado Novo. As emissoras brasileiras começaram a respirar o ar democrático com o afrouxamento da censura e do controle da máquina de propaganda do governo Vargas.

O que parece acontecer é um grande esforço conjunto para se apagar da memória da sociedade a imagem repressora do regime e a sua vinculação com os regimes autoritários. O regime busca, desta forma, uma saída para a sua própria sobrevivência, abrindo as portas para os ideais democráticos, desde que estes sejam manifestações puramente discursivas. (PAULO, 1994, p.150)

4 Num desafio à censura do Estado Novo, as empresas jornalísticas do grupo Diários Associados, do empresário Assis Chateaubriand, intensificaram a campanha contra o governo de Getúlio Vargas.

A desobediência nas empresas de Chateaubriand desafiava a máquina de censura, que, em 1945, já demonstrava evidentes sinais de fraqueza. Como o censor de plantão não conseguia contornar a situação, o próprio diretor do DIP, Major Amílcar Dutra de Menezes, foi aos estúdios da Rádio Tupi para impedir que fosse veiculada uma entrevista gravada com o ex-chanceler Oswaldo Aranha, que conclamava o fim da censura, a democracia e eleições. O empenho pessoal de Dutra conseguiu com que não fosse veiculada a entrevista, porém, não foi capaz de impedir que fosse reproduzida e publicada pelo jornal paulista “Diário da Noite” e em seguida colocada no ar pela Tupi de São Paulo. O diretor do DIP deu ordens para que os transmissores da estação fossem lacrados, mas os agentes e a polícia não conseguiram chegar aos estúdios para retirar a emissora do ar, pois diretores e funcionários fizeram uma barricada. Diante disso, a Tupi continuou funcionando normalmente e o então poderoso DIP teve que ler no dia seguinte, no “Diário da Noite”, a manchete “Tupiniquins do Sumaré comeram a língua e a autoridade do DIP”. (MORAIS, 1994, p. 454)

Buscando salvar o regime, já em estado de agonia, Vargas ainda tentou, em 1945, reorganizar a Nação. Era preciso apagar as marcas que associavam o Brasil ao eixo. Com isso, foram afastados os colaboradores que mais se associavam aos regimes fascista e nazista, como Filinto Müller, o temido chefe da Polícia do Distrito Federal, e Lourival Fontes, o todo poderoso do DIP.

Até o início da Segunda Guerra, no interior do aparelho de Estado brasileiro havia inúmeros simpatizantes dos regimes nazi-fascistas, como Francisco Campos (autor da ‘Polaca’, a Constituição do Estado Novo), o chefe da Polícia Filinto Müller, além de vários oficiais – generais das Forças Armadas. Os próprios baluartes militares do sistema – Pedro Aurélio de Góis Monteiro e Eurico Gaspar Dutra – não escondiam sua admiração por Hitler e Mussolini. (MARANHÃO, 2004)

5 Os Estados Unidos, que na época da Guerra fazia vista grossa para a ditadura brasileira em contraste com seu discurso democrático, com a vitória no conflito mundial passaram a ficar incomodados com aquela situação. “O regime de Vargas, deixou, então, de ser uma ditadura bem vista pelos americanos... o relacionamento amistoso com a ditadura varguista não era compatível com o discurso americano em defesa das liberdades individuais.” (JAMBEIRO, 2003, p. 154)

O Estado Novo começava a demonstrar a sua fraqueza. Pressionado, Vargas marcou eleições para 1945. Surge um movimento em defesa da permanência de Vargas no poder . O representante do tenentismo, Eduardo Gomes, pela UDN; o ex-ministro da Guerra, General Gaspar Dutra, pelo PSD; e os que apoiavam a manutenção de Getúlio Vargas, pelo PTB, que tinha como slogan “Queremos Vargas”. A atuação dos defensores de Getúlio resultou no movimento que passou a ser chamado de “Queremismo”, que surgiu em maio de 1945 no Rio de Janeiro com objetivo de lutar pela permanência de Vargas no poder137.

Diante da força já evidente do rádio, os líderes do movimento trataram de se mobilizar para que a causa ganhasse espaço nas estações. A Rádio Clube do Brasil, que teve origem na emissora paulista que compôs a cadeia que deu sustentação à Revolução Constitucionalista de 1932, novamente se engajou em uma campanha política. A estação foi colocada por seu proprietário, Hugo Borghi, a serviço do Queremismo.

No início de 1945, com a crise do Estado Novo, o Ministro Souza Costa sugeriu ao empresário Hugo Borghi a compra das emissoras do grupo – que estavam a venda – e as convertesse em instrumento de defesa do Governo. Para tanto, Borghi recebeu uma contribuição governamental de cinco milhões de Cruzeiros.138

137 Cf. DICIONÁRIO HISTÓRICO BIOGRÁFICO BRASILEI RO. CPDOC-FGV

6 Tendo como base as emissoras pertencentes ao grupo Rádio Clube, o movimento arrendou ou recebe apoio de outras, formando um total de 130 estações coligadas na rede Queremista. Para o radialista Luiz Mendes, apesar de o movimento ter fracassado, se o Queremismo conseguiu alguma visibilidade deve-se ao uso do rádio na defesa da causa.

Tinha um cidadão, parece que era Borghi o nome dele, que era diretor da Rádio Clube do Brasil. E ele criou o movimento “Queremista- Queremos Getúlio”. De certa forma, o Queremismo foi uma das razões para da Revolução de 45. Porque aquela derrubada de Getúlio, em 45, foi porque tinha gente que achava que ele estava por trás deste movimento. Mas ele não estava. Era um movimento espontâneo. Eu me lembro que o Brigadeiro Eduardo Gomes, que era o homem indicado para a Presidência da República pela oposição, falou que esses queremistas eram marmiteiros, os pobres que comem marmitas nas obras, então, o Borghi pegou aquilo que era pejorativo e começou a veicular na estação para atingir os candidatos e contar com apoio da massa de trabalhadores e pessoas de classe social mais baixa. (MENDES, 2005)

Temendo um novo golpe, o Exército se opôs a Getúlio e tomou as rédeas da crise, garantindo novas eleições. Assim, pôs fim à Era Vargas. Segundo Luiz Mendes, mesmo com a deposição de Vargas, o Queremismo continuou resistindo por um tempo, usando o rádio para conclamar a população, neste caso, para a volta de Getúlio, o que aconteceu cinco anos depois, com a eleição direta do político gaúcho.

Mesmo após a destituição de Vargas, o Queremismo continuou resistindo. Além da rádio do Borghi, muitas rádios participaram do movimento antes da queda, e algumas, espalhadas pelo país, permaneceram com a causa. Na verdade, o movimento nunca acabou, tanto que os Queremistas e a cadeia formada pelo movimento continuaram agindo, principalmente através de rádios do sul, na causa para o retorno de Vargas ao poder, tanto que isso aconteceu em 50. (MENDES, 2005)

7 Embora o movimento Queremista tenha tentado resistir à destituição de Vargas, ocorrida em 29 de outubro de 1945, acabou definhando e ficando apenas em resistências isoladas, lembra Luiz de Carvalho (2005):

Com a deposição de Getúlio, o Queremismo praticamente acabou na capital. Mesmo porque o regime estabelecido ficou de olho na Rádio Clube, que teve que fazer um movimento muito velado. A continuidade foi maior no sul, mas com pouca força e por pouco tempo, sem chegar aqui ao Rio.

No momento da queda do presidente, os funcionários das rádios estatais não sabiam que posição tomar. Na Rádio Mauá, braço trabalhista do governo, a maioria dos funcionários abandonou a emissora com medo de serem presos, como lembra Nena Martinez (2005):

As pessoas saíram e me deixaram trabalhando sozinha, na locução e na mesa [expressão simplificada para designar a mesa de som onde se opera a rádio]. Fiquei falando e na mesa. Aí eles chegaram [a força militar] e disseram assim: “Você está falando e dirigindo a rádio. E os outros?” “Foram embora e me deixaram”, respondi. Ele se virou e disse: “Mas que barbaridade, uma menina dessas – eu tinha uns 18 anos –, deixaram uma menina num cargo tão elevado... Feche a rádio e vá embora”, determinaram.

Com o anúncio da queda de Getúlio e do Estado Novo, o rádio sofreu um grande momento de apreensão. Segundo os profissionais da época entrevistados para este trabalho, o veículo, que tinha se desenvolvido sob o incentivo e controle da Era Vargas, em plena fase conhecida como a Era do Rádio foi pego de surpresa. O anúncio da deposição criou um impasse nas emissoras estatais, revela Dayse Lúcidi (2005):

O que me lembro é que as emissoras ficaram meio perdidas. Não sabiam se continuavam com a programação normal como se nada tivesse acontecido, se saíam do ar, se noticiavam, se não noticiavam, se cobriam ou não. Foram

8 algumas horas de impasse, mas que, logo depois, foram vencidas pelos profissionais, que mantiveram a programação e cobriram jornalisticamente as alterações políticas dentro das possibilidades de momento. A programação só foi suspensa com o suicídio de Getúlio, anos depois.

Em entrevista para este trabalho, o radialista Luiz Mendes explicou que houve um impasse, que não ficou restrito às emissoras do governo. As rádios privadas também passaram pelo impasse de como agir diante da queda do governo.

Acostumadas a funcionar sob o controle da censura e do regime, assim que houve a queda, os departamentos de jornalismo ficaram sob um certo nervosismo, dar ou não a notícia? A quem perguntar as orientações? Mas como a censura já tinha caído e a concorrência era grande, e a garra do profissional de rádio era grande, muitas vezes heróica para cumprir sua missão, não me lembro qual, mas em pouco tempo, uma mais corajosa [estação] anunciou e, em seguida, todas cobriram o fato. Porém, logo em seguida as novas forças políticas trataram de enviar comunic ados oficiais às estações para que o novo regime fosse oficialmente comunicado à Nação, o que foi feito pelo rádio, principal meio de comunicação do país, portanto recebendo uma atenção especial do poder recém- estabelecido. Novamente foi através do rádio que a população brasileira tomou conhecimento das alterações políticas. (MENDES, 2005)

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