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O mito da Esfinge, parte indissociável da trajetória de autoconhecimento de Édipo, é um dos mais representativos da mitologia grega. Fonte de inspiração de Sigmund Freud para a construção de um lugar de interpretação do Complexo de Édipo (FONTENELE: 2002, p.34; LONGO, 2006, p. 22) e da elaboração do conceito de inconsciente, esse mito significa uma leitura singular da alma humana. Aqui, não percorreremos os mesmos caminhos trilhados por Freud. Em vez disso, tentaremos deslocar a Esfinge de sua posição e produzir com ela outros sentidos e significados para o Édipo - Rei. Comecemos por escutá-la.

- Decifra-me ou te devoro!

Essa frase, atribuída à Esfinge da mitologia grega, representa (para mim) o âmago de um processo de pesquisa, das tramas e dos dramas da escrita, seja de uma tese, de uma dissertação, de um artigo ou de um livro. Ela reflete a potência do material simbólico sobre a constituição dos sujeitos, ou dito de outra forma, da transformação do indivíduo (ser bio- psíquico-social) em sujeito. Somos seres simbólicos, condenados a interpretar, em face de qualquer sistema de signos. É essa injunção à interpretação (ORLANDI: 2007c, p. 30) que remete nosso dizer, nossa escrita e nossa leitura ao discurso, instituinte de sentidos e de sujeitos, pois, segundo Orlandi (2007c), os processos de constituição de sujeitos e de sentidos se dão ao mesmo tempo: para atribuir sentidos o indivíduo interpreta e, ao interpretar, ocupa uma posição na rede de significações, filiando-se também a uma rede de sentidos; tanto a rede quanto os sentidos são historicamente determinadas(os). Nesse ato de interpretação o indivíduo torna-se sujeito. E isto é também um efeito discursivo, pois ser sujeito é apenas uma posição entre tantas outras e não uma forma de subjetividade (ORLANDI, 2005, p.49).

Segundo Georges Hacquard (1996, p.107), a Esfinge é um ser mitológico alado, com corpo de leoa, busto de mulher e cabeça de águia, que aterrorizava, nos arredores de Tebas, os viajantes que se dirigiam ao famoso Oráculo de Delfos, erigido em honra ao deus Apolo. Para as pretensões desse trabalho, o mito da Esfinge também abriga (sob o manto do silêncio), em latência, outros sentidos e permite-nos pensar (porque o sentido pode ser sempre outro) na seguinte metáfora: consultar o oráculo (ou um oráculo, porque havia muitos, em honra a outros deuses45) corresponde à caminhada em busca do (auto-eco-) conhecimento (GARCIA: 2009, p.6); encontrar a Esfinge seria como defrontar-se com questões viscerais da existência humana, questões profundas e incontornáveis acerca de si mesmo (quando diz “decifra-me”), produzindo ou estimulando reflexões inevitáveis (quando diz “ou te devoro”). Longo (2006, p.12) já faz uma alusão a esse processo de reflexão, possível na e pela linguagem, quando afirma:

(...) a urgência do sentido tem como corolário a criação de inúmeros sistemas simbólicos, fazendo da linguagem a forma mais humana de apreensão do mundo. (...) Desta forma, o homem pode dar corpo às suas fantasias, sonhos e medos, e se aproxima do conhecimento de si mesmo, para o qual é incessantemente convocado. Portanto, a reflexão sobre a linguagem – e sobre o discurso – que lança luz e redimensiona continuamente o conhecimento do homem. (LONGO: 2006, p.12)(Grifo nosso)

Redimensionar, aqui, ajuda-me a discutir aquilo que eu introduzo como a modificação do sujeito e do objeto, pela interação, pela presença virtual46 em relação a.

Como dito acima, a mitologia grega traz o enunciado da Esfinge como a mais pura expressão da alma humana: a eterna busca pelo conhecimento, a injunção à interpretação. Segundo a tradição, a Esfinge propunha a todos os passantes que se dirigiam a Delfos uma questão. Aqueles que não conseguiram decifrá-la foram comidos vivos pela aterradora Esfinge. Quando Édipo se encontra com a

45 Em nossos dias, a internet tem sido uma espécie de oráculo. Todos vão aos sítios de busca para saber alguma

coisa: o preço de um bem ou serviço, o significado de um verbete, a localização de uma comunidade, algu m conceito técnico ou científico, u ma tipo de vinho ou de queijo. O mais popular entre nós é o sítio GOOGLE™. Lá estão cadastrados milhares de sítios comerciais, educacionais e institucionais. Assim, em resposta a uma busca simples como a palavra ‘v inho’, por exemp lo, esse buscador retorna em apenas 0,10 segundos mais de 9 milhões de endereços ou ocorrências. Essa característica, aparentemente vantajosa, é na verdade um desastre, pois ninguém consegue ler tantas ocorrências. Isso coloca o Google numa condição muito semelhante à dos oráculos gregos, apesar de um deslocamento de sua materialidade: eles respondiam por parábolas, deixando aos consulentes a árdua tarefa de encontrar a interpretação mais adequada às suas caminhadas de auto -eco-formação. Essa tarefa é a própria condição humana: estamos condenados a interpretar.

46 Uso o termo virtual porque o objeto é construção e como tal, embora tenha alguma correspondência com a

Esfinge ela lhe propõe o seguinte enigma: - o que é que tem quatro pés pela manhã, dois pés durante o

dia e três pés ao anoitecer? Édipo consegue resolver o enigma e provoca assim a morte da Esfinge,

que se atira de um penhasco, livrando os gregos do rastro de destruição promovido pelo monstro. Como prêmio, torna-se rei de Tebas e casa-se com a viúva Jocasta. Ao descobrir que matara seu próprio pai e desposara sua própria mãe, cumprindo uma antiga profecia, ele fura os próprios olhos e sai pelo mundo. Na modernidade esse mito reaparece na obra de Sigmund Freud, onde desempenha um papel explicativo da formação do sujeito psicanalítico, dando lugar à noção seminal de Complexo de Édipo, uma das idéias fundantes/estruturantes da psicanálise. Não repetirei aqui o retorno freudiano a Sófocles, posto que desnecessário e até indevido. Farei, contudo, uma breve digressão acerca da Esfinge, produzindo outros deslizamentos de sentidos.

No contexto dessa escrita eu pretendo deslocar apenas um pouco da condição humana (do sujeito psicanalítico) presente tanto em Sófocles quanto na releitura dele feita por Freud, para trazer à discussão aquilo que estou antecipando aqui como o objeto-outro, o objeto de conhecimento

transfigura(n)do(-se) em sujeito, aquilo que, pela projeção sobre as diversas FDs, característica

ineliminável dos (necessários e imperativos) recortes teórico-epistemológicos – se personifica e dialoga com o autor, desafiando-o a significar: - decifra-me!

Recortar é ao mesmo tempo teorizar, ou, melhor dito, é um gesto de teorização, por isso atuante sobre o simbólico. Recortar é também ocupar na rede de significações, ainda que temporariamente, um entre-lugar (BHABHA: 1998, p.20) necessário para significar, para mobilizar sentidos, para interpretar. O mesmo se passa com a citação (COMPAGNON: 2007, p.15, 47-48; ORLANDI: 2007c, p.143) – também recorte – que faz migrar, de discurso em discurso, sentidos e significados, marcando posições (de sujeito) nas FDs e entre elas. Recorte e citação47 são entendidos

aqui como os mecanismos de inscrição do sujeito e do objeto em novas discursividades.

47 Citação é não somente uma forma de apropriação interpretativa, re-significante de conceitos e noções de

outros autores, mas também u m ponto de contato com outros textos e, portanto, também u m ponto de fuga daquele texto onde ela se encontra. Ela cu mpre o papel de estabelecer relações com o exterior de um texto, se ja na relação de reforço, texto a texto, dentro de uma mes ma FD – que é uma idealidade porque as FDs são heterogêneas –, seja na relação entre FDs ou ainda na relação entre discursos. Por isso a citação constitui-se um

entre-lugar de interpretação, porque coloca o autor em diferentes posições na rede de significações. É co mo em

um processo de abdução. A citação é o lugar de onde se alça vôo, é um ponto de fuga, (por isso mesmo, é) oportunidade de produção de outros sentidos. Como ninguém produz sentidos a partir de u m único ponto na rede de significações, mas a partir de vários deles, então o autor (e também o leitor) estão sempre em entre -lugares, em intersecções de FDs. O lugar é emp írico, mas as posições assumidas pelos sujeitos são ideológico- discursivas. Como o sujeito está sempre movendo-se sobre a rede de significações para produzir sentidos, então ele nunca está em u m lugar determinado; assim, co mo no princípio de incerteza de Heisenberg, não é possível dizer exatamente onde o sujeito se encontra, . E aqui há ainda u m elemento que co mplexifica essa relação: o fato de que há uma incerteza intrínseca da localização do sujeito mes mo se ele não se movesse e que se deve ao fato das FDs, por serem heterogêneas, não terem fronteiras definidas. A fronteira de uma FD é como uma praia: u ma faixa dinâmica de indefin ição entre o oceano e o continente, entre uma FD e outra.

A redução expressa nos recortes é um incontornável. Porém, tão logo esteja inscrito em uma nova rede de significação – ampliando seu conhecimento porque poderá produzir sentidos a partir de um conjunto mais amplo de FDs, embora de contornos cada vez menos nítidos – o indivíduo, movido pelo desejo (marca de sua incompletude), volta-se para algum novo oráculo, mesmo sabendo que encontrará no caminho uma ameaçadora Esfinge. Ele precisa buscar aquilo que os recortes lhe negam. Essa é a grande angústia humana, esse eterno retorno a si mesmo, essa tarefa condenatória que nos lembra do mito de Sísifo.

Aqui, especificamente, estou trazendo a idéia de redução como um traço marcante da impossibilidade de apreensão do todo – porque não é possível conhecer a totalidade de relações de um objeto com os sujeitos e todos os outros objetos –, e não como uma perspectiva redutora de abordagem e/ou análise. Por isso mesmo, trabalho com a idéia de totalização e não de totalidade, porque, seguindo Morin (2005b, p.15) “uma parte do real é irracionalizável”. O sentido mesmo da totalização que adoto nesse texto inspira-se em Macedo (2005) e se precipita em duas posições que marcam uma tomada de consciência da incompletude do sujeito e do conhecimento. Segundo ele:

(...) a primeira vai expressar os limites, o inacabamento, a incompletude, a biodegradalidade das objetivações humanas e a resistência da realidade ao conhecimento reduzido ao nomotético; a segunda se refere à necessidade de nos esforçarmos para aprender totalizações em constantes retotalizações. (Macedo: 2005, p.39).

No processo de pesquisa uma das questões mais inquietantes e importantes para o investigador é a construção ou delimitação do objeto (de conhecimento). Este objeto tem sido descrito de maneira distinta, de acordo com a tradição a que se filia o pesquisador.

Para as correntes positivistas há uma separação sujeito-objeto que resulta – pela via do desejo de objetividade – no apagamento do sujeito (do conhecimento). Até o final do século XIX a ciência que mais avançou nessa concepção disjuntiva foi a física. Segundo Prigogine e Stengers (1997, p.61),

A forma sistemática que a física clássica tomou, a sua pretensão de constituir uma descrição do mundo fechada, coerente, completa, expulsa o homem do mundo que ele descreve enquanto habitante, mas também, (...), enquanto o

descreve.

Nessa tradição, acreditava-se que é plenamente possível atingir uma verdade objetiva, independente, portanto, de qualquer “contaminação” de subjetividade. Com isso, o rigor metodológico decorrente dessa ‘assepsia’ seria suficiente para dar ao conhecimento assim produzido o estatuto de verdade e o caráter de universalidade. Para fazer sentido, a relação sujeito-objeto do positivismo ergue-se sobre a clássica oposição cartesiana entre res cogitans e res extensa. Curiosamente, mesmo nas ciências empírico-analíticas, a exemplo da Física, já há sinais de mudanças de compreensão do

alcance do conhecimento produzido, ou seja: mesmo quando fala de seu objeto tendo em mente a res

extensa o pesquisador tem ‘consciência’ de que as teorias são construções humanas, representações

dos fenômenos (inapreensíveis em sua totalidade, porque não se conhece o universo de relações de um objeto, sejam elas internas ou externas) a partir de modelos mentais da natureza. É ilustrativo dessa afirmação o excerto abaixo, retirado de um livro de Física muito usado por estudantes do primeiro ano de graduação na área de ciências ‘exatas’ no Brasil:

O primeiro passo no estudo de um fenômeno natural consiste em fazer abstração de grande número de fatores inessenciais, concentrando a atenção apenas nos aspectos mais importantes. O julgamento sobre o que é ou não importante já envolvem a formulação de modelos e conceitos teóricos, que representam, segundo Einstein, uma “livre criação da mente humana”.

Nussenzveig, 1993, p.3 (aspas no original).

Nota-se de imediato o caráter prescritivo do enunciado (O primeiro passo... consiste em), à guisa de metodologia, passando ao epistemológico (abstraindo de) e à teorização (modelos), o que ressalta também a dificuldade tácita de separá-los. Esse enunciado revela ainda a assunção da complexidade inerente aos fenômenos naturais, mas esbarra na necessidade teórico-metodológica de redução do número de fatores (relações) que intervêm no fenômeno a fim de capturá-lo. Isso dá ao conhecimento assim produzido a característica de incompletude. E duplamente. Primeiro, porque não é possível conhecer, listar, enumerar a totalidade e a natureza das relações que cercam um dado objeto. Segundo, porque além dessa ignorância essencial e inamovível, a necessidade teórico-metodológica impõe uma redução ainda maior do número de relações do objeto de estudo com os demais objetos admitidos na tentativa de apreensão/compreensão do fenômeno, mutilando seu poder explicativo/preditivo, caráter tão caro às ciências empírico-analíticas. O que se explica, portanto, não é o real ou o fenômeno natural que motiva o estudo, mas, antes, a construção humana daí derivada.

Ainda sobre essa ignorância essencial, Werner Heisenberg (1955) em seu livro “A Imagem da Natureza na Física Moderna”, enuncia a importância do princípio de complementaridade e o expõe a partir da exemplificação de três modelos de átomo: o planetário de Niels Bohr , o ondulatório e o químico. Ele diz que esses modelos, quando usados nos contextos pertinentes, são verdadeiros, mas não são compatíveis entre si. Essa incompatibilidade os torna descrições complementares de átomo48.

E é justamente a complementaridade que nos dá uma idéia da impossibilidade de uma descrição total de um objeto qualquer e, portanto, da natureza. Na literatura, a expressão mais divulgada, porém menos difundida porque não compreendida, desse princípio é a dualidade49 onda-partícula.

48 Coerente co m a noção bachelardiana de perfil epistemológico.

49Dualidade como compreendida na física refere -se à incongruência essencial entre localização e deslocalização,

Os modelos de átomo supracitados descrevem imagens da natureza a partir de diferentes Formações Discursivas: o mecanicismo Newtoniano, as ondas de matéria de Louis de Broglie e Erwin Schrödinger, e a tradição empírico-analítica da química. Elas ajudam o sujeito cognoscente a construir aquilo que Bachelard chamou de perfil epistemológico de átomo. Sobre os modelos de átomo e sua relação com a complementaridade, Heisenberg (1955, p.30) assim se expressa:

(...) Estes diferentes modelos são verdadeiros quando se utilizam no momento próprio, mas são incompatíveis uns com os outros e chamam-se, por isso, reciprocamente complementares. A indeterminação intrínseca a cada uma destas imagens, e que se exprime mediante a relação de indeterminação, basta para evitar contradições lógicas entre as diferentes imagens. Estas indicações permitem, mesmo sem penetrar no formalismo matemático da teoria dos quantos, compreender que o conhecimento

incompleto de um sistema deve ser um componente essencial de toda a formulação da teoria quântica. (Itálico do original).

As correntes marxistas e neo-marxistas encaram o objeto do conhecimento e sua relação com o sujeito a partir da noção de dialética. Ao contrário dos positivistas, essas correntes tomam como critério de verdade – de validação do conhecimento, portanto – o conceito de práxis.

Entre os fenomenologistas, segundo Ferrater-Mora (1975, p.340), pela fidelidade à idéia de fenomenologia como "pura descrição daquilo que aparece", a situação é um pouco diferente porque a centralidade está na descrição do processo mesmo de conhecer, ou seja, da apreensão do objeto pelo sujeito. Aqui aparece o primeiro deslocamento necessário à minha “análise”: essa descrição pressupõe a presença ou co-presença do sujeito e do objeto. E essa é uma condição ineliminável no processo de conhecimento do humano pelo humano.

Estou incorrendo, a partir de minha análise de um possível objeto-outro, num caso de dupla implicação: uma com o “meu” objeto (de quem sou também objeto), outra com o processo de pesquisa, a delimitação, a construção do objeto, a escolha e re-significação dos referenciais e as tradições metodológica e teórico-epistemológica. Em um artigo recente, De Lavergne (2007, p.38) põe em relevo processos dessa natureza:

Le cas limite extrême, c’est celui de la constitution comme cas de recherche, par le chercheur, des activités dans lesquelles il est impliqué. Ce choix est lié à une exigence épistémologique : l’analyse de sa propre implication est un teóricas ontologicamente deslocalizadas. Todavia, essa incongruência somente se justifica em u ma leitura (perspectiva) não-quântica da idéia de localização. Sabe-se da literatura que para os elétrons na superfície de um corpo sólido há uma probabilidade de encontrá-los a certa distância do arranjo mais externo de átomos que formam o sólido. Assim, a noção de fronteira ríg ida fica virtualmente redefinida em nível atômico.

ressort important de la recherche. Le praticien-chercheur s’expose, et se lance le défi de mener une analyse scientifique sur sa propre activité professionnelle, sans verser dans le discours professionnel ou réflexif50. (De

Lavergne: 2007, p.38),

Esse recorte evidencia a necessidade de uma re-significação do conhecimento do conhecimento: a tomada de consciência de (si) (Galeffi51, 2007) que se reflete aqui na compreensão do processo e do estado da própria implicação.

A caminho dessa análise, parto de uma noção bastante plástica da peça de Sófocles. Imagino meu objeto de conhecimento fitando-me nos olhos, desafiando-me (às vezes até assustadoramente), a dizer-me em tom provocativo: - “Decifra-me ou te devoro!”

Mesmo assim, o objeto de estudo – que nós construímos, desconstruímos e reconstruímos diariamente, mas que exerce sobre nós um forte poder instituinte – também se serve de todo um arsenal simbólico para poder dialogar conosco (deslocando sentidos e significados, produzindo outros sentidos e sujeitos), desde as noções semiológicas às noções da AD. E é justamente por conta desse intenso diálogo que o objeto precisa ser reconfigurado, porque é assim que ele incessantemente institui e se institui tal qual o sujeito.

Na busca do que estou chamando de personificação do objeto, desse objeto tornado sujeito, é preciso mobilizar noções ontológicas, epistemológicas e de análise do discurso. A discussão acerca da natureza do Objeto-outro passa por pensar na distinção entre real e virtual. Em verdade, há uma pequena confusão entre o conceito de real e virtual com respeito a sua materialidade. O virtual em Aristóteles é potencia. Para ele o virtual é real, mas não é concreto em substância. Na metáfora da árvore, Aristóteles diz que a árvore é potência na semente (porque conhecemos ambas e criamos a espera, que é uma forma de presença), embora a árvore ainda não exista. Associadas às noções de presente, passado e futuro, embora as coisas futuras ainda não sejam, elas já estão em espera em nós.

Ainda como preparação para o Objeto-outro é preciso trazer uma noção mais conseqüente de relação, porque é ‘em relação a’ que o indivíduo torna-se sujeito. Aqui Ferrater-Mora (1975, p.554) distingue também entre relações internas e relações externas. Segundo esse autor:

50 Livre-tradução: “O caso limite extremo é aquele da constituição como caso de pesquisa, pelo pesquisador,

das atividades nas quais ele está implicado. Essa escolha está ligada a uma exigência epistemológica: a análise de sua própria imp licação é uma mola propulsora importante da pesquisa. O prático-pesquisador se expõe, e se lança o desafio de conduzir u ma análise científica sobre sua própria atividade profissional, sem cair no discurso profissional ou reflexivo.”

51 Dante Galeffi, durante uma aula de Filosofia da Educação (2007), na Faculdade de Educação da UFBA, liga a

Quando se concebem as relações como relações externas, supõe-se que as coisas relacionadas ou relacionáveis possuem uma realidade independente das suas relações. As relações não afectam, portanto, fundamentalmente, as coisas relacionadas ou relacionáveis. Quando se concebem as relações como relações internas, em contrapartida, supõe-se que as coisas relacionadas ou relacionáveis não são independentes das suas relações; portanto, as relações são internas às próprias coisas. Assim, por exemplo, na teoria das relações externas as coisas são ontologicamente prévias às relações, as quais se