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2.1. Múltiplas perspetivas da inteligência

2.1.1. O conceito de Inteligência

2.1.1.2. Abordagem desenvolvimentista

A abordagem desenvolvimentista preocupa-se com as estruturas ou esquemas mentais inerentes ao funcionamento cognitivo e, como diz Machado (2013), pretende compreender os processos que levam um indivíduo a mobilizar determinadas formas de pensamento, estratégias de resolução, argumentações e compreensões do mundo e das situações problemáticas próprias dos desempenhos que caracterizam os desempenhos de um determinado estádio de desenvolvimento.

Segundo Almeida, Guisande e Ferreira (2009) esta abordagem não se intrometeu nas controvérsias clássicas suscitadas pela abordagem psicométrica em torno da definição e da medida da inteligência, como o número e a natureza dos fatores, a hereditariedade versus meio na explicação da inteligência, as diferenças interindividuais segundo grupos socioculturais de pertença.

Para os defensores desta abordagem, a vertente compreensiva e explicativa da inteligência está, sobretudo, associada à idade dos sujeitos, em particular às mudanças

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intelectuais na infância e adolescência e, tem em Piaget e Vygotsky dois dos seus autores mais emblemáticos.

Partindo da sua formação inicial em biologia, Piaget, questionou-se quanto às funções ou propriedades que permitiam aos organismos adaptar-se e sobreviver nos respetivos contextos, preocupando-se menos com a medida e mais com o desenvolvimento da inteligência (Almeida, Guisande e Ferreira, 2009). A preocupação de Piaget era então, na opinião de Furnham (2011), saber como aprendem as crianças a adaptar-se ao mundo.

O conceito de inteligência para Piaget não é fixo, pois o desenvolvimento pode ser descrito em termos de estádios a que correspondem a aquisição e complexificação sucessivas de estruturas operatórias. Aponta a inteligência como uma forma superior de adaptação biológica, implicando a modificação do ambiente, e através da qual o sujeito obtém um equilíbrio complexo e flexível na sua relação com o meio. Ao definir inteligência, atende à sua função de adaptação e à sua estrutura e daí que, segundo Gardner (1983), Piaget nunca se tenha ligado ao movimento dos testes de inteligência. Piaget ao mapear a mente da criança, criou o campo do desenvolvimento cognitivo, rejeitando a noção generalizada de que a mente da criança é simplesmente uma versão em miniatura do adulto, e a sua principal contribuição foi descrever as formas de conhecimento característico em cada fase do desenvolvimento (Gardner, 2006). Piaget acreditava, segundo Mithen (1998), que a mente é como um computador, rodando num pequeno conjunto de programas de utilidade geral que controlam a entrada de novas informações além de reestruturarem a mente de modo a que passe por uma série de fases de desenvolvimento.

Para Piaget (1967, 1978), a inteligência aparece como uma estrutura que imprime determinadas formas às trocas entre os indivíduos e os objetos em seu redor, tanto na proximidade como na distância. Assim, descreve quatro estádios de desenvolvimento: o estádio sensório-motor (do nascimento até aos 2 anos), é o estádio da inteligência em ação; o estádio pré-operatório (dos 2 aos 7 anos), ocorre com o desenvolvimento da linguagem e do jogo; o estádio operatório concreto (dos 7 aos 12 anos), o pensamento das crianças deixa de depender tanto das suas perceções e passa a ser capaz de usar uma série de operações lógico- matemáticas; e o estádio operatório formal (dos 12 aos 16/18 anos), onde se desenvolve a capacidade de pensar em termos de estados do mundo possíveis. Ao conceber estes estádios de desenvolvimento, Piaget tem, como princípio a sua universalidade e a sua sequência invariante, ou seja, a aquisição de um estádio só ocorre após a aquisição dos estádios anteriores, generalizando este processo para todas as culturas. Cada um destes estádios é caracterizado pela capacidade de executar determinadas tarefas e de se confrontar, de forma diferenciada, com as experiências.

Portanto, para Piaget (1975) a inteligência é uma adaptação. Para apreendermos as suas relações com a vida, em geral, é preciso, pois, definir que relações existem entre o organismo e o meio ambiente. A inteligência é assimilação na medida em que incorpora nos seus quadros todo e qualquer dado da experiência. No começo da evolução mental, a adaptação intelectual é, portanto, mais restrita do que a adaptação biológica, mas,

27 prolongando-se esta, aquela supera-a infinitamente. Para este autor em primeiro lugar, pode- se atribuir o progresso intelectual à pressão do meio exterior, cujas características seriam pouco a pouco gravadas no espírito da criança; em segundo lugar, pode-se explicar a inteligência pela própria inteligência, isto é, supor a existência de uma atividade estruturada desde o começo e que se aplica diretamente a conteúdos cada vez mais ricos e mais complexos; em terceiro lugar, pode-se, de acordo com as conceções aprioristas, considerar que os progressos da inteligência são devidos não a uma faculdade inata, mas à manifestação de uma série de estruturas que se impõem de dentro para fora à perceção e à inteligência, à medida que se manifestam as necessidades provocadas pelo contato com o meio; em quarto lugar, a inteligência pode ser concebida como consistindo numa série de tentativas e explorações empíricas inspiradas pelas necessidades e as implicações delas resultantes, mas selecionadas pelo meio exterior; em quinto lugar, pode-se conceber a inteligência como o desenvolvimento de uma atividade assimiladora cujas leis funcionais são dadas a partir da vida orgânica e cujas sucessivas estruturas que lhe servem de órgãos são elaboradas por interação dela própria com o meio exterior. Em suma, para Piaget, em todos os níveis, a experiência é necessária ao desenvolvimento da inteligência.

Assim sendo, pode dizer-se que Piaget distingue, portanto dois tipos de experiência (ou dois componentes de toda a experiência): a experiência física e a experiência lógico- matemática. Essa distinção entre experiência física e experiência lógico-matemática não corresponde a uma dissociação, pelo contrário, experiência física e experiência lógico- matemática são indissociáveis e apresentam apenas os componentes sempre presentes, em graus diversos é verdade, de toda experiência (Dolle, 1975).

Mas enquanto muitas das contribuições de Piaget (Gardner, 2006a) iam sendo assimiladas pela psicologia do desenvolvimento, certas limitações nas suas abordagens tornaram-se evidentes. A ênfase de Piaget sobre o pensamento lógico-racional e a sua negligência correspondente aos portadores pelo qual o conhecimento é realizado salientou a necessidade de uma nova perspetiva pós-piagetiana. Desta forma, a teoria de Piaget recebeu muitas críticas não deixando, no entanto, de ser influente porque implica que as crianças conseguem aprender num determinado estádio aquilo que estão prontas a aprender. Implica também que devem ser ensinadas através de um processo ativo de autodescoberta envolvendo brinquedos e atividades.

Vygotsky foi um dos primeiros autores a reagir criticamente às ideias de Piaget, embora ambos partilhassem quer uma perspetiva genética na compreensão dos fenómenos mentais quer uma abordagem dialética em termos dos processos de desenvolvimento como dizem Almeida, Guisande e Ferreira (2009). Vygotsky (2007) refere mesmo que a discordância com Piaget se centra num só ponto, uma vez que Piaget pressupõe que o desenvolvimento e a instrução são processos completamente separados e incomparáveis e que a função da instrução se limita a introduzir formas adultas de pensar, os quais entram em conflito com os da criança e acabam por os superar, e centrando-se nessa interação.

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A teoria de Vygotsky assume-se como sociocultural que enfatiza largamente a importância do contexto social no desenvolvimento psicológico ao defender que qualquer função no desenvolvimento cultural da criança ocorre duas vezes: primeiro no plano social e mais tarde no plano individual; primeiro entre as pessoas e depois dentro da criança. Na génese do desenvolvimento cognitivo, e à semelhança de Piaget, Vygotsky coloca a importância da ação, e acentua também o papel determinante dos processos de desenvolvimento e não tanto os resultados. Os processos cognitivos e as formas de estruturar o pensamento não são determinados apenas por fatores genéticos, antes são resultados das interações com o contexto sociocultural. Portanto, tanto a historicidade da sociedade como a própria história pessoal do indivíduo são fatores cruciais que vão determinar o seu desenvolvimento cognitivo. O conhecimento evolui essencialmente através da interação com as outras pessoas, nomeadamente nas atividades que exigem algum grau de cooperação.

Outra das contribuições importantes de Vygotsky (2007) prende-se com a explicação de que todas as funções psíquicas superiores são processos mediados por instrumentos e signos, nomeadamente a linguagem, que surge como um instrumento privilegiado que condiciona o facto de os processos mentais superiores se configurarem através da atividade social. Para este autor, é importante compreender as relações entre pensamento e linguagem para que se entenda o processo de desenvolvimento intelectual. A linguagem não é apenas uma expressão de conhecimento adquirido pela criança na medida em que existe uma inter- relação fundamental entre pensamento e linguagem caracterizada pela troca recíproca de recursos. Portanto, para Vygotsky é importante que no desenvolvimento cognitivo da criança haja uma interação social com os adultos e com outras crianças com elevadas capacidades.